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Congresso não promove a iniciativa popular
Raphael Di Cunto
Especial para o Diário
28/06/2010 | 07:00
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Projetos de iniciativa popular são raros na história do Congresso: desde a Constituição Federal de 1988, os parlamentares aprovaram apenas quatro propostas assinadas pela população. O pequeno número de matérias avalizadas, segundo especialistas e políticos, ocorre pela dificuldade de apresentar esse tipo de proposta - é necessária a adesão de 1% do eleitorado nacional, algo próximo a 1,3 milhão de pessoas.

A equipe do Diário contabilizou quase 30 projetos de lei e emendas constitucionais tramitando no Senado e na Câmara Federal com o objetivo de facilitar a apresentação de propostas de iniciativa popular. As medidas vão desde a redução na quantidade de assinaturas até permissão de subscrever as proposituras pela internet - hoje é preciso protocolar a petição em papel com nome, título de eleitor e endereço de todos os apoiadores.

A intenção dos deputados e senadores que fizeram os projetos, porém, permanece longe da realidade. Mesmo datando da década passada, a maioria das propostas sequer recebeu parecer das comissões, passo fundamental para votação em plenário.

"Há receio dos parlamentares. Eles acham que vai diminuir o poder deles, retirar parte da influência, e por isso são contra", pontua a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), ex-prefeita de São Paulo pelo PT na década de 1990.

A socialista é autora da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 2/1999, que reduz a quantidade de adesões à petição para 0,5% dos eleitores e permite que entidades e associações de classe rubriquem a proposta em nome de seus filiados. Protocolado em 1999, o projeto precisava de parecer de uma comissão especial que, apesar de passados dez anos, ainda nem foi criada.

Outra proposta travada é a do deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO) para permitir a assinatura eletrônica de iniciativas populares. "Hoje você faz o imposto de renda e pagamentos bancários pela internet sem problemas. Além de seguro, o sistema torna possível conferir a autenticidade dos documentos, algo impossível de fazer com um milhão de papéis", destaca o tucano, que teve a proposta anexada a de Erundina. "Não vou penalizar o Congresso porque o trâmite Legislativo é mesmo demorado. Mas realmente não há movimentação para aprovar este tipo de projeto."

Para o cientista político Rui Tavares Maluf, mesmo a quantidade de assinaturas da iniciativa popular não sensibiliza o Congresso. "Se for algo que interfira com o interesse dos políticos, é preciso também pressão da mídia e articulação para conseguir aprovar."

Em 20 anos, só 4 projetos vêm da população
Embora a Constituição Federal tenha sido promulgada há 22 anos, somente quatro projetos de iniciativa popular passaram pelo Congresso até hoje. Em muitos casos, as dificuldades para peticionar a proposta levam parlamentares a adotar para si a propositura.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com o Projeto de Lei 7053/06, acolhido por bancada de deputados de diversos partidos. Embora a Associação Gabriela Sou da Paz tenha juntado 1,4 milhão de assinaturas, os documentos não continham o título de eleitor dos signatários - requisito obrigatório para apresentar proposta de iniciativa popular.

As adesões foram colhidas por Cleyde Prado Maia e Carlos Santiago, pais da adolescente Gabriela, 14 anos, assassinada em 2003 em metrô na cidade do Rio de Janeiro. O projeto, que pretendia tornar mais rígida a Lei dos Crimes Hediondos, ainda aguarda análise da Câmara.

Outras quatro propostas, porém, tiveram êxito. A última delas, o Ficha Limpa, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) há um mês e proibiu a candidatura de políticos com condenações por um colegiado na Justiça.

Também fruto da mobilização popular, a Lei 9.840/99 considerou crime a compra de votos, com possibilidade de cassação do registro do candidato que doar, oferecer ou prometer bem ou vantagem pessoal em troca de apoio eleitoral.

Primeira matéria de iniciativa popular aprovada pelo Congresso, a Lei Daniella Perez (Lei 8.930/94) inclui o assassinato praticado por motivo torpe ou fútil, ou cometido com crueldade, na Lei dos Crimes Hediondos, para impedir o pagamento de fianças e impor tempo maior da pena para a progressão do regime fechado ao semi-aberto.

Já a Lei 11.124/05 criou, após 13 anos de discussão no Congresso, o Fundo Nacional de Habitação Popular, proposto pelo Conselho Nacional de Moradia Popular.

Comissão avaliza propostas de entidades civis
Percebendo a dificuldade para colher 1,3 milhão de assinaturas, o então presidente da Câmara Federal Aécio Neves (PSDB-MG) criou em 2001 a CLP (Comissão de Legislação Participativa) para avalizar projetos da sociedade civil e apresentá-los para votação dos parlamentares.

O órgão fica aberto a sugestões de projetos de lei de entidades civis, sindicatos, associações e órgãos de classe, e realiza audiências públicas para debater e deliberar sobre as propostas. A comissão também possui banco de ideias, formado por sugestões de indivíduos sem representação na sociedade civil.

As indicações são analisadas pelos 18 deputados integrantes da comissão e, se aprovadas, protocoladas na Casa. "Todo projeto de iniciativa popular tem prioridade", ressalta o presidente da comissão, deputado Paulo Pimenta (PT-RS).

Para o petista, as vezes não é preciso nem apresentar projetos de lei para ver a medida ser aplicada. "A portabilidade numérica dos celulares não ocorreu por lei, mas graças ao debate na internet e nas redes sociais. Da mesma forma, a portaria que determinou regras para os call-centers surgiu de críticas da população ao péssimo serviço prestado", frisou.

Em 2009, quando a CLP ficou sob o comando dos deputados Waldir Maranhão (PP-MA) e Roberto Britto (PP-BA), a comissão foi responsável por protocolar 54 proposituras, entre projetos de lei (19), requerimentos (21) e emendas à Lei de Diretrizes Orçamentárias (12).

Os números, avalia Pimenta, mostram a abertura do Congresso a mais participação. "Há um setor conversador, que é pequeno hoje em dia, que pensa que a função de legislar é só do parlamentar, e não da população. Mas há cada vez mais colegas que aceitam e entendem ser necessário ouvir o povo antes de tomar decisões", analisou.




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