A socióloga e teóloga Marcia Regina Damaceno Silveira, 56 anos, está à frente do Fórum Benedita da Silva, que discute questões como racismo e desigualdade racial, e também coordena o Fórum de Promotoras Populares, ambos de Diadema. Pós-graduada em Ciências da Religião e Política de Promoção da Igualdade Racial na Escola, Marcia afirma que o racismo sempre existiu, mas que cada vez mais a população negra está se informando e buscando fazer valer seus direitos. “Nós, mulheres negras, vivenciamos a face mais perversa do racismo, do machismo e estamos sofrendo todas as perdas de direitos que lutamos em conquistar”, diz.
Quando e como surgiu o Fórum Benedita da Silva?
O Fórum foi fundado em 5 novembro de 2012 por lideranças e representantes das entidades e associações dos movimentos negros. Esses grupos há mais de 20 anos vêm se reunindo e discutindo políticas de ações afirmativas e a erradicação de toda e qualquer forma de racismo e de preconceito em Diadema.
Desde quando a senhora é a presidente?
Assumi a coordenação a partir de 2015. Estamos batalhando para que o Fórum possa se tornar um instituto, fazendo o estatuto para registrá-lo.
Qual o principal foco de atuação do Fórum?
O Fórum Benedita da Silva trabalha em debater, propor, acompanhar a formulação e consolidação das políticas de ações afirmativas com o propósito de erradicar a desigualdade, o racismo, a discriminação racial e o preconceito de cor/raça, de gênero – incluindo a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais/LGBT –, discriminação contra os indígenas e intolerância religiosa. Também monitoramos a aplicação efetiva das leis 10.639/03 – que versa sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas – e 11.645/08 – que incluiu também a cultura indígena. De uma forma geral, nosso objetivo é fortalecer, ampliar e participar em todas as manifestações em relação à cultura negra no município.
Quais conteúdo e objetivo do curso ministrado pelo Fórum?
Já realizamos cinco edições. A formação sempre começa em março e segue até o fim de julho. Temos algumas temáticas fixas, mas também outras que mudam de acordo com a avaliação dos participantes. Na edição de 2018, abordamos temas como políticas públicas de promoção e igualdade racial, história sobre o continente africano e das suas contribuições tecnológicas para humanidade, racismo e branquitude, leis antirracismo no Brasil e em Diadema, capitalismo e racismo, entre outros. O objetivo deste curso é ampliar nossos conhecimentos sobre a história e a realidade de lutas dos movimentos negros brasileiro, com ênfase em Diadema. A formação também traz a iniciativa de colaborar e contribuir na aplicação das leis federais que alteraram a Lei de Diretrizes Básicas do Estado Nacional, tornando obrigatória a inclusão das culturas africanas e afro-brasileiras, e a história do povo indígena na estrutura curricular dos ensinos Fundamental e Médio público e privado, bem como também discutir, divulgar e fazer valer o Estatuto de Igualdade Racial aprovado em 16 de junho de 2010.
Para qual público o curso é destinado?
Para todos os públicos, moradores ou não da cidade. Professores, pessoas envolvidas em movimentos sociais. Ultimamente, a maior procura tem sido de professores, não somente do Grande ABC, mas de toda Região Metropolitana, Litoral e Capital. A média é de 150 pessoas por curso.
Como a senhora avalia a questão do racismo atualmente no País?
Racismo sempre existiu. Com o conhecimentos do seus direitos a população negra tem lutado, reclamado e cobrado políticas públicas de enfrentamento a esse mal. E fazemos nossa parte, colaborando na divulgação desses direitos, como, por exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei de Intolerância Religiosa e buscando e fomentando mecanismos de combate ao racismo.
Quais as principais demandas do movimento feminista negro na atualidade?
Nós, mulheres negras, vivenciamos a face mais perversa do racismo, do machismo, e sob um governo golpista (em relação ao ex-presidente Michel Temer, MDB; a entrevista foi feita antes da posse de Jair Bolsonaro, PSL, eleito em outubro) estamos sofrendo todas as perdas de direitos que lutamos em conquistar. Temos ainda a luta contra a superioridade da branquitude, do patriarcado e do movimento fundamentalista religioso que coloca mais energia neste sistema capitalista e busca formas de extinguir nossa vida, nossos filhos e a nossa cultura ancestral negra.
Como a senhora avalia as ações afirmativas para mulheres negras em Diadema e no Grande ABC?
Fazemos parte do Movimento Regional de Mulheres Negras, que também faz parte da Marcha das Mulheres Negras do Estado de São Paulo. Uma das pautas é o fortalecimento do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, com seus grupos de trabalhos (GTs). A sociedade conquistou os GTs para discutir demandas dos seus segmentos, neste caso dos negros e das mulheres. Sabemos da sua importância para se construir uma política regional de promoção de igualdade racial e das mulheres.
A senhora lançou livro em 23 de novembro, nas comemorações da Consciência Negra. Qual tema foi abordado?
O livro se chama Estratégias de Combate ao Racismo – Estudo de Casos na Cidade de Diadema. É resultado dos meus dois trabalhos de pós-graduação, especialização em Ciências da Religião pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) e em Política de Promoção da Igualdade Racial na Escola pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Nele, conto a história de luta das mulheres negras, moradoras do bairro Campanário.
O Fórum Benedita da Silva também atua em conjunto com o Fórum de Promotoras Populares para promover essa formação em Diadema. Desde quando o curso é realizado?
O curso de capacitação de Promotoras Legais Populares existe desde o ano de 2004 e inicialmente era realizado pela Prefeitura de Diadema, em parceria com outras instituições. Até 2011, houve algumas interrupções na sua realização. Desde então, a formação foi retomada pela sociedade civil e pelo movimento de mulheres da cidade, com a criação do Fórum de Promotoras Legais Populares, que assumiu o gerenciamento, planejamento e coordenação do curso. Em 2018, formamos a nossa 13ª turma, em parceria com a Câmara Municipal de Diadema, que cede o espaço para as aulas. Eu atuo na coordenação.
Qual objetivo da formação no curso?
Promover acesso à informação e à formação das mulheres sobre seus direitos como cidadãs e, principalmente, dar subsídios para auxiliar as mulheres a enfrentar situações de violência doméstica, que continuam muito frequentes. É fato que ao longo da história as mulheres conquistaram vários direitos e hoje temos maiores oportunidades, porém, muitas de nós ainda sofrem discriminação, exclusão, violência e negação de direitos fundamentais, chegando até a serem mortas por seus companheiros. Por isso, o curso quer estimular a atuação das mulheres em defesa de sua autonomia e de seus direitos, com o fortalecimento da organização e participação na sociedade.
Qual a importância do curso para as mulheres que passam por ele?
Todas se tornam empoderadas ao adquirir conhecimentos. Por falta de conhecer como as violências se ‘naturalizam’ é que acabamos sendo cúmplices. Ao descobrir isso, se tornam transgressoras deste sistema de dominação e naturalização.
Quantas mulheres já se formaram no curso?
Não tem estimativa certa. Talvez 5.000 mulheres. Antes, a Prefeitura que liberava as funcionárias para formação e capacitação. Hoje não existe mais essa liberação das profissionais e atingimos mais as mulheres dos bairros. Mas, devido ao valor da passagem de ônibus, esse número é menor.
Além do curso de Promotoras Populares, o Fórum de Promotoras desenvolve outras atividades?
Sim. Participamos, por meio do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, da entrega da unidade móvel, o ônibus adaptado com todos os serviços de enfrentamento à violência doméstica e familiar, que passou por todas as cidades da região, inclusive Diadema. Participamos do lançamento da construção da Casa da Mulher Brasileira, no Largo do Cambuci, em São Paulo. Essa casa teria todos serviços integrados, acabando, assim, com a via crucis da mulher que buscava o atendimento para o enfrentamento às violências doméstica e familiar. Infelizmente, o projeto está paralisado, o que representa retrocessos e perda de direitos das mulheres. Participamos da Marcha das Mulheres do Movimento, que pautou o abandono sistemático das ações da administração pública nas políticas de enfrentamento à violência. Além disso, acompanhamos e participamos de audiências públicas diversas, com objetivo de debater o abandono da Cultura, das políticas públicas voltada para as mulheres e da igualdade racial. Acompanhamos, junto ao Ministério Público de Diadema, pedido de esclarecimento da Prefeitura pelo fechamento e sucateamento dos serviços da Casa Beth Lobo nos últimos anos. Em 2018, estivemos na Semana da Lei Maria Penha, em São Paulo, entregando documento para o Tribunal de Justiça, solicitando a instalação dos juizados de violência doméstica e familiar nas cidades de São Bernardo, Guarujá, Santos, São Caetano, Piracicaba, Diadema, Santo André, Águas de São Pedro, Votuporanga, Suzano, São Carlos, Campinas, Itaquaquecetuba, Mauá e Jundiaí, dotados de equipe multidisciplinar e com plano de atuação conjunta com as demais instâncias do sistema de Justiça (delegacias, polícias, Ministério Público, Defensoria Pública) e com os serviços da rede de atendimento às mulheres em situação de violência, tal como previsto pela Lei Maria da Penha.
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