O anúncio de uma página inteira nos principais jornais do País, na semana passada, de entidades do agronegócio, da indústria, da construção civil e do comércio em apoio ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não caiu bem no agronegócio e pode ter tido um efeito contrário ao desejado.
A opinião é de Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), entidade que não assinou a nota. Com o título "No meio ambiente, a burocracia também devasta", foi uma resposta a outro anúncio, também de uma página, publicado dias antes por organizações ambientalistas. Elas pediam a saída de Salles do ministério em razão de suas falas na reunião ministerial do dia 22 de abril.
Na ocasião, Salles declarou que é preciso aproveitar a "oportunidade" que o governo federal ganha com a pandemia do novo coronavírus (e a cobertura da imprensa focada na covid-19) para "ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas". Ele também afirmou que era "hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação".
O anúncio em apoio a Salles recebeu uma enxurrada de críticas. Empresas representadas por algumas das entidades signatárias, como Avon, Natura, Beach Park e até Turma da Mônica disseram não concordar com as declarações. A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) acabou retirando seu apoio.
Em entrevista, Brito, que também é cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, disse que a "questão da desburocratização é pauta há 30 anos", mas que não deve ser da forma exposta por Salles. "Não precisa passar coisas de baciada. Pega mal para o agro."
Como o anúncio de entidades apoiando o ministro Ricardo Salles caiu no meio do agronegócio?
A questão de desburocratização é a pauta há 30 anos. Agora: é daquela forma? Não. Nós mudamos a previdência de forma transparente. Não precisa passar as coisas de baciada. Então pegou mal. Pega mal para o agro. E veja bem. Não era a ministra da Agricultura que estava falando, era o ministro do Meio Ambiente. Tem um processo meio maluco nisso aí. Mas quando se olha a nota, é basicamente o setor de construção civil e imobiliário dando apoio. Nacional do agro, de relevância, tem Aprosoja, Abrafrigo (dos frigoríficos), Abrafrutas e SRB (Sociedade Rural Brasileira). E a Única (produtores de cana-de-açúcar).
E a CNA?
Eu não vou considerar a CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil)? Porque CNA, CNI (indústria), CNS (serviços) e CNC (comércio de bens, serviços e turismo) são confederações tocadas com dinheiro de renúncia fiscal do governo. Nunca vi nenhuma dessas confederações contrárias a qualquer posição de governo ora no poder.
Qual é o impacto?
Acho que o resultado dessa nota foi o contrário do esperado. Foi ruim para as associações que se dispuseram a assinar e para as empresas que fazem parte dessas associações. Isso nos relembrou que somos associações de defesa do setor no que tange às leis e às relações comerciais e sociais. Não cabe às associações entrarem em embate político ou em apoio a esse ou àquele governo. Na Abag, apoiamos o agronegócio legal, moderno, contemporâneo, e discutimos com todos os governos a melhoria deles. Razão pela qual não assinamos a nota. Mas acho que o contexto geral da representação do agro sai mais fortalecido.
Em razão de quem não assinou?
A nota diz mais por quem não assinou. A assinatura da SRB provocou um racha. A Única e Aprosoja são alinhadíssimas com esse governo desde o começo. Então não causa surpresa. A Abrafrigo também. Dos 10 produtos em que o Brasil está entre os top 3 do mundo de produção e exportação tem só tem a Única e a Aprosoja assinando a nota. Abiec (das indústrias exportadoras) não está lá, ABPA (proteína animal), Abag, Cecafé (exportadores de café), BR-Citrus (exportadores de sucos cítricos). Essa guerra de narrativas é algo tão de propaganda? não deveria mais estar acontecendo em 2020.
O sr. se refere também ao anúncio das ONGs pedindo a saída de Salles?
Acho que os dois lados. É lamentável que o Brasil esteja tão dividido. Está na hora de as grandes empresas, de os grandes nomes desse País, de as grandes associações sentarem com maturidade, analisar o quadro e repensar como estamos tratando nosso País. Estamos quase nos transformando em um pária internacional. Precisamos identificar como sair desse buraco que nós mesmos cavamos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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