Sem Jogos de Tóquio e com visitas suspensas, unidade 2 de Santo André encontra alternativa
A pandemia do novo coronavírus causou o adiamento dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio, que seriam realizados entre julho e setembro deste ano, respectivamente. Entre outras tantas competições, eventos e situações que sofreram algum tipo de suspensão, cancelamento ou adiamento, a chegada da pandemia também proporcionou a privação dos jovens da Fundação Casa em receberem visitas. A solução para que os jovens da unidade 2 de Santo André pudessem ocupar o tempo e, ao mesmo tempo, realizarem algum tipo de atividade foi justamente promover uma olimpíada entre eles.
A aceitação dos 38 internos foi imediata. Eles foram divididos em sete times e cada um escolheu um país para representar. Afeganistão, África do Sul, Alemanha, Brasil, Jamaica, Reino Unido e Rússia estão na disputa de 19 modalidades, que vão desde esportivas e recreativas até educativas: basquete, tênis de quadra, badminton, futsal, circuito de exercícios, corrida de resistência, arremesso de bexigas d’água, tênis de mesa, cabo de guerra, queimada, matemática, damas, dominó, xadrez, embaixadinhas, bingo, videogame e a elaboração artística da bandeira de cada nação.
“Devido à pandemia, a rotina deles (jovens) foi toda cancelada. As aulas, os cursos profissionalizantes, as atividades com ONGs (Organizações Não Governamentais) e as visitas. Mesmo com a equipe reduzida, pensamos em forma de melhorar a autoestima dos meninos e veio a ideia da Olimpíada. A Fundação sugeriu atividades, readaptamos, incrementamos com outras modalidades e estamos realizando a primeira olimpíada”, conta o coordenador pedagógico da unidade, Luiz César Madureira. “Sempre usamos o esporte como meio de ressocialização e transformação social, para quando eles saírem terem mais conhecimento e acervo motor para usar em outras finalidades na vida”, emenda o instrutor, que também é professor de educação física.
Independentemente do crime cometido por cada um dos adolescentes, o trabalho realizado preza justamente pela recuperação dos indivíduos. “Nosso intuito é quebrar o ciclo de violência, de exclusão, de envolvimento com o crime. Meio de dar base para fazer escolhas e ser protagonista da transformação social dele, para que seja o transformador da própria vida. Fazê-los entender que foram pegos e é o momento de ressignificar vida. Tenho convicção que é possível criar novos caminhos. Temos meninos, por exemplo, que saíram daqui, passaram no vestibular e foram para a faculdade”, explica.
Madureira conta que ele e os demais colegas que trabalham na unidade realizaram palestras explicando sobre a pandemia do novo coronavírus aos internos. O coordenador pedagógico diz que todos ficaram surpresos quando os próprios jovens apoiaram a suspensão das visitas dos familiares à unidade. “Conversamos bastante com eles sobre isso, sobre o risco que os familiares corriam e até de levarem (o vírus) para eles na unidade. Então entenderam que o melhor era ficarem em casa. Demos várias palestras para falar sobre o assunto, de todo o risco que corriam, muitos familiares do grupo de risco, próprios meninos pediram para as famílias não irem. A aceitação foi legal. Então a surpresa foi grande”, revela o profissional, que exalta a importância dos entes no processo de recuperação destes adolescentes – que atualmente vêm se comunicando por ligação e carta.
“A família é a base. Não conseguimos salvar o mundo sozinhos. Família é peça-chave nisso. Com essa quebra por conta da pandemia, tivemos de trabalhar muito a parte psicológica e outras atividades para suprir. Houve dano bastante significativo. Portanto, o que a gente pode fazer para amenizar isso, estamos tentando com muita raça, para suprir essa necessidade”, afirma Madureira.
Internos mostram conhecimento sobre Covid
Sexta-feira à tarde na unidade 2 da Fundação Casa em Santo André. Lado a lado, de cabelos raspados e chinelos, representantes de Brasil e Reino Unido entram na quadra para a disputa da final do vôlei de quadra. Após o protocolo e antes de a bola subir, alguns jovens calçam os tênis. Outros, preferem ir à batalha descalços mesmo. E quando o árbitro apita, a rivalidade toma conta do ambiente.
“A gente procura trabalhar o espírito de grupo, cooperação, espírito de saber ganhar e perder, até para a vida deles. E podem descobrir talentos na prática. Acaba sendo um desenvolvimento, porque acham que não sabem nada, não são bons para nada, não servem para nada, mas se identificam e acabam vendo que têm potencial. Muitos têm autoestima baixa. Quando se identificam com esporte ou que é possível aprender algo, dá gás neles”, explica o coordenador pedagógico Luiz César Madureira.
A fala do orientador se reflete na dos jovens. “(Essa olimpíada) Foi algo que veio para distrair nossa mente nesta pandemia e desenvolver o desejo pelo esporte. É algo que podemos levar para frente, só basta querer”, diz Carlos Afonso (nome fictício), 18 anos, apreendido por latrocínio (roubo seguido de morte). “Foi acidentalmente. Cada dia mais quero melhorar minhas atitudes”, admite ele, integrante do Brasil na olimpíada e que acabou derrotado na final do vôlei.
Felipe Santos (também fictício), 17, que está na unidade em razão dos roubos de cinco carros – crimes pelo quais se diz arrependido –, elogiou a promoção dessa atividade esportiva, artística e educacional na unidade 2 da Fundação Casa de Santo André. “É divertimento para passar essa medida socioeducativa o mais rápido possível”, afirma o jovem, que admite a rivalidade entre os times. “Ninguém quer perder, porque depois um fica zoando o outro”, sorri.
Segundo ambos, a suspensão das visitas dos familiares em razão da pandemia foi muito sentida. “É duro, porque estamos acostumados com as visitas. Está difícil até hoje, mas aos poucos estamos adaptando”, diz Felipe. “No começo fiquei com a autoestima bem baixa, mas depois criei a maturidade que é importante o isolamento social para nos prevenirmos”, completa Carlos.
Os internos demonstram discernimento sobre o assunto. “Muitas pessoas estão morrendo. O que a gente precisa é se prevenir, cuidar da saúde”, afirma Carlos. “Muita gente não está levando a sério, achando que é brincadeira. No começo eu não acreditava, não botava credibilidade, mas vi que muita gente estava morrendo. Preocupação aumentou porque pensei nos meus familiares lá fora, avó, mãe, e na minha própria saúde aqui dentro. Então tem que se prevenir”, finaliza Felipe.
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