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Escritor ex-detento Luiz Mendes faz série de palestras em Diadema
Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
24/04/2006 | 09:22
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Luiz Alberto Mendes, 53 anos, homicídios e assaltos nas costas, passou mais de 30 anos na prisão. Filho de um taxista alcoólatra do qual apanhava brutalmente, iniciou no crime ainda menino. Aos 19 anos entrou na prisão, de onde saiu há dois anos. Sua dívida com a sociedade, porém, está mais que paga. Hoje, sua ficha é uma folha em branco. Ou melhor, várias folhas cheias de letras. Luiz Mendes agora é escritor colunista de uma revista para jovens. A partir desta segunda-feira faz cinco encontros com o público em Diadema.

Suas memórias dentro do inferno prisional já lhe renderam dois livros: Memórias de um Sobrevivente e Às Cegas (este lançado na Rússia). Um terceiro volume que encerra a saga está, por enquanto, no computador do autor.

Sua jornada como escritor começou ainda na prisão. Nessas décadas, leu de tudo: filosofia, política, sociologia, história, muitos livros de ficção.

Seus dois primeiros livros de memória devem virar filme. Ainda há outro publicado: Tesão e Prazer – Memórias Eróticas de um Prisioneiro. Há uma enxurrada de projetos, como uma peça teatral, oficinas literárias, livros de ficção de contos, uma cartilha para ex-presidiários. Confira alguns trechos da entrevista:

DIÁRIO:O senhor fará cinco encontros em espaços públicos de Diadema.Como serão esses bate-papos?
LUIZ ALBERTO MENDES: Fui criado no Juizado de Menores, atual Febem, dentro de uma cultura criminal. Nas Febems e presídios, essa cultura criminal se enfronha dentro da mente e do espírito da pessoa e a torna irreversivelmente ladrão, por exemplo. Porque há toda uma filosofia de levar vantagem, de passar a perna, que de alguma forma vai detonando seu sentido de igualdade. Você vai se colocando numa posição de superioridade, até. E isso gera as piores distorções psicológicas que você pode imaginar. As pessoas aqui fora jogam uma bomba pro alto e pensam que ela vai criar asas e sair voando feito pombo. Mas elas não sabem que a coisa vai voltar e provavelmente com uma intensidade muito maior. Elas não têm essa consciência de que cara que vai para a prisão, um dia sai.

DIÁRIO: Qual é a saída?
MENDES: Não há muita saída, porque a sociedade tem uma idéia errônea de como combater crime. A sociedade tinha que entrar com projetos artísticos, oficinas literárias, de vídeo, artes... E entrar com trabalho maciço de ongs, que já estão fazendo. É preciso tomar uma atitude, que não é só do governo. Não adianta colocar mais polícia na rua. Violência chama violência. Hoje, essa cultura criminal domina e as pessoas pobres estão sendo criminalizadas. As pessoas não têm emprego e essa economia informal que você vê na rua é uma migalha.

DIÁRIO: Como o senhor descobriu a literatura?
MENDES: Até meus 21, 22 anos, não sabia nem escrever direito. Nunca tinha lido um livro. Aí fui parar na cela forte (matou um sujeito na prisão que queria violentá-lo), e pelo encanamento do vaso sanitário eu comecei a conversar com Henrique Moreno (assaltante do Banco do Brasil, nos anos 60). Ele começou a falar de livros, mas isso não me interessava. Só que não tinha outro papo e ficaria louco se não conversasse. Fiquei um ano lá. Fui salvo pelos livros. Eles me salvam todo dia e vão salvar sempre. Foram eles que preencheram meu imaginário de idéias para que eu não morresse. Porque não existe só uma morte, há muitas mortes.Na prisão existem mortes piores, como a emocional e a racional, quando cara se estupidifica, enlouquece. É por isso que meu livro se chama Memórias de um Sobrevivente.

DIÁRIO: Depois que o senhor saiu da prisão, o que leu primeiro?
MENDES: Os Miseráveis, de Victor Hugo,que achei uma m... O cara demora duas páginas para fumar um cigarro, meu!(risos). Um livro que me impressionou muito foi Sidarta, de Herman Hesse e Simone de Beauvoir. Li tudo que pude dela. Por ela e Sartre, sou apaixonado.Não sou existencialista, mas conheço existencialismo legal.

DIÁRIO: Como o senhor ingressou em Direito,na PUC?
MENDES: Em 1982, os examinadores da PUC foram na Penitenciária do Estado e eu fui um dos primeiros colocados. Mas fiquei oito meses e as coisas se confundiram a tal ponto que eu tomei um monte de tiros e fui recolhido. Fiquei 42 dias na rua. Na volta, refleti. Havia lutado pra chegar lá e depois joguei tudo pro alto. Aquilo tinha acontecido porque minha vida era uma roda viva e eu não tinha controle das coisas. Eu tinha, por exemplo, um preconceito filho da p... contra a Polícia. Mas quando meu filho nasceu e eu, preso, não podia dar segurança nem proteção pra ele, comecei a achar que Polícia era importante. Não concordo com modo como eles agem, mas posso compreender algumas ações deles.

DIÁRIO: De qual escritor o senhor mais gosta?
MENDES: Escritor nacional atualmente é Douglas Rufato. E tem Fernando Bonassi, mas preferido é Érico Veríssimo. O Edward Bunke (norte-americano, também ex-presidiário) é cabuloso. Estou com um projeto na Secretaria de Administração Penitenciária, chamado Guia de Apoio à Cidadania, no qual pretendo dar todas as informações para quem sair. Aqui fora tem momentos que eu sofro mais que lá dentro. Não sei lidar com dinheiro. Fiquei 30 anos sem lidar com ele e cada tostão que gasto fico com a consciência pesada, achando que vai faltar pros meus meninos.

DIÁRIO: O senhor escreveu em um texto que julgava necessário tudo aquilo que você passou na cadeia.Por que?
MENDES: Eu não considero que tudo foi necessário, senão teria criado a necessidade de matar os outros, a de roubar. Mas que seria de mim se eu não tivesse passado pelo que passei na prisão? Com a violência, com a agressividade que eu trazia dentro do meu coração, com a idéia que tinha de que alguém precisava pagar pelo que eu tinha sofrido quando eu era criança, era impossível. Eu tinha que sofrer. De verdade, eu aprendi a ser gente na cadeia. Com os livros, meu mundo começou a se ampliar e eu percebi que aquele mundinho meu era uma m... Eu nem sabia que existia gente boa. Tive oito companheiras na prisão, todas relações firmes. Cheguei a casar na cadeia. Mas não acredito que a cadeia recupere alguém. O que funcionou pra mim, não significa que vá funcionar para os outros.

DIÁRIO: O senhor tem dois filhos, um de 10 anos e um de 6. Que conselhos costuma dar para eles? Que dicas?
MENDES: Eu não acredito em conselho. Aliás,quem sou eu para dar conselho a alguém? Acredito em exemplo. Aprendi a beber bebendo no fundo do copo do meu pai; a fumar, roubando cigarro dele. Aprendi valentia copiando a do meu pai. Ele era motorista de praça e cortou um desses cabos de machado para deixá-lo no carro e bater em quem mexesse com ele. O outro toco que sobrou, botei dentro da minha mala da escola. Esses dias eu estava conversando com Renato (o filho mais velho) e perguntei que ele queria ser quando crescer. E ele falou: ‘Eu vou ser escritor que nem você, pai ’. Eu nunca pude dar uma posição dessa para um filho meu. Agora eles já podem copiar. Isso pra mim é vantajoso pra caramba. Pra mim foi um p... acontecimento.

Trechos

“Dona Eida, minha mãe, dizia que até os seis anos eu era um santo. Meu pai, seu Luiz, dizia que eu era débil mental. Disso lembro bem.(...) Meu pai,desde que me lembro, já bebia.(...) Quando ele chegava bêbado em casa (e era quase todo dia), eu me escondia na casinha da cachorra, Dinda. A cadela era meu maior amigo. Ficava me lambendo,feliz de estar comigo, qual eu fosse mais um de seus inúmeros cachorrinhos.

O homem chegava ensandecido, procurando motivo para brigar bater (...). Por qualquer motivo, mandava que eu fosse buscar o cinturão de couro no armário dizia,sadicamente, que iríamos ter uma conversa. Era uma tortura, era mesmo! Pegava pelo braço batia, batia, batia...até ficar sem fôlego. (...) Odiava-o com todas as forças do meu pequeno coração. Vivi a infância toda fermentando ódio virulento àquele meu algoz envenenando minha pobre existência. Quis crescer, ser grande forte para arrebentá-lo a socos pontapés.

Desde muito cedo vivi desesperado por liberdade, louco para viver solto como os outros meninos (...) Esquecia das horas jogando bola no campo (...). De repente, Dinda estava me puxando pelo calção (ela sempre me acompanhava aonde eu fosse): era certeza que seu Luiz tinha chegado em casa exigia minha presença, assobiando. Era um assobio fino que cortava. Quando Dinda invadia o campo latindo, meu coração vinha na boca – era ele! Saía correndo para casa, já arrepiado de medo, era surra na certa.Não podia sair de casa sem autorização dele. Chegava no portão, meus passos encurtavam sem querer, precisava de um caminhão de coragem para entrar. A vontade era fugir, sumir. E lá estava, sem nunca falhar, meu carrasco: ‘Vamos conversar, vá buscar a cinta!’.”

Encontros com o escritor em Diadema

Nesta segunda-feira, às 14h. Na Biblioteca Serraria – r. Guarani, 735. Tel: 4043-3446.
Terça, às 19h30. Na Biblioteca Interativa de Inclusão Nogueira – r, Bernardo Lobo, 263. Tel: 4071-9684.
Quinta-feira (27), às 14h. Na Biblioteca Santa Luzia – r. Martins Fontes, 110. Tel: 4072-3016.
Sexta-feira (28), às 19h30. No Centro Cultural Inamar – r. Antonio Sylvio Cunha Bueno, 1.322. Tel: 4043-5476.
Sábado (29), às 10h. No Centro Cultural Canhema – r. 24 de Maio, 38. Tel: 4075-3792




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