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Péricles: ‘A nossa região tem trabalhado pela educação’
Miriam Gimenes
Do Diário do Grande ABC
11/02/2019 | 07:00
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Divulgação


Antes de arranhar um banjo e soltar sua voz pelos quatro cantos do País, o andreense Péricles Aparecido Fonseca de Faria, 49 anos, que fez sucesso à frente do grupo Exaltasamba e hoje está em carreira solo, teve diversas profissões. Foi cabeleireiro, sapateiro, metalúrgico e inspetor escolar. Por isso, fala com propriedade de causa que, além de achar que a música pode salvar muitas pessoas, como foi o seu caso, também acredita que a educação é questão primordial, inclusive no Grande ABC, para projetar futuro próspero para as crianças. “O esporte e a educação são grandes instrumentos da região.”

O senhor nasceu em Santo André, aqui fez sua carreira e se mostrou para o Brasil. Qual sua relação com o Grande ABC hoje? Continua morando aqui?
A minha relação com o Grande ABC ainda é muito grande. Moro em Santo André, minha família está lá, meus amigos também, sou muito feliz na região. Tenho sorte de ainda poder morar no mesmo lugar e divulgo o nome da região por onde quer que eu vá.

De que maneira a região influenciou-lhe a entrar no mundo artístico?
Acredito que toda região me inspira, porque vejo em cada pessoa, de cada cidade, um pouco da imagem do que é o povo brasileiro. Em Mauá, Ribeirão, em todas as cidades. Rio Grande da Serra, que tem carinha de interior, mas é do ladinho. São cidades que recebem a gente muito bem e posso olhar as pessoas comuns e ver o que elas querem. Em todo lugar o ser humano quer ser feliz, quer cuidar da sua família, isso ajuda na hora de a gente poder escrever nossas canções.

Quando a arte tocou seu coração? Foi herança familiar ou resultado do meio em que cresceu?
Sou um filho mais velho de quatro irmãos. Via minha mãe cantando em casa, meu pai cantando, meu avô sempre ouvindo muita música. Nós fomos criados em um ambiente musical. A arte se manifestou na gente desta forma. Uma outra coisa legal é que quando ganhávamos discos, os long plays, a gente se divertia muito mais porque era um presente que todo mundo poderia desfrutar. Isso ajudou a nos dar uma base musical muito melhor. A minha relação com a música vem desde o berço.

Quais os locais que costumava frequentar por aqui para mostrar sua arte?
Vivia no eixo Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema. Em Diadema, ia na Chácara Três Irmãos; em São Bernardo, na Jurubatuba, no antigo Chopapo; em Santo André toquei em vários lugares, na Senador Flaquer, no Centro, no Viva Brasil. Em São Caetano toquei no Hipnoses, no Trem das Onze Bar. Aliás, comecei em uma sorveteria no Centro de São Caetano, no boom do pagode, nos anos 1980. Tenho muito boas recordações e guardo grandes amigos cultivados daquela época.

Acha que o Grande ABC é um celeiro de artistas? Acredita que os moradores daqui valorizam a arte?
Contribuições como a minha ajudaram o Grande ABC a ter grandes artistas, sim. A gente tem o Lucas Morato, que é meu filho e mora em Santo André; tem o Breno Faria (ex-Katinguelê), que é meu irmão; tem o Sérgio Guizé, que é de Santo André, um grande ator. A Regiane Alves, que encontrei uma vez, dentro da Padaria Brasileira, e é uma grande atriz. Esses e outros grandes artistas saíram da região e nunca esqueceram de enaltecer o seu lugar de origem, o que ajuda muito.

Antes de seguir como cantor, também foi inspetor escolar. Que lembranças guarda dessa época? Também acredita que a região invista na educação?
Em paralelo à música, que sempre fez parte da minha vida, eu já fiz várias coisas. Fui cabeleireiro, metalúrgico (da Volkswagen), inspetor de alunos (de 1990 a 1993), fui sapateiro, no começo da minha juventude. Todas essas profissões que acumulei ao longo da vida me ajudaram a lidar melhor com o ser humano. Acredito também que a nossa região tem trabalhado pela educação. É preciso que se volte atenção para isso, para que as pessoas comecem e voltem a ler. É um apelo que eu sempre faço. Mas creio que a nossa região, comparada a outras, ainda está muito bem aparelhada, tem muita gente lutando pela educação. O esporte e a educação são grandes instrumentos da região.

O senhor disse que trabalhou em uma montadora em São Bernardo. Como vê esse mercado hoje aqui na região? Costuma acompanhar?
Vejo como tudo vem mudando, a tecnologia fez com que tudo mudasse. A gente vê que as montadoras têm muita força na nossa região. Tenho acompanhado de longe. Creio que se as empresas abrirem não só mais frente de trabalho, mas espaço para que o colaborador possa aprender mais, possa garantir com cursos um melhor posicionamento no mercado, o nosso mercado tem muito a crescer.

O senhor conheceu o sucesso à frente do Exaltasamba, um dos ícones do pagode na década de 1990. Como viu a evolução do gênero nos últimos anos no País?
O que nós vemos hoje, posso dizer nessa década, o samba esteve e está sempre nas trilhas sonoras dos bons filmes, das boas novelas, nas playlists. À medida em que a gente vê melhor organização dos sambistas em geral, veremos melhor ascensão e melhor posicionamento dos sambistas e do gênero no mercado. Creio que a gente já aprendeu muito, já cresceu muito, mas temos muito que evoluir e isso só vai ser possível com organização.

Sofreu preconceito por ter escolhido a música como carreira?
A gente sempre vai sofrer preconceito, porque, infelizmente – volto a dizer da questão da educação –, as pessoas não buscam saber a situação do outro e, às vezes, tecem comentários justamente por não saberem direito e acreditar que aquele pouco que sabem é o suficiente. Isso é preconceito. O homem tem medo daquilo que não conhece e não busca saber mais do assunto. Eu e mais vários de nós sofremos isso, acho realmente uma coisa triste, mas temos nossa ferramenta, que é a educação para lutar contra isso e é o que temos feito desde o começo da nossa trajetória. Vimos situações muito difíceis.

O senhor costuma ouvir outros ritmos?
Sou um ouvinte que gosto de tudo, porque a boa música não tem gênero. Ouço de tudo um pouquinho. Estou gostando muito de muita coisa que tenho ouvido, tem muita gente boa nesse nosso mercado, não dá para citar um apenas. Analiso com bons olhos e vejo que tem muita gente chegando.

O senhor acredita que a arte salvou-lhe de alguma forma?
Creio que a arte salvou não só a mim, mas várias outras famílias. Salvou muitos jovens, sejam brancos, negros, imigrantes, de periferia, de classe alta, a música salvou muita gente. A arte como um todo tem esse poder, não tem nem essa obrigação, mas tem esse poder.

Como é para o senhor ver seu filho seguindo a mesma profissão?
Para todo pai a maior alegria é ver seu filho feliz. E vejo que ele está assim, trilhando o caminho que ele escolheu. Eu e a mãe dele criamos um cidadão de bem e hoje eu ‘sou o pai do Lucas Morato’. Para mim isso é um orgulho muito grande.

Quais são as políticas que podem ser implementadas para valorizar a cultura?
Acredito que a gente não tem de esperar dos órgãos governamentais políticas públicas. Nós podemos fazer a diferença e temos feito. As ONGs (Organizações Não Governamentais) têm feito muito pela cultura e educação. parcerias público-privadas também podem fazer muito e a gente tem visto várias iniciativas dando certo. Creio que esse é o caminho para que nossa população tenha mais chances, inclusive no ramo cultural.

Muitas pessoas criticam, principalmente hoje, as leis de incentivo à cultura. Qual é, na sua visão, a importância delas para a produção da arte no País?
A lei de incentivo à cultura muita gente fala que não é uma boa e que é para poucos. Acredito que a lei está aí para ajudar, as parcerias público-privadas ajudam muito nisso. É um formato que não só no papel dá certo, mas também na prática. As pessoas têm de procurar saber mais sobre elas.

Como avalia este momento político do País?
As últimas eleições foram as mais conturbadas. Nunca vi em todo esse tempo, vou fazer 50 anos agora, nunca vi uma eleição tão conturbada e os nervos tão acirrados como vi ano passado. Creio que depois de toda revolução como esta o País sempre dá um passo à frente e é o que espero. Que depois destas eleições o Brasil possa dar vários passos à frente e que a gente, de mãos dadas, possamos remar para o mesmo lado, que é o do Brasil. Sem partidos, sem lado direito ou esquerdo, todos em prol do País.

Estamos às vésperas do Carnaval e o senhor acaba de anunciar sua saída como intérprete da Mangueira. O que aconteceu?
Com muita tristeza que não serei mais um dos intérpretes da Mangueira. Não pude conciliar minha agenda com o período de ensaios da escola. Teve uma mudança na direção da escola próximo do Carnaval. Também mudaram os dias de ensaio e eu já tinha me programado de uma maneira. Essa mudança não me fez bem, não foi legal e, infelizmente, não pude adequar meus horários. Achei por bem, depois de conversar, dizer que não queria jamais atrapalhar, porque amo muito essa escola. Que se não for para ajudar preferia sair. Foi de comum acordo.

O que o Carnaval representa na sua vida?
O Carnaval para mim é a festa mais bonita que tem. Todo ano a gente espera muito esses quatro dias para extravasar, cantar as alegrias, as tristezas, espantar os fantasmas e poder, na Quarta-Feira de Cinzas, olhar para os parceiros e dizer ‘feliz ano novo’, porque aí o ano começa de fato. No Carnaval temos a festa mais democrática, ninguém é mais que ninguém’, todo mundo pode aproveitar o que o nosso Brasil enorme tem para oferecer.

Quais são seus próximos planos?
Para este ano nossos planos são de, no fim de fevereiro, gravarmos uma roda de samba, fazer o registro audiovisual, e também registrar o show Em Sua Direção, que será gravado em julho, em Salvador. Já convido todo mundo do Grande ABC para estar comigo para essa gravação.

RAIO X
Nome: Péricles Aparecido Fonseca de Faria
Estado civil: Casado
Idade: 49 anos
Local de nascimento: Santo André
Formação: Ensino médio
Hobby: Ouvir música e ler
Local predileto: Minha casa
Livro que recomenda: A Onda Que Se Ergueu no Mar (Ruy Castro)
Artista que marcou sua vida: Fundo de Quintal
Profissão: Músico
Um sonho: Ganhar mais um Grammy




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