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Sérgio Nobre:‘Tema central é reindustrialização do Brasil’
Fabio Martinsdo Diário do Grande ABC
09/12/2019 | 07:07
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Divulgação/Roberto Parizotti


Presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Sérgio Nobre sustentou que, apesar de discussões paralelas, o País necessita colocar em debate central, de maneira urgente, medidas para a retomada do crescimento econômico e da reindustrialização. Em entrevista exclusiva ao Diário, o sindicalista avaliou que, na história, “nunca houve momento em que o Brasil cresceu que não foi impulsionado pelo Estado”.

Nobre criticou plano do governo Bolsonaro de privatização das estatais. No caso da saída da Ford em São Bernardo, ele considerou que, se tivesse pressão do Planalto, a multinacional não teria fechado as portas.

Há projeto em andamento que trata da reestruturação sindical. Qual a atuação da CUT em relação a esse ponto?

Na verdade, nenhuma central sindical queria debater estrutura sindical neste momento. Os problemas do País são o desemprego, exclusão social, desmonte das políticas públicas e, principalmente, na nossa região isso é visível, famílias dormindo nas calçadas. O que o País precisa discutir urgente são retomada do crescimento econômico, reindustrialização do País, fortalecimento das políticas sociais. Esses eram temas centrais. O governo Bolsonaro vai na linha contrária. Paulo Guedes (ministro da Economia) diz que vai fazer maior abertura econômica. E sabemos que o Brasil não consegue competir na indústria com países centrais. Ele está dizendo que irá privatizar todas as estatais. Já desestruturou o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Na história econômica, nunca houve ocasião em que o Brasil cresceu que não foi impulsionado pelo Estado. A iniciativa privada nunca teve condições de fazer os investimentos que o País necessita. Na época do (ex-presidente) Getulio Vargas havia programa do Estado para construir indústrias de base, começar siderúrgicas e processo de industrialização. Até na própria ditadura militar foi assim, quando o Estado resolveu substituir importação e produzir aqui dentro, dirigido e financiado pelo Estado. Foi assim no governo do presidente Lula, com os bancos públicos fornecendo crédito barato. Se desestruturar o Estado, acabou. A chance de crescer, gerar emprego e não cair numa crise social do tamanho da do Chile é zero.

Há receio de o governo Bolsonaro emplacar texto de reestruturação sindical e trabalhista?

Como o Bolsonaro está falando que vai apresentar projeto que mexe na estrutura sindical e na legislação trabalhista ainda em dezembro, a gente já sabe o que vem (pela frente). Ele manda MP 905, que já mostra o cenário. Retira o sindicato da negociação de PLR, mexe na jornada de trabalho de categorias importantes. Ele monta programa para fornecer trabalho precário, reduzir o custo das empresas, taxa os desempregados. Para o governo, esse programa vai custar R$ 10 bilhões em cinco anos. E a taxação dos desempregados vai reverter R$ 12 bilhões. Ao mesmo tempo, eles querem destruir o movimento sindical. Diante disso, fizemos reunião nas centrais para definir o que seria escopo de estrutura que fortaleça os sindicatos e não o contrário. O argumento que ele usa para desorganizar é o mesmo que usa para atacar o Congresso. Dizem que os sindicatos têm pouca representatividade, que vivem de imposto sindical. E sobre o Congresso, que os partidos não representam, que são criados para abocanhar fundo partidário. Aliás, em todo regime totalitário é assim: primeiro eles arrebentam com os sindicatos. Em seguida, o Parlamento e depois imprensa e Judiciário. Não temos dúvida de que o Bolsonaro tem projeto totalitário. Ele fala isso, até em AI-5.

Quais são as propostas defendidas pelas centrais, o que há de necessidade de mudança?

Eles querem trazer ao Brasil modelo chileno. Lá não há regras para criação de sindicatos. Ideia é retirar da Constituição o artigo 8º, que regula direitos da classe trabalhadora e a estrutura sindical, e que a organização é livre. Se isso acontecer, cada dez pessoas podem se juntar e criar um sindicato. Pode criar o sindicato dos trabalhadores do Diário do terceiro andar, do segundo andar. Objetivo é desorganizar. Esse modelo também foi implementado no México, que hoje está revendo porque tornou impossível a vida das empresas. Virou entrave para o desenvolvimento. Nossa estrutura sindical tem problemas, mas construiu muita coisa boa. Bancários têm negociação nacional, acordo de dois anos e é válido para o País inteiro. Se o Guedes fizer isso, cada agência pode ter um sindicato. Temos que ir no caminho inverso. Sindicatos por local de trabalho é desastre. No mundo onde ele existe não funciona. Muitas vezes são montados e controlados pelas empresas. Precisamos de agregação maior de sindicatos. Hoje temos 12,5 mil sindicatos de trabalhadores, em sua maioria com base pequena. Necessita promover mudança que leve agregação. Estamos propondo que haja liberdade sindical, livre a sua criação, mas liberdade não pode levar à pulverização. Tem que ser criado por ramo ou setor econômico e com base mínima de um município. Isso impede a criação por local de trabalho.

O senhor fala que essa discussão não deveria ser a prioridade. Qual a sua análise da pauta econômica do Planalto, em momento com juros e inflação baixos? Quais propostas poderiam inverter rota de crise?

Estão baixos (os juros) porque a economia está parada. É sinal de recessão. Para nós, fundamental é reindustrialização do País. País do tamanho do Brasil não vai sobreviver exportando matéria-prima, minério e verdura. Isso é histórico. A origem da pobreza na América Latina é isso. Exporta minério e compra máquina de alta tecnologia. Reindustrializar é muito importante. Temos que colocar no centro (do debate) essa necessidade. E a gente só reindustrializa se tiver indução do Estado. E essas medidas que o Guedes toma vão na linha contrária. Quanto mais abre a economia, menos consegue competir. As grandes empresas no Brasil são multinacionais. Isso é problema. Elas têm interesse maior de produzir produto na matriz, não aqui. Eles sempre quiseram importar, trazer produto da matriz para cá. As multinacionais estão importando das suas matrizes sem desenvolver nada no Brasil. Teria que ser garantida produção aqui. Isso acabou. A participação das indústrias no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro está decaindo. O que já foi de 30%, hoje está em 10% e daqui a pouco pode chegar a 8%. Quando chegar (em 8%) é porque morreu. Isso é desafio. Temos que recuperar a capacidade de financiamento do BNDES. Não permitir privatização das estatais. São indutoras do crescimento. Existem 13 milhões de desempregados. Para piorar estão retirando da saúde e educação. O que aconteceu no Chile levou 30 anos. Aqui não leva isso. Tudo isso vai explodir, com risco de convulsão social. Em um ano ou dois anos podemos viver crise social sem precedentes. O grande desafio é impedir isso. Crise econômica já estamos vivendo. Juntar crise social é terrível, leva anos para superar.

Em visão macro da política na América Latina, há efervescência popular nas ruas. O que na sua visão tem levado a isso?

Chile é bom exemplo. Eles privatizaram tudo, introduziram a capitalização na previdência. No Chile, estimularam o trabalhador a ter conta própria. E não foi só a previdência, desregulamentaram a legislação trabalhista, precarizaram os contratos de trabalho, privatizaram a educação, saúde. E agora essa explosão da crise social. O presidente (Sebastián Piñera) teve que pedir desculpa. Vão fazer nova Constituinte para recuperar o papel do Estado e dar proteção ao povo, senão não tem saída. E não vai sair no curto prazo. O liberalismo parece uma doença, não deu certo em lugar nenhum do mundo. Onde foi implementado foi tragédia. As políticas neoliberais encampadas na Argentina levaram ao desemprego (em massa). Por isso, foram derrotados (na eleição). Precarizar trabalho está provocando tragédias. Aqui o governo alega que o trabalhador é caro. Não é verdade. Pode ser até contrato de trabalho escravo, se não tiver demanda e a economia não crescer, não tem emprego. As empresas contratam quando tem demanda. O que gera emprego é crescimento econômico. Investimento e crescimento, não precarizar as relações.

Sobre o fechamento da Ford, eram possíveis medidas do governo para barrar a saída da empresa desse porte?

As multinacionais não têm intenção de produzir no Brasil. Eles fazem o mínimo aqui. Compromisso é com a matriz. Só não fizeram antes porque todos os governos forçaram para que eles produzam ao menos parte no País. Não se permitiu deixar virar importador, inclusive, no governo FHC. Então, se o governo não atua, eles fazem o que fizeram. Empresa como a Ford não pode sair do Brasil. No início do ano, fomos conversar com o (vice-presidente) General Mourão sobre a Ford. O Bolsonaro foi fazer visita ao (Donald)Trump (presidente norte-americano) e nós pedimos para ele colocar o fechamento na agenda com Trump, era papel de um presidente e dizer que se saísse não teria mais nada, não permitir entrada de carros. Se tivesse feito isso, a Ford não tinha fechado as portas. Mas ele foi visitar a CIA, considerou mais importante. Se tivesse pressão do governo, não teria fechado.

Quais os principais pecados durante os 14 anos de governo do PT, que contribuíram, inclusive, para se chegar hoje a modelo antagônico como Bolsonaro?

Já na metade do primeiro mandato da presidente Dilma, os efeitos da crise (internacional) de 2008 chegaram aqui. Foi muito forte. Ela tentou conter a crise incentivando a indústria, mas a indústria não investiu. Recebeu os subsídios e não fez os investimentos necessários. E, na reeleição dela (em 2014), como o resultado foi apertado, resolveram boicotar o mandato dela, tanto o Parlamento como o mercado. Isso inviabilizou o governo. Foi criado ambiente de ódio no País. Tudo era culpa da Dilma, culpa do PT, demonização da política. E quando demoniza a política é isso o que acontece: cria um Bolsonaro. Ele é fruto da demonização da política. As grandes democracias do mundo atingiram esse patamar porque valorizaram a política. Ouvimos coisas deste governo que nem Hitler no auge teria coragem de falar publicamente. O que está acontecendo é muito grave. Para mim, a democracia está em risco.

Raio-X
Nome: Sérgio Nobre
Estado civil: Casado
Idade: 54 anos
Local de nascimento: São Paulo e
mora em São Bernardo há 37 anos
Formação: Relações Internacionais, pela Fundação Santo André
Hobby: Assistir a jogos de futebol no estádio
Time de coração: Palmeiras
Livro que recomenda: A Arte da Guerra, de Sun Tzu
Artista que marcou sua vida: Milton Nascimento
Profissão: Metalúrgico
Onde trabalha: Mercedes-Benz e presidência da CUT
 




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