Na 12ª Carta de Conjuntura da USCS tratei do APL Metalmecânico do Grande ABC. Mostrei que, para analisar o setor metalmecânico, a partir do prisma de território produtivo, contextualizando-o a uma ‘nova geração de projetos APL’, é preciso compreender: 1 – o processo de composição institucional a ele adjacente; e 2 – o universo e a distribuição das empresas pela atividade econômica no território. Os investimentos no setor metalmecânico (montadoras de veículos, fabricantes de autopeças, indústria de bens de capital, eletroeletrônica) e no setor químico a partir da década de 1950 transformaram o Grande ABC no maior aglomerado industrial da América Latina. Tal processo desencadeou a presença de empresas transnacionais e a formação de um conjunto de empresas fornecedoras de pequeno e médio portes; a constituição de uma classe operária e de um sindicalismo ativo e com poder político; e crescimento urbano e populacional, num intenso processo migratório.
Com a crise fiscal do Estado nacional, na década de 1980, e a abertura econômica promovida no Brasil durante a década seguinte, tal pilar econômico de base fordista foi abalado. A crise da região, a partir dos anos 1990, relacionada com o processo de reestruturação produtiva global, resultou no fechamento de fábricas, desemprego e deslocamento de investimentos produtivos para outros locais. A gravidade da situação imposta pela nova conjuntura colocou em xeque a proposta produtiva anterior.
Naquele momento, o Grande ABC foi capaz de combater o ‘municipalismo autárquico’ (conduta excessivamente autônoma dos entes municipais) e buscar, com inspiração em experiências internacionais, estrutura de governança focada em congregar entes sindicais, políticos e empresariais num projeto regional mais amplo de desenvolvimento.
A resposta veio com a criação de uma câmara setorial da indústria automobilística, experiência de negociação tripartite (sindicatos, empresas e governo) inovadora por ter exercitado mecanismos democráticos de gestão pública setorial e por ter representado um aprendizado para os atores sociais da região, refletindo-se, em 1997, na criação da Câmara Regional do ABC.
Desde sua fundação, a câmara regional criou grupos de discussão para debater questões específicas e propor ações, inclusive prevendo os atores mais condizentes e as fontes de financiamento. O primeiro desafio foi estruturar propostas dentro de uma estratégia regional viável. Os primeiros acordos no âmbito da câmara regional foram firmados em 1997 e previram medidas em infraestrutura, meio ambiente, turismo e desenvolvimento econômico, entre as quais a criação da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Surgida como associação civil de direito privado e braço executivo do Consórcio em políticas setoriais de desenvolvimento econômico, compõem o quadro de cotistas da agência: o Consórcio Intermunicipal (49% das cotas); e instituições da sociedade civil organizada, como sindicatos, universidades, associações empresariais, entre outros (51% restantes).
O aumento da capacidade institucional via agência representou inovação importante para a revitalização desta política, a ponto de encorajar, à época, atores relutantes a se associarem à instituição, sobretudo grandes companhias locais. Este foi um passo para solidificar uma nova abordagem de política industrial local, apesar de sua efetiva colaboração ainda ter sido pouco analisada.
O primeiro registro formal de projeto específico com foco no desenvolvimento de setores estratégicos para o Grande ABC data de 2004, tendo na agência o hub centralizador. Trata-se de convênio entre agência, Sebrae-SP e Sebrae Nacional, cujo objeto consistia no desenvolvimento de micro e pequenas empresas dos setores plásticos e autopeças e ferramentaria (este último como embrião do APL metalmecânico).
A partir dos dados da Rais-Caged, foi possível realizar atualização da concentração do setor metalmecânico no território, tendo como base o recorte produtivo construído pela USCS (Universidade Municipal de São Caetano), encomendado à época da implantação dos projetos de APL na própria agência.
Como método, levaram-se em consideração as divisões industriais do Cnae (Código Nacional da Atividade Econômica) versão 2.0, pertencentes à seção da indústria de transformação. Foram identificados, com base nesse critério, cerca de 3.600 estabelecimentos, distribuídos pelos sete municípios do Grande ABC. Importante destacar que tal período não captura o impacto da saída da Ford da região, o qual poderá ser percebido nos dados da Rais em estudos subsequentes.
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