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‘Não podemos antecipar uso da cloroquina’

Geraldo Reple, secretário de Saúde de São Bernardo e integrante do comitê anti-Covid no Estado

Por Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
17/05/2020 | 23:30
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Banco de Dados


Secretário de Saúde de São Bernardo, Geraldo Reple Sobrinho está na linha de frente das discussões de ações de combate ao coronavírus no Estado, até por presidir o conselho de secretários municipais do setor. Ele avisa: mesmo se houver imposição por parte do governo federal para uso da cloroquina para pacientes diagnosticados com Covid-19 no início do tratamento, qualquer alteração nas regras de prescrição não será automaticamente adotada. Ele lamenta o embate político sobre as ações para mitigar o vírus, prega isolamento físico e ressalta que a pandemia trouxe luz para o subfinanciamento do SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro.

Como o sr. recebeu a notícia da demissão de Nelson Teich do Ministério da Saúde, a segunda saída de ministro em um mês?

Qualquer troca é complicada, independentemente de quem seja. Quanto ao ministro Teich, quase não tivemos contato. Foi uma passagem rápida. Ele pôde fazer pouca coisa, praticamente não mudou o que estava sendo feito pelo Mandetta (Luiz Henrique Mandetta, primeiro ministro da Saúde do governo de Jair Bolsonaro). Posso falar que, em nível municipal, não houve alteração no cronograma de trabalho.

O sr. teme que haja mudança de rumo nas ações que o Ministério da Saúde têm adotado no combate à Covid-19?

Muitas coisas são pactuadas nos governos, uma delas é a saúde. Há pactuação bipartite, entre município e Estado. Há também ações pactuadas tripartite, governo federal, Estado e município. São pontos pactuados de anos atrás. Qualquer alteração na ponta de cima, até atingir a base, demora muito. Até por isso não notamos mudanças na nossa base. Muitas ações de combate foram definidas ainda na época do ministro Mandetta e elas se mantiveram, são ações perenes. O que nos compete a pedir junto ao governo federal é a habilitação dos leitos (recentemente abertos nos hospitais Anchieta e de Urgência). Uma primeira leva de leitos foi solicitada à União. Uma segunda leva vai sair em breve. 

O que se comenta é que Teich não resistiu à pressão de Bolsonaro para que a cloroquina seja prescrita no começo do tratamento de pacientes de Covid-19. Por outro lado, médicos ressalvam que não há estudos que embasem o uso desse medicamento. Se o próximo ministro baixar essa determinação, como os municípios vão lidar com essa mudança?

É importante mostrar o caminho para que um medicamento seja liberado para seu uso. Para colocar um medicamento no mercado demora uns cinco anos. É preciso desenvolver esse medicamento, saber sua eficácia em laboratório, depois testá-lo em animais, em humanos. Não é um processo simples o medicamento sair da bancada de pesquisa e ir para o mercado. Mesmo para um que já tenha essa etapa percorrida, mas que se discute nova utilização dele. A cloroquina tem utilização específica no tratamento para lupos e malária. Para nova utilização, é preciso pesquisas, para saber como se usa. Para saber se determinado produto é medicamento ou veneno depende da dose. As pesquisas precisam ser respeitadas. O respeito à ciência precisa ser fundamental.

Então o sr. acredita que, a despeito de eventual determinação de uso da cloroquina, seu efeito na base não será automático?

Estudos são necessários. Foi a mesma coisa da pílula do câncer. Se falou muito, foram feitos estudos por institutos sérios e provou-se que a pílula não era eficaz. Não se falou mais nela. Sobre a cloroquina, nos cabe fazer estudos. Não podemos antecipar processos. Aplicamos a cloroquina em situações cujo estágio da doença é mais avançado, como tem sido feito em outras localidadades.

Mandetta tem declarado que o Brasil, a despeito da escalada de mortes e casos por Covid-19, não chegou ao seu pico. O sr. tem estimativa de quando haverá esse pico até que os registros comecem a regredir em São Paulo e no País?

Não dá para garantir porque o futuro depende das medidas adotadas agora. Eu costumo falar que o que faremos hoje representará o cenário daqui a 15 dias. Os óbitos que temos hoje são frutos de ações que tomamos 15 dias atrás. Se houver isolamento físico hoje, daqui a 15 dias essa curva epidemiológica vai baixar. Se não fizermos, como estamos percebendo, a gente vai colher o reflexo negativo daqui 15 dias. O que estamos percebendo, e nos preocupando muito, é que a doença está partindo para o Interior de São Paulo. Estava concentrada na Capital e Grande São Paulo. O Interior está respondendo por 50% dos novos casos e a tendência é a de que, em curto espaço de tempo, esses números passem os da Região Metropolitana. Não queremos que isso aconteça. Por isso é importante fazer o isolamento e aguentar. Para se ter uma ideia, inauguramos o Hospital Anchieta e ele está quase cheio. Inauguramos agora o Hospital de Urgência e sei que logo logo, seguindo essa toada, ele estará com volume grande de paciente. O isolamento físico (do início da pandemia) nos deu vantagem de tempo para estruturar os leitos.

Como estão as discussões sobre um rodízio de carros mais drástico na Região Metropolitana e sobre o lockdown (fechamento completo de todos os serviços não essenciais)?

O rodízio a gente discutiu a partir do modelo da Capital (que autorizou veículos com placa final par rodar em dia par e carros com placa final ímpar se locomoverem em dias ímpares, incluindo fins de semana). O intuito era o aumento do isolamento físico, mas o que temos constatado é o contrário do que o prefeito (Bruno Covas, PSDB)queria. Ele achou que o pessoal ficaria mais em casa, o que não se concretizou. Por isso, é difícil (implementar na Grande São Paulo o rodízio). Sobre o lockdown, dependerá muito dos números, dos casos, dos óbitos, dos leitos. Por exemplo, para o caso do Grande ABC, Heliópolis (bairro da Capital que faz divisa com o Grande ABC) receberá estrutura com 100 leitos. É algo fantástico para nossa região. Com leitos do Hospital Anchieta, do Hospital de Urgência e esses no Heliópolis, serão cerca de 450 leitos, que nos darão respiro.

Então não há perspectiva de lockdown antes do dia 31, quando se encerra vigência dessa nova quarentena imposta no Estado?

Antes disso não vamos discutir. O que todos precisam entender é que a Covid é uma doença nova, diferente. Cada pessoa reage de uma forma e ela tem reações diferentes nas pessoas. A cada dia descobrimos uma característica diferente. Por isso temos de tomar passo a passo, com cuidado.

Mas há a discussão da área econômica, daquele trabalhador autônomo que precisa trabalhar. Bolsonaro recentemente editou decreto colocando como serviço essencial salões de cabeleireiro, academias...

O comitê de combate ao coronavírus se reúne duas vezes por semana, fora que nos falamos pelo WhatsApp diariamente. Discutimos exatamente essas questões recentemente. No caso das barbearias, o atendimento em casa não está proibido. É uma nova forma de trabalhar. Não se pode abrir o salão de beleza porque há característica diferentes nos bairros. Nos Jardins (de classe alta da Capital), há salões grandes, onde é possível impor distâncias maiores entre os clientes e funcionários, é outra realidade. Na periferia, muitas vezes o cidadão montou uma barbearia na garagem de casa, com 2 metros quadrados. Como faz? Sobre as academias temos um ponto mais pacífico de restringir seu funcionamento. Primeiramente porque não dá para fazer exercício de máscara. Com o esforço, a respiração fica mais ofegante, algo que tende a se agravar com a máscara. Como você pode delimitar espaço dentro da academia? Como vai garantir que o cidadão tomou banho, desinfectou aparelhos? São coisas que fazem com que seja muito difícil abrir esse tipo de estabelecimento.

O quanto o debate que Bolsonaro trava contra os Estados que adotaram a quarentena é ruim para o combate à Covid-19?

O nosso dia a dia mostra que estamos sempre correndo atrás de coisas novas que surgem, Eu, por exemplo, pouco tenho dormido e já acordo com indicativos terríveis muitas vezes. Nenhum embate é positivo. Nenhum embate é saudável. Países que conseguiram enfrentar o coronavírus com êxito tiveram alinhamento (de poderes). Quando tem conflito, quando tem briga, tudo fica pior. Isso já é ruim em qualquer cenário, imagina em momento de pandemia. Quando as coisas estão alinhadas, o trabalho flui muito melhor.

Especialistas em epidemiologia têm falado muito em segunda e terceira ondas da pandemia de coronavírus. Essa situação é discutida no comitê paulista? O cenário só se normalizará com a vacina?

Para saber como será o comportamento ou até mesmo se haverá segunda ou terceira ondas do coronavírus é preciso observar o que acontecerá com países que estão à nossa frente. Alguns fizeram o lockdown, bem rigoroso, outros nem tanto. O fato é que toda doença viral tem ondas. A gripe mesmo tem ondas, tanto que a cada ano há campanhas de vacinação, porque é uma doença com suas mutações. A vacina seria a solução, evidentemente. Mas neste ano, com certeza, não a teremos. Assim como disse sobre a cloroquina, uma vacina desse porte não se coloca na rua do dia para a noite. A vacina contra a dengue, por exemplo, tem quase cinco anos de testes, só agora está em sua fase final. Não acho que uma vacina contra a Covid-19 vá demorar tudo isso, porque são 100 vacinas no mundo inteiro em estudo agora. Mas não será neste ano que ela chegará.

O sr. acredita que a pandemia trouxe mais luz a um debate antigo sobre o subfinanciamento do SUS (Sistema Único de Saúde)?

Pois é. Às vezes é possível tirar grandes vantagens em momentos adversos como os quais estamos vivendo. O Brasil descobriu que seu sistema de saúde, seu SUS, é bom. É subfinanciado, porém, é bom. E quando acabar essa pandemia, torço muito para que o pessoal olhe com outros olhos para o SUS. Porque sempre que se fala em economizar ou tirar dinheiro de algum setor do Brasil, o primeiro foco é o SUS. A saúde precisa de dinheiro, é caro seu custeio. Precisam valorizar o SUS.

Há perspectiva para a volta de uma vida normal?

O futuro depende muito das ações que fizermos hoje. Não vai voltar tudo de uma vez, é uma volta gradativa. Vamos voltar com um setor, avaliarmos, ver se melhora (os índices de contaminação). Se melhorar, voltamos outro setor. Há em curso debate de um plano para trazer paulatinamente alguns setores. Mas é impossível precisar quando e como. Vai passar por avaliação do número de casos, dos óbitos, de percentual de isolamento físico. É engrenagem que precisará se mover junta. A pior coisa do mundo é abrir e depois fechar. Você cria expectativa e frustra na sequência. Ninguém está feliz trancado. Mas é o melhor para todos.

Raio X

Nome: Geraldo Reple Sobrinho

Estado civil: Casado

Idade: 62 anos

Local de nascimento: São Paulo

Formação: Medicina, especialista em ginecologia e administrador de unidades hospitalares

Hobby: Pescar e correr

Local predileto: Em qualquer lugar em viagem com a família

Livro que recomenda: Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, de Yuval Noah Harari

Artista que marcou sua vida: Ayrton Senna

Profissão: Médico

Onde trabalha: Secretaria de Saúde de São Bernardo




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