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Ivani de Oliveira Ferraz: A proposta é vencer o medo de cemitérios’
Por Yasmin Assagra
Do Diário do Grande ABC
11/11/2019 | 07:22
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Celso Luiz/DGABC


A morte é tema que assusta a maior parte das pessoas. Muitos não querem nem ouvir a palavra e preferem passar longe de um cemitério. Ivani de Oliveira Ferraz, 57 anos, não está entre elas. Gerente do Cemitério Parque Vale dos Pinheirais, em Mauá, ela destaca a necessidade de desmistificar tais fobias.

E uma boa receita para isso é agregar soluções inovadoras ao negócio. O empreendimento que gerencia oferece áreas de lazer, esportes e cultura, com intenção de melhorar a vida de quem frequenta o espaço. Até casamento já ocorreu por lá!

Confira a entrevista.


A senhora tem medo da morte?

Não tenho medo da morte. Todos temos o nosso dia de chegada, e o de partida já está determinado. Não há nada que possamos fazer a respeito disso. Então temos a obrigação de viver de bem com a vida e viver cada segundo da melhor forma possível, pois a felicidade é isso, são momentos bem alegres e bem vividos.

Como é administrar um negócio cuja fonte de renda é a morte?

Administrar este segmento é muito tranquilo quando sabemos que fazemos a diferença para as famílias enlutadas neste momento tão difícil, e o quão importante é acolhermos com carinho cada familiar. A cada dia nos tornamos seres humanos melhores.

Como a senhora entrou no negócio de cemitérios?

Nosso grupo já atua no mercado há mais de 100 anos, sempre trabalhando com produtos e serviços que têm o objetivo de fornecer o melhor e com qualidade às pessoas que os utilizam. Então, quando a oportunidade surgiu de novos negócios, pensamos em algo que realmente pudesse ser diferente do que já havia no mercado, que era muito ruim e cheio de preconceitos. Pensamos então em algo que as pessoas desmitificassem o medo da morte, perdessem esse medo que a maioria tem e pudessem usufruir do local de forma natural. Elaboramos um projeto paisagístico que, além de ter um visual muito bonito, também pudesse despertar nas pessoas curiosidade e que pudessem utilizar com coisas que dão prazer à vida, como ler, ouvir música, meditar e também cuidar da saúde.

De fato, cemitérios geralmente não são locais agradáveis, mas a senhora administra um que foge do padrão, pelo visual e por atividades oferecidas. O que existe de diferente?

Temos atividades oferecidas semanalmente aos nossos clientes. Além de algumas ações ofertadas para comunidade, como cursos profissionalizantes. Já para os clientes, temos as aulas de ioga, ginástica laboral (que são aquelas séries de exercícios físicos), cursos de artesanato e também de informática. Temos pistas para caminhada e até as academias da região utilizam nosso espaço para suas atividades.

São serviços bem diferentes da atividade-fim do cemitério. Como surgiu a ideia de colocá-las em prática?

Quando uma pessoa compra um jazigo, é claro que compra para não usar. Ninguém quer usar. Então, diante disso, criamos várias oportunidades de elas visitarem o cemitério e utilizarem esse espaço. Os clientes pagam manutenção e precisam usufruir de outras formas. Isso faz com que eles participem mais.

Isso tudo ajuda a desmistificar o cemitério? Cria um ambienta mais ameno e menos dolorido?

Sim. Acreditamos que trazendo as pessoas dessa forma para conhecer o ambiente, podemos desmistificar esse medo que já existe de cemitério. Geralmente, o primeiro pensamento é de que é um lugar feio e escuro. Aqui não. Por experiências e pesquisas que realizamos com os clientes, comprovamos que eles se sentem bem aqui. Se sentem em paz. Um cliente, inclusive, nos contou que não ia em cemitério de jeito nenhum. Mas, conhecendo o nosso, retirou os corpos dos falecidos de outro cemitério e os trouxe para cá.

Além das atividades físicas, o cemitério possui espaço dedicado à cultura. Como surgiu essa iniciativa?

O ambiente foi planejado para atividades extras. Massagem, treinamentos e palestras são feitos nesse local, otimizando culturalmente esse espaço. Inclusive, também são realizados alguns velórios. Existem famílias que preferem exclusividade para o momento (de despedida de um ente querido) e preferem um lugar maior (do que as salas tradicionais de velório).

No período em que atua neste ramo, qual foi a situação mais inusitada que já presenciou?

Houve uma cerimônia religiosa somente no espaço cultural com um padre que celebrou um matrimônio e depois os noivos realizaram a festa em um bufê em Mauá mesmo. Isso foi em 2011

Por que os noivos escolheram um local tão diferente para a realização da cerimônia? Ocorreram outras cerimônias?

A noiva era filha de um cliente nosso, que está sepultado aqui. Por isso, ela pediu que essa cerimônia fosse realizada no nosso espaço cultural. Dessa forma, o pai estaria presente no casamento. Foi uma cerimônia muito bonita, com padre e músicas, como se fosse celebrada em uma igreja mesmo. Depois, os convidados seguiram para a festa. O pedido (para a realização do enlace) nos emocionou muito. Por isso nós atendemos. Já recebemos corais católicos e evangélicos, apresentações musicais e de balé. Mas, casamento, por enquanto, só esse.

O seu cemitério tem uma versão de velório VIP. Como funciona isso?

É o velório realizado no nosso espaço cultural. Além de maior privacidade, que é uma das características do local, ainda oferece cerimônia on-line, pela qual o familiar ou amigo pode acessar e participar, mesmo estando em outro país, por exemplo, e assistir por meio das câmeras que oferecemos. Além disso, temos serviços de bufê e cerimonial de despedida, que é uma singela homenagem que a família pode fazer com mestre de cerimônias, e também retrospectiva de vida do falecido, inclusive com músicas que o falecido gostava.

Quantos sepultamentos e velórios ocorrem por mês?

São cerca de 120 velórios, e uma média de 150 sepultamentos.

O quanto evoluiu a questão do sepultamento nos últimos anos?

Os sepultamentos evoluíram muito nos últimos anos, pois, assim como o índice de natalidade aumentou, o de mortalidade também subiu com o crescimento da criminalidade. Este número evoluiu muito nos últimos dez anos. Os sepultamentos em cemitérios parques também evoluíram bastante devido às pessoas preferirem este modelo ao cemitério com mausoléus.

Além do sepultamento, existe a possibilidade de cremação. O seu cemitério tem planos de oferecer também esse serviço?

No fim de novembro, vamos inaugurar o crematório. Já está pronto e apto para funcionamento, mas estamos nos ajustes finais para inauguração. No Grande ABC, hoje, existe apenas em São Bernardo. Além do serviço oferecido de cremação aos falecidos, também terá cerimônia de despedida, para homenagear o familiar ou amigo.

Morrer é caro? Qual a base de valor para os serviços oferecidos?

Os valores podem variar muito, principalmente, de acordo com o serviço que o cliente deseja e nos pede. Mas podemos pontuar que nossos serviços começam a partir de R$ 1.000.

O Dia de Finados pode ser definido como ‘o Natal do cemitério’. Há uma programação diferenciada para esse período?

Sim. Todos os anos realizamos o Programa Vida, que tem como objetivo cuidar da saúde dos nossos clientes e familiares. Neste ano não foi diferente. Montamos tendas próximas aos jazigos, com massagem heiki, teste de diabetes, aferição de pressão, exames oftalmológicos e barracas com pipoca e algodão doce para as crianças. Além disso, neste ano, durante todo o Dia de Finados, violinistas e saxofonistas tocaram entre os jazigos. Tudo isso para tornar o ambiente leve e confortável aos visitantes. É impressionante como isso muda todo o cenário.

O Cemitério Vale dos Pinheirais foi um dos parceiros do Diário no concurso literário Desafio de Redação. Como foi essa experiência?

Nós acreditamos que o nosso País ainda é cheio de preconceitos e tabus. E a morte é um tabu. Ninguém gosta de falar, comentar e até mesmo frequentar um cemitério. Então, diante dessa realidade e com a experiência que temos, notamos que as crianças estão crescendo com um olhar diferente para isso. Estamos mudando essa cultura do brasileiro de não se preparar para a morte. Acreditamos que a porta para isso seja a educação, a única que pode mudar esse conceito. Essa cultura tem tudo a ver conosco. Antes, não existia nenhum cemitério parque, existiam os cemitérios convencionais, tanto públicos quanto particulares. Nós conseguimos inovar e somos pioneiros. O Desafio de Redação foi uma oportunidade de investir nas crianças e adolescentes dessa nova geração.

O que a senhora pensa em escrever na sua lápide?

A todos que ficam, vivam a vida plenamente e felizes, sem dar tanta importância ao que não tem importância. Se importe menos com o amanhã, viva o hoje somente. 




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