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Idade mínima da mulher e o retrocesso social
João Badari*
17/02/2019 | 07:16
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Pesquisa divulgada pelo banco BTG Pactual e realizada com 235 deputados federais e 27 senadores mostrou que, na Câmara, 82% dos entrevistados responderam ser favoráveis à reforma da Previdência Social, enquanto que, no Senado, esse índice chegou a 89%. Portanto, acredito que teremos, sim, uma reforma previdenciária, mas o maior desafio fica por conta da idade mínima de homens e mulheres.

Tanto que, inicialmente, conforme texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que vazou há alguns dias, a ideia era empatar idade para ambos os sexos, de 65 anos, proposta defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. No entanto, na quinta-feira o presidente Jair Bolsonaro (PSL) aprovou idade de 62 anos para mulheres e 65 para homens.

A pesquisa mostrava que 72% dos congressistas aprovavam a criação de idade mínima para a aposentadoria, mas apoiavam idades diferentes para homens e mulheres. Em relação à idade de 65 anos para ambos os sexos, 61% dos entrevistados eram contra. Apenas 20% apoiavam a proposta. Vale lembrar que o texto do governo Michel Temer (MDB) previa 62 anos para as mulheres e, neste caso, a aprovação subiria para 38%. É importante um Congresso Nacional sensível às especificidades entre homens e mulheres, onde a diferenciação de regras previdenciárias com relação ao gênero é grande conquista social. Vale ressaltar que a reforma é importante, porém, retrocessos sociais não podem ocorrer.

A diferença de tratamento para a concessão da aposentadoria entre homens e mulheres se baseia nos princípios constitucionais da seletividade e distributividade previstos no artigo 194, inciso III da Constituição Federal de 1988. Isso significa que a prestação dos serviços deve ser feita de acordo com as possibilidades econômico-financeiras dos segurados, seguindo o ideal de justiça social e visando à redução da desigualdade social. E a realidade trabalhista é desigual nos dias atuais.

Os críticos adeptos desta igualdade defendem que esses problemas relativos ao mercado de trabalho devem ser resolvidos por meio de políticas trabalhistas, e não previdenciárias, alegando que a Previdência não teria vinculação direta com a discriminação de gênero. Isso é um erro, pois as análises de mercado de trabalho não devem se separar da esfera da família (reprodução), do Estado e do mercado, uma vez que são interligadas.

A Previdência não pode negligenciar o fato de que as mulheres trabalham mais que os homens, embora parte desse tempo não seja remunerada. As mulheres se aposentam mais cedo atualmente por uma ‘compensação’, pelo fato de trabalharem mais que os homens, uma vez que elas realizam duplas e até triplas funções, onde, além do trabalho remunerado, cuidam da casa, dos filhos e até mesmo do marido. Por mais que uma reforma seja necessária para dar sustentabilidade ao sistema previdenciário, e nossa última reforma ocorreu em 1999, a jornada dupla, às vezes tripla, das mulheres brasileiras continua atual.

De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais – análise das condições de vida da população brasileira, divulgada pelo IBGE, as mulheres trabalham cerca de 20 horas por mês a mais do que os homens. E não vamos esquecer que ganham cerca de 30% menos. A pesquisa nos traz a informação de que os homens permaneceram com jornada de apenas dez horas semanais com os afazeres domésticos, ou seja, ainda se mostra uma realidade feminina o cuidado da casa e dos filhos. A reforma sendo realizada com equiparação de idade entre homem e mulher não leva em consideração questão cultural brasileira que ainda não foi superada, não tendo condições igualitárias entre os sexos, promovendo a igualdade em um momento ainda desigual.

Apesar de importantes mudanças ocorridas desde 1999, inclusive o aumento da participação feminina no mercado de trabalho, não se pode negar que a mulher continua trabalhando mesmo após se aposentar. A diferença de idade na aposentadoria seria compensação da jornada dupla e do cuidado com a família, que não se encerra nem mesmo com sua aposentadoria. É cena rotineira encontrar avós que criam seus netos. A reforma será bem recepcionada se for um marco social, porém, até agora, encontramos apenas retrocessos sociais apresentados e um marco econômico, pois leva em consideração apenas aspectos atuariais e financeiros.

Ela é sem dúvida importante, pois considera a redução dos contribuintes e a estimativa de vida da população, mas que sejam analisadas as especificidades do nosso povo. 


* Advogado especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados




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