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Saudade aperta após dois meses de isolamento físico

Moradores da região que cumprem quarentena relatam mudanças na rotina e dor que causa a distância dos parentes

Luis Felipe Soares
Do Diário do Grande ABC
23/05/2020 | 23:08
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Claudinei Plaza/DGABC


A rotina mundial passa por mudanças desde o surgimento da Covid-19. Como combate à proliferação da doença, a principal ação indicada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é o isolamento físico. No Estado de São Paulo, o governador João Doria (PSDB) decretou quarentena em 24 de março e parte da população tem ficado o máximo de tempo possível dentro de casa. Os dois meses que se passaram, completados hoje, geram expectativa, dúvidas, receio e saudade em quem tem feito seu papel de evitar que a complicação se espalhe ainda mais.

Na companhia do marido, a andreense Laís Glaucia Prado Carmello, 76 anos, se antecipou à decisão estadual e não coloca os pés fora de seu sobrado desde 13 março. “No começo, pensei que teríamos que ficar entre 15 e 20 dias sem sair. Fui vendo os adiamentos para as novas datas, as informações foram chegando, os dados aumentaram. Acho que ninguém tinha ideia dessa proporção atual”, comenta a aposentada. “O maior pavor tem sido sobre o impacto fortíssimo da doença. O que mais dói é saber que estão indo embora milhares de pessoas. A perda é enorme e mexe muito comigo.”

A família chegou à conclusão de que o casal não iria mais ao supermercado, hábito que fazia parte do cotidiano. Agora, ela faz a listagem do que precisa, envia no WhatsApp e algum parente se responsabiliza de realizar a compra. “Me sinto segura em não precisar ir, porque sei que o mercado é o novo point do perigo. E quando recebo as sacolas no portão, desinfeto tudo. Tudo o que eu faço quanto ao que vem de fora me deixa em alerta. Virou uma neurose na minha cabeça”, conta.

A rotina de Jorge Luiz Gimenes, 65, o tem obrigado a realizar o trabalho como engenheiro ambiental dentro de seu lar. “Seria melhor ir até a empresa mesmo, mas, nesta situação, temos que ficar longe do convívio coletivo”, diz. A caminhada de todos os dias ajudava bastante com a saúde. “Você reflete sobre isso e sobre as pequenas coisas.”

Uma das poucas arejadas na cabeça ocorre quando viaja, aos fins de semana, para seu sítio, em Atibaia, a 80 quilômetros de Santo André, de onde falou com a reportagem do Diário. O objetivo principal é alimentar os animais que vivem no endereço interiorano, mas serve como suspiro de esperança para dias melhores.

Os dois personagens tomam todos os cuidados regulares que podem contra a Covid-19, sendo que um grande vilão nos últimos dois meses tem sido a saudade. “O pessoal deu um tempo longe mesmo. Meu filho, por exemplo, eu não vejo presencialmente há dois meses. A minha filha e meu neto eu vi dias desses, no carro, mas não é a mesma coisa”, lamenta Gimenes. “Ficar muito tempo em casa pode te deixar deprimido. O homem é um animal social e precisa se comunicar e estar em contato com outras pessoas sem ser sua família. A internet ajuda muito na interação, mas não há nada como trocar energias com outro indivíduo. Isso faz falta.”

Laís diz que sofre menos estresse por se sentir bem com sua casa. Só lamenta que o ponto de encontro da família está temporariamente suspenso para visitas. “Adoro o meu lar, mas quero os ‘meus’ aqui comigo. É muito triste não poder abrir o portão e trazê-los para dentro. Isso mexe demais com meu coração. Entrego nas mãos de Jesus e de Nossa Senhora Aparecida. Não é brincadeira.” Estar grato pela saúde – e pela vida – e ficar em quarentena está na lista do que pode ser feito na atual situação. 

Aspecto emocional preocupa especialista 

Os dois meses da decisão do período de quarentena obrigatória no Estado de São Paulo têm afetado as pessoas de diferentes maneiras. A alteração forçada na rotina de quem tem ficado o máximo possível em casa gera reflexos em mudanças de comportamento e complicações quanto a diversos sentimentos.

Segundo a psicoterapeuta e psicóloga Pollyanna Esteves de Oliveira, os principais desafios neste período confinado envolvem adaptação à atual realidade, a convivência mais intensa com quem se divide o lar e o acúmulo de funções, como responsabilidades de home office, cuidar de filhos e ajudar na arrumação. Há relatos de insônia e desregulagem para dormir, picos de ansiedade, estresse e falta de foco em ações regulares. Detalhe que a irritação aparece tanto para quem é a favor do isolamento quanto para os que não acreditam nas recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) para combater a Covid-19.

“As pessoas devem ficar atentas se estão se comportando de maneira muito diferente do convencional, se não estão conseguindo manter o controle emocional e procurar ajuda. Muito estresse e ansiedade podem gerar depressão, síndrome do pânico e medo excessivo”, alerta a especialista. “O principal para manter o emocional em ordem é se concentrar no presente, ter gratidão e olhar para o futuro com esperança. Aproveitar este momento para se conhecer, fazer coisas que não tinha tempo antes.”

Reflexões sobre saudades quanto a pessoas, situações e lugares acabam por ser naturais. “Este momento e situação podem servir para valorizar o que tínhamos e passava despercebido, coisas que antes víamos como natural e não valorizávamos. Agora, podemos ver o que realmente era importante e, quando tudo voltar ao normal, aproveitar mais e valorizar cada um destes momentos e situações antes corriqueiras”, afirma Pollyanna.




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