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‘Covid-19 é uma pneumonia severa e não uma gripe’

Adriana de Brito explica o que a ciência já sabe sobre o vírus Sars-Cov-2, mais conhecido como novo coronavírus

Por Aline Melo
Diário do Grande ABC
29/03/2020 | 23:40
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Denis Maciel/DGABC


Gestora do curso de biomedicina da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), a biomédica Adriana de Brito explica o que a ciência já sabe sobre o vírus Sars-Cov-2, mais conhecido como novo coronavírus, causador da pandemia de Covid-19. Esse vírus, que não veio do morcego nem foi criado em laboratório, já afetou até o momento quase 200 países e causou mais de 23 mil mortes. “Os sintomas iniciais da Covid-19 são muito parecidos com os de uma gripe comum e, por isso, podem ser confundidos com uma gripe. Entretanto, é uma pneumonia severa e não uma gripe. Causa síndrome respiratória aguda, podendo levar à morte”, alerta a gestora.

O que já se sabe sobre o surgimento do vírus?
Os primeiros casos relacionados à Covid-19 ocorreram na China em dezembro de 2019 e, até o momento, as pesquisas sugerem que tiveram origem em animais e está diretamente associada a questões adaptativas. A publicação feita recentemente pela revista Nature Medicine, em 17 de março, refuta a tese de ser o novo coronavírus Sars-Cov-2, causador da Covid-19, fruto de manipulação laboratorial. Estudos de genética reversa identificaram grande semelhança genética entre o Sars-Cov-2 e o coronavírus dos Malayan pangolins (mamífero presente também na China). Observaram divergências genéticas com o coronavírus dos morcegos, o que descarta a possibilidade do surgimento a partir desse último animal. Há evidências científicas de que o vírus se adapta bem em mamíferos e, por seleção natural, é transmitido dos animais e humanos. Ainda não temos a exata compreensão de como se deu o surgimento do Sars-Cov-2, se as mutações ocorreram no hospedeiro antes da transferência animal ao homem, ou se ocorreram já no corpo humano. Um fato curioso, foi relatado o primeiro caso de transmissão da Covid-19 de humanos para cachorros domésticos, em Hong Kong, no início do mês de março, pela revista British Veterinary Association. Nesta semana (semana passada), foi relatado um segundo caso neste local. Dessa forma, essas evidências descartam definitivamente de que se trata de uma manipulação laboratorial humana. 

A pandemia de coronavírus pode ser comparada a alguma outra que já tenha ocorrido?
Em termos de proporcionalidade no número de casos e da quantidade de países afetados, sim. A pandemia ocorrida em 2009, causada pelo vírus H1N1, provocou a morte de mais de 18 mil pessoas e atingiu 214 países. Nos anos 1918 e 1919 a pandemia da Gripe Espanhola matou cerca de 50 milhões de pessoas e também se disseminou por quase todo o planeta. A atual pandemia adquiriu importância por conta da sua rápida e fácil capacidade de transmissão. Até o momento, afetou 176 países, causando cerca de 23 mil óbitos. Entretanto, apesar das semelhanças em termos de propagação e mortandade, ainda não é possível comparar outros fatores relacionados à atual pandemia com episódios anteriores, uma vez que pouco se sabe sobre a Covid-19. Além disso, a Covid-19 é totalmente diferente do vírus da gripe, causador das pandemias do H1N1 e da Gripe Espanhola. 

Por que os idosos e pessoas com outras doenças são os mais vulneráveis?
Antes de tudo, é muito importante reforçar que todas as idades são susceptíveis à Covid-19. Entretanto, os idosos apresentam maior risco de morte. O envelhecimento é um processo complexo responsável pelo declínio da imunidade e da saúde. Em temos gerais, ocorrem mudanças no organismo que prejudicam o funcionamento das defesas imunológicas. No caso da Covid-19, embora sua origem e evolução ainda não estejam totalmente esclarecidas, sabe-se que a gravidade da doença está associada ao comprometimento das funções pulmonares. O risco de morte aumenta com a idade e a maioria dos óbitos ocorreu entre os maiores de 60 anos, principalmente aqueles com condições crônicas como diabéticos, hipertensos, portadores de doenças cardiovasculares e com problemas de coagulação. 

Pessoas portadoras de algum tipo de deficiência estão no grupo de risco?
Sim. Principalmente as pessoas portadoras de deficiências relacionadas ao sistema de imunidade, como Aids ou de deficiências que prejudicam a recuperação em caso de infecções. Além dessas citadas, também os portadores de doenças reumáticas e de doenças crônicas não infecciosas, pessoas em tratamento de cânceres, transplantados, asmáticos, portadores de doenças cardíacas, vasculares, renais, hematológicas, neurológicas que comprometem a função respiratória, pessoas com doenças do fígado, obesos, tuberculosos de todas as formas. Os principais grupos sociais de risco são os indígenas, gestantes, mulheres que deram à luz recentemente, crianças menores de 5 anos e adultos com mais de 60. 

Considerando a rapidez com que o vírus se espalha, já é possível dizer que ele se propaga com mais facilidade do que outros?
Assim como acontece com a gripe e resfriados comuns, ocorre no caso da Covid-19. As infecções respiratórias são facilmente transmitidas por gotas de tosse e espirros, além de aerossóis que saem pelo nariz. Os sintomas iniciais da Covid-19 são muito parecidos com os de uma gripe comum e, por isso, podem ser confundidos com uma gripe. Entretanto, a Covid-19 é uma pneumonia severa e não uma gripe. Por se tratar de uma pneumonia, ele causa síndrome respiratória aguda, podendo levar à morte. O rápido aumento no número de casos de infecção está associado à facilidade de transmissão, não somente pelas vias inalatórias, mas, também, pelo contato direto das mãos em objetos contaminados, levando-se o vírus ao nariz, à boca e aos olhos. Já se sabe que o novo coronavírus, a depender da superfície em que se instala, pode permanecer em condições de causar novas infecções por até uma semana. Por conta dessa característica do vírus é que se enfatiza a necessidade de constante higienização das mãos.

Existe algum produto de limpeza mais indicado para a higiene nas residências e escritórios?
Existem vários tipos de agentes biocidas para uso doméstico e profissional.  Álcool 70%, água sanitária e desinfetantes são muito eficazes e suficientes para limpeza e desinfecção. A água sanitária é a mais indicada para superfícies como mesas, banheiros e pisos. Como a água sanitária provoca irritação na pele e mucosas, não é recomendado a sua aplicação no corpo. Com relação ao álcool, é importante esclarecer que a sua eficiência depende de sua concentração. O ideal é o álcool 70%, tanto na sua forma líquida como na forma de gel. A sua concentração permite uma ação efetiva sem que evapore antes de efetuar sua ação.  Álcoois com concentrações superiores a 70% (92%, 96%, 99%) são altamente voláteis e evaporam antes de completar a ação profilática. Álcoois com concentração inferior – por exemplo, álcool 46% – são muito hidratados e não conseguem destruir a estrutura viral. 

Qual a real necessidade de uso do álcool gel?
O álcool gel ou álcool líquido 70% são altamente eficazes para uma desinfecção rápida das mãos sem causar danos à pele. Entre as duas formas de álcool 70%, gel e líquido, a versão em gel é mais recomendada por conta de sua volatilidade ser um pouco menor comparada à forma líquida, pela praticidade na higienização e no transporte pessoal. Vale destacar que na impossibilidade de uso do álcool gel, há outros produtos desinfetantes disponíveis, como já mencionado antes, que podem ser usados contra a Covid-19. Seu uso, porém, tende a ser agressivo à pele e às mucosas do nariz, boca e olhos, quando em contato próximo ou quando inalado. 

Já se sabe se um paciente curado pode ser novamente contaminado?
A Covid-19 tem um alto potencial de mutação, o que cria novas versões virais. Por causa dessa particularidade, é possível ser infectado mais de uma vez. Duas variantes do vírus já foram identificadas, inclusive no Brasil. Como se trata de um vírus novo, ainda não se sabe se quem adquiriu uma das variantes está imune também à outra. Ainda são necessárias mais pesquisas para saber sobre o risco de reinfecção. Contudo, considerando a inexistência de novas mutações, espera-se que os infectados estejam protegidos, pela produção de anticorpos protetores, do risco de reinfecção.

Uma vez contaminado, por quanto tempo o paciente segue propagando o vírus?
Ainda não sabemos exatamente por quanto tempo o vírus é propagado nem o momento exato que ocorre a transmissão. Foi observada uma maior transmissibilidade e propagação na fase assintomática da Covid-19 em estudos feitos com ratos, a qual varia em média entre três a 14 dias após o contágio. Entre os sintomáticos afirma-se que a propagação ocorre durante todo o período dos sintomas e durante a recuperação há redução do vírus no organismo, chegando a resultados negativos em exames.

Existem informações de quanto tempo o vírus permanece vivo em superfícies?
Um estudo que aborda especificamente o período de permanência da Covid-19 em objetos, publicado neste mês pela The New England Journal of Medicine, relatou que o vírus é capaz de permanecer com capacidade infectiva por até sete dias, dependendo das condições ambientais e do tipo de material. As partículas exaladas por meio de tosse, espirro ou aerossóis nasais permanecem em média com capacidade infectiva por duas a três horas; nos plásticos, a capacidade infectiva permanece, em média, por 72 horas; no aço inoxidável, por 48 horas; no cobre, por quatro horas; no papelão, por 24 horas.

RAIO X
Nome: Adriana de Brito
Estado civil: união estável
Idade: 40 anos
Local de nascimento: São Paulo e mora em São Paulo
Formação: Biomedicina
Hobby: praticar esportes
Local predileto: praia
Livro que recomenda: Pandemias Humanidade em Risco,
de Stefan Ujvari
Artista que marcou sua vida: Salvador Dali
Profissão: Gestora de curso de graduação biomedicina
Onde trabalha: USCS (Universidade Municipal de São Caetano. 




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