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'Sou alemão, mas com alma brasileira', diz presidente da Mercedes
Por Yara Ferraz
17/12/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Presidente da Mercedes-Benz e CEO América Latina, Philipp Schiemer, 53 anos, passa praticamente todas as semanas dentro da fábrica de São Bernardo, a mais antiga da região ainda em atividade. A planta anunciou recentemente que deve contratar 600 colaboradores temporários em 2019, já que há otimismo no mercado de caminhões para o próximo ano.

Em entrevista ao Diário, Schiemer falou sobre o Rota 2030, programa de incentivo à indústria automotiva, e as perspectivas para 2019 com o novo governo, porém com ponderação. “Até aqui são só declarações de intenção. Só vamos conseguir avaliar quando este assumir.”

Gostaria de saber um pouco sobre a sua trajetória. Como foi a chegada ao Brasil? Veio direto a São Bernardo?
Comecei na Daimler como estagiário e, desde então, conheci praticamente todos os segmentos da companhia – de carros a caminhões. E foi justamente esse conhecimento amplo, do desenvolvimento de produtos a vendas, ocupando diversas posições e lidando com diferentes pessoas, que me capacitou a chegar à posição de CEO. Nesse sentido, o Brasil sempre me proporcionou experiências em diversas áreas e construir grandes projetos com equipes diversas e unidas. Estive a primeira vez por aqui há 15 anos, na área de vendas de automóveis e, depois, de vans. E quando tive oportunidade de voltar, em 2013, como CEO da maior fabricante de veículos comerciais, não tive dúvidas. Apesar de todos os imprevistos no cenário econômico, eu gosto do Brasil, das pessoas daqui. Muitos dizem que sou alemão, mas com alma brasileira.

O que o sr. costuma fazer no tempo livre? Costuma frequentar algum lugar na região?
Gosto bastante de praticar esportes, principalmente tênis e corrida. Corro praticamente todos os dias. Além disso, gosto de jantar com amigos de uma a duas vezes por semana e me dedicar à família. Aqui na região, costumo frequentar o Clube ADC Mercedes-Benz, além de sair para jantar em diferentes restaurantes.

Qual a relação do sr. com o Grande ABC?
A minha relação com o Grande ABC é muito importante. Estou em São Bernardo, cidade-sede da Mercedes-Benz do Brasil, praticamente todas as semanas. Costumo dizer que estou mais na empresa do que na minha própria casa. E tenho um carinho muito grande por essa região, afinal, foi um dos primeiros lugares que conheci ao chegar ao Brasil, há mais de 15 anos. Posso dizer que me sinto um pouco ‘são-bernardense’.

E com o Diário? O sr. se recorda quando se deu o primeiro contato com o jornal?
O Diário com certeza esteve no evento de minha apresentação como CEO da Mercedes-Benz do Brasil à imprensa. Como principal jornal da região, vocês não poderiam ficar de fora.

Qual a importância do jornalismo regional, em sua opinião?
O jornalismo regional tem forte relevância para o Grande ABC, sem sombra de dúvidas, como também para todo o País. Em diversos momentos desses 62 anos da Mercedes-Benz e de 60 anos do Diário, o jornal foi o primeiro a noticiar importantes acontecimentos da nossa empresa. Os repórteres e editores sempre mantiveram um relacionamento muito próximo com as nossas equipes. E não é por coincidência que a Mercedes-Benz do Brasil e o Diário têm praticamente a mesma idade. Inauguramos a nossa fábrica em 1956 e, vocês, apenas dois anos depois, já tinham um jornal de grande relevância nacional, publicando as notícias do setor automotivo em primeira mão, e já estavam nos acompanhando. Para nós, o Diário sempre foi um jornal muito importante e parceiro nos eventos, como nos anúncios de nossos investimentos locais e também em grandes lançamentos de veículos.

A Mercedes foi a segunda fábrica do setor automotivo a se fixar na região, em 1956, e a mais antiga que se encontra em atividade (já que a Willys, inaugurada em 1952, foi adquirida pela Ford em 1968 e extinta no País, posteriormente, em 1984). O sr. acredita que o Grande ABC ainda é um grande polo automotivo brasileiro?
Sim. O Grande ABC continua sendo um grande e importante polo automotivo. Prova disso são os investimentos atuais de grandes empresas na região. A Mercedes-Benz do Brasil sozinha investe cerca de R$ 2,4 bilhões no período de 2018 a 2022, grande parte na modernização da nossa fábrica de caminhões, chassis de ônibus e agregados (câmbio, motor e eixo) de São Bernardo rumo à Indústria 4.0, além do desenvolvimento de produtos e serviços de conectividade.

O setor automotivo ainda tem espaço para crescer na região? O Rota 2030 deve influenciar nisso?
O setor automobilístico tem espaço para crescer no Grande ABC. Os investimentos anunciados para a região vão resultar nisso. E o Rota 2030, que traz previsibilidade para indústria e fomenta os aportes em pesquisa e desenvolvimento, só tem a contribuir com isso.

Qual sua opinião sobre o Rota 2030? Ele deve impulsionar o P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) no setor e na região?
O Rota 2030 pode ser comemorado pela indústria automotiva brasileira e pela região, que reúne diversas fábricas de veículos. A grande conquista é a visão de longo prazo, que oferece previsibilidade para planejamento e investimento das empresas. Nesse sentido, o Rota 2030 pretende potencializar conquistas recentes, como a melhoria da eficiência energética, o investimento em P&D e engenharia, e a criação de cronograma proativo de adoção de equipamentos de segurança. Além disso, o programa visa recuperar e fortalecer a base de fornecedores, ajustar problemas estruturais e simplificar processos. É o que precisamos para o Brasil e, claro, também para o Grande ABC.

Quais os planos da Mercedes para a planta de São Bernardo? Há investimentos previstos em 2019?
Investimos R$ 730 milhões de 2015 a 2018 na modernização das nossas fábricas de São Bernardo e de Juiz de Fora (em Minas Gerais). Parte desse valor, R$ 500 milhões, resultaram na fábrica 4.0, a mais moderna de caminhões da América Latina, que vocês noticiaram. E, em 2017, anunciamos mais R$ 2,4 bilhões para continuar a modernização das plantas rumo à Indústria 4.0 até 2022, sendo a maior parte em São Bernardo, além do desenvolvimento de produtos e serviços de conectividade.

Atualmente, três modelos (Accelo, Axor e Atego) são fabricados na planta de São Bernardo. Há expectativa de que mais algum venha para cá?
No futuro, o caminhão extrapesado Actros, líder de vendas nesse segmento, também será produzido na fábrica de São Bernardo.

Como é a relação do sr. com os colaboradores, principalmente com os que atuam no chão de fábrica? Como eles lidam com a tecnologia da linha de produção?
Minha relação com os colaboradores, de todos os níveis, desde administrativos até os profissionais das linhas de produção, sempre foi muito próxima e transparente. Em todos os momentos, primamos pelo diálogo e pela proximidade em nossa empresa. Constantemente realizo momentos de conversa no chão de fábrica, além de cafés para bate-papo para colocarmos os assuntos em dia e ouvir os questionamentos das equipes. Para nós é muito importante saber o que o nosso público de relacionamento, em especial o colaborador, que é o grande responsável pela empresa existir, bem como o cliente, que orienta as nossas ações, esperam da Mercedes-Benz. Fico contente ao ver essa relação que construímos juntos nesses últimos anos. Aliás, nesses momentos, o feedback deles tem sido bastante positivo em relação às novas tecnologias nas fábricas. Eles estão participando da construção dos processos, sugerindo ideias e participando, inclusive, de cursos de aperfeiçoamento ligados à Indústria 4.0.

O sr. acredita que o perfil deste trabalhador está mudando, como, por exemplo, a exigência de uma maior escolaridade e conhecimentos em eletrônica? Como e quanto a Mercedes investe na qualificação dos colaboradores anualmente?
Sem dúvida. A Indústria 4.0 é revolucionadora e traz avanços significativos por meio da conectividade, inteligência artificial, eletrônica embarcada, análises de dados, entre outros. Mas toda essa inteligência de dados só tem efeitos práticos se há um profissional por trás da máquina interpretando a enxurrada de informações geradas e indicando as soluções no dia a dia. Nesse sentido, é fundamental que os colaboradores acompanhem a evolução. Em parceria com o Senai, com o qual atuamos há mais de 60 anos em São Bernardo, os nossos colaboradores passam por cursos de capacitação e desenvolvimento constantemente. Parte do nosso investimento de R$ 2,4 bilhões até 2022 também incorpora a qualificação de nossos mais de 10 mil colaboradores.

Houve um enxugamento no quadro de funcionários da fábrica, sendo que somente em 2016, o efetivo foi reduzido em 20%. Como a empresa lida com essa redução de colaboradores?
Como dissemos, as nossas decisões são sempre pautadas pela reação do mercado de veículos comerciais. Na época, com queda tão acentuada das vendas, não nos restou outra saída. Mas é importante relembrar que implementamos todas as alternativas possíveis negociadas com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para amenizar os impactos da crise e gerenciar esse momento de redução drástica nas vendas de caminhões e ônibus no mercado brasileiro.

Quais são as expectativas para o mercado e a produção de caminhões em 2019? Qual o balanço deste ano para o setor?
Em 2018, finalmente o mercado de veículos comerciais voltou a engrenar. De janeiro a novembro, as vendas de caminhões somaram quase 70 mil unidades, alta próxima de 50% em relação ao mesmo intervalo de 2017. Os segmentos que estão impulsionando as vendas são o agronegócio, que tem previsão de safra recorde em 2019, além de logística, transporte de combustíveis e químicos, mineração, bebidas, varejo e frigorificado. Para 2019, considerando que nos últimos quatro anos houve uma estagnação do mercado de caminhões e que os empresários estão mais otimistas, a frota deverá ser renovada. Assim sendo, esperamos uma alta de dois dígitos, algo em torno de 20% a 25% no primeiro semestre, claro, se for mantido o cenário econômico atual, de juros e inflação controlados e alta do PIB. Torcemos para um 2019 muito melhor.

Qual a expectativa do sr. para o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL)?
As mensagens divulgadas até agora – redução do tamanho do Estado, queda da carga tributária, incentivo ao empreendedorismo, encaminhamento do deficit fiscal, reforma da Previdência etc. – são todas pautas positivas e urgentes. Mas até aqui são declarações de intenção. Só vamos poder avaliar o novo governo quando este assumir e transformar os projetos em leis, emendas constitucionais e planos de ação. 




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