Mais de meio milhão de pessoas andam de ônibus todos os dias no Grande ABC. O volume representa um quinto da população da região. Para atender essa demanda, as sete cidades oferecem mais de 1,1 mil coletivos que circulam por cerca de 150 linhas municipais. Apesar dos números significativos, o planejamento da atual rede de transporte é ultrapassado e acompanhou na base do improviso o crescimento das cidades. As conseqüências são linhas que não se comunicam, com veículos lotados de um lado e vazios de outro, demora nos pontos e longas filas nos terminais.
Durante dez dias, o Diário foi para as ruas apurar quais são os principais problemas de transporte sofridos pela população. O jornal inicia hoje uma série de reportagens sobre o assunto, onde serão abordados temas como idade da frota, investimentos, projetos de novas linhas, condições nos pontos de ônibus e acessibilidade. A primeira traz um dos temas de maior reclamação dos usuários: superlotação e falta de "diálogo" entre as linhas.
O crescimento desordenado das cidades fez com que linhas novas surgissem aleatoriamente. A população faz o pedido ao vereador, que o encaminha à Prefeitura, que cria mais linhas para atender a novos bairros. A falta de um projeto amplo, que envolva toda a cidade, causa o desequilíbrio no transporte: algumas linhas são superlotadas e em outras os ônibus rodam vazios.
Em Santo André, as linhas foram remanejadas há nove anos e atendem razoavelmente a área central. Mas oferecem serviço deficitário aos bairros mais afastados. Áreas como o Jardim Santo André, Jardim Irene e Clube de Campo cresceram nos últimos anos e por serem bairros-dormitório escoam seus moradores para o Centro durante o dia. O resultado é a falta de coletivos e acúmulo de passageiros no terminal da Vila Luzita todos os fins de tarde.
Nos percursos extensos, os veículos seguem viagem abarrotados de gente. O itinerário I-05 (Vila Rica-Estação Utinga), por exemplo, é o mais utilizado na região, com 17.650 usuários por dia. Mesmo com essa demanda diluída em 20 veículos, a linha é conhecida por levar pessoas espremidas nos horários de pico. Outro incômodo vivido pelos passageiros de ônibus em Santo André é o tempo de espera nos pontos. Insatisfação essa que representa 39% das reclamações recebidas pela Prefeitura em 2005 sobre a operação do transporte.
Empurra-empurra – A demora também afeta o cotidiano de São Bernardo, especialmente nos bairros da periferia, onde os usuários esperam pelo menos 30 minutos nos pontos. À noite, perto da balsa do Riacho Grande, a falta de agilidade é agravada pela falta de estrutura dos pontos de ônibus, sem iluminação e pouco movimentados. O sistema que está hoje em operação na cidade foi planejado há cerca de 20 anos e sofreu mudanças com base em solicitações de usuários a partir de 1999, quando a ETC-SBC (Empresa de Transporte Coletivo de São Bernardo) assumiu o gerenciamento do transporte na cidade.
Já a aglomeração em Diadema se concentra no terminal Piraporinha. Todo fim de tarde tem empurra-empurra, discussão e filas intermináveis. Embora planejadas em 2003, algumas linhas já não acompanham o crescimento populacional dos bairros que atendem, de acordo com o secretário municipal de Transportes, José Francisco Alves. São áreas como Vila Conceição, Parque Real e núcleo do Gazuza.
No Jardim Zaíra 4, em Mauá, circula o itinerário com maior demanda na cidade. Sete coletivos lotados carregam 5.182 passageiros por dia na linha 84, que vai do Centro até o bairro. Enquanto a 74, que vai do Jardim Rosina ao Centro, leva 88 pessoas a cada 24 horas. Uma descompensação. "Pego o ônibus cheio e vejo outros passarem vazios. Como se não bastasse, tiraram um carro da linha que uso para colocar em uma dessas que ninguém usa", criticou a dona-de-casa Elisabeth Estevam, 38 anos, que utiliza o Zaíra 4.
Mauá nunca teve licitação para definir a operadora do transporte e um planejamento dos trajetos, com estudos. As linhas eram determinadas por decretos. Agora, a Prefeitura aprovou uma lei para abrir um processo de concorrência.
São Caetano não sofre com bairros periféricos afastados, onde as linhas não chegam ou chegam lotadas. A cidade possui apenas 15 km², mas, mesmo pequena, não conta com número suficiente de ônibus nos fins de semana, segundo os usuários. "Eles (Prefeitura) acham que todo mundo tem carro em São Caetano. Então, porque não tenho um, tenho de ficar de castigo nos sábados e domingos. Já esperei mais de uma hora. Sim, uma hora", diz a aposentada Cleide Aparecida, que vive no bairro Santa Maria.
Desordenado – Segundo especialistas, esse desequilíbrio no sistema de transporte entre linhas superlotadas e ociosas não é desejável, mas pode ser aceitável em função do crescimento desordenado das cidades. "Agora, isso pode ser uma coisa natural ou pode ocorrer por falta de planejamento. Existem e existirão linhas com pouca lotação, porque as cidades têm densidades diferentes em vários pontos", afirmou o engenheiro Eumir Germani, diretor da TTC, empresa de consultoria especializada no planejamento de sistemas de transporte.
Para Germani, o problema é o excesso de passageiros em uma mesma linha. Quando essa situação se configura, é preciso repensar o sistema de transporte que percorre aquele itinerário. "Nesse caso, uma opção é aumentar o tamanho dos ônibus, outra é aumentar a freqüência de veículos, utilizando vias paralelas. Dependendo do volume de passageiros, torna-se viável a troca de ônibus por sistemas de grande capacidade no local (como trem e metrô)", afirmou Germani.
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