Após o primeiro ano de corte de gastos, o prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior (PSDB), celebra a possibilidade de folga no Orçamento para investimentos. Um deles, que deve entrar em funcionamento no ano que vem, é a adoção de um cartão de identificação do munícipe, uma espécie de CPF do morador são-caetanense, para que a Prefeitura tenha maior condição de mapear as necessidades dos cidadãos e, de alguma forma, controlar o acesso de pessoas de fora da cidade, privilegiando o morador. “Não sou elitista, muito menos segregador. Mas a secretária de Saúde (Regina Maura Zetone) me trouxe hoje (ontem) a taxa de ocupação da UTI pediátrica da cidade. De 12 leitos, dez são de não moradores”, relatou o tucano, em entrevista exclusiva na sede do Diário, na qual faz balanço do segundo ano de seu retorno ao Palácio da Cerâmica. O prefeito também destrincha o colégio universitário, que sai do papel em 2019.
Confira entrevista completa:
Qual cenário financeiro de 2018?
No meio do ano tínhamos projetado o cenário de ter equacionado a situação financeira e projetar investimentos, algo que agora está consolidado. Conseguimos trazer ajuste fiscal consolidado, eficiente, com equilíbrio de contas que nos permite não só planejar, como antecipar algumas execuções. Estamos pleiteando linha de financiamento, abrindo processos licitatórios. Mas tudo isso precisamos ter pés no chão. Para tudo desandar frente a uma crise é muito rápido. Conseguimos, em tempo inferior ao que imaginávamos, o ajuste financeiro. Confesso que quando cheguei à Prefeitura, com R$ 250 milhões de deficit corrente e com Orçamento de R$ 1 bilhão, achei que iríamos levar um mandato inteiro para colocar em dia. Colocamos medidas restritivas, algumas mais amargas, como a folha e o custeio, fomos bastante rigorosos. Mas isso nos propiciou que chegássemos a esse momento.
Politicamente o senhor teve uma vitória importante, a eleição de seu filho caçula, Thiago Auricchio (PR), como deputado estadual. O saldo é positivo?
Saldo positivo. Naturalmente conseguimos caminhar. Viemos de candidatura de oposição (em 2016, contra o então prefeito Paulo Pinheiro, hoje no DEM), encontramos maioria na Câmara da coligação contrária à nossa. Conseguimos, em um movimento pró-São Caetano, colocar os interesses da cidade na frente – e o presidente Pio (Mielo, MDB, da Câmara) teve papel fundamental nisso. Usufruímos do ambiente de uma maneira muito positiva, produção legislativa de origem do Executivo muito grande. Junto a essas medidas de choque, nos propiciou trazer investimentos para prática e que nos darão guarida para os próximos dois anos. No transcorrer desse curso houve vitória bastante importante do Thiago. Há 12 anos São Caetano não tinha deputado (o último foi Marquinho Tortorello, que ficou na Assembleia Legislativa até 2006). Ele alcançou essa marca, que extrapola são Caetano, mas que para nós tem impacto positivo. Não diria que é fruto do trabalho dos dois anos, mas mais um capítulo da construção política desses dois anos. Está inserido no contexto.
O que o munícipe pode esperar para 2019?
Estamos na fila do Avançar Cidades, por exemplo (programa federal). São algumas frentes, algumas delas até com autorização do contrato, sobretudo no que diz respeito à área de saneamento. São obras de drenagem, de contenção de perdas (de água). E há frente de mobilidade, que nos interessa muito. Todos esses projetos de financiamento estão no compasso de espera, porque todo mundo quer esperar o que vai acontecer no governo federal, mas fizemos nossa parte. Temos pleito junto à CAF (Corporação Andina de Fomento) bastante adiantado. Se a gente conseguir consolidar essas duas grandes linhas, uma nacional e outra internacional, o impacto será extremamente positivo. Pleiteamos US$ 50 milhões com o CAF (equivalentes a R$ 195,9 milhões) e outros R$ 80 milhões no Avançar Cidades.
Mas a projeção é para que essas obras saiam quando do papel?
Licitaremos em 2019 para iniciar as obras em 2020. No Avançar Cidades há tópicos autorizados a licitar. Temos alguns de perda de água, por exemplo. Alguma coisa de obra deve começar no segundo semestre (de 2019). Isso nos grandes financiamentos. Temos linhas de financiamentos menores. Cabeamos toda a cidade com fibra ótica. Esses menores (investimentos) estão com celeridade maior. Ajudou neste ano, porque o orçamento interno nos permitia pouco pintar escola. Nos deu fôlego e dará no próximo semestre.
Uma das promessas de campanha foi o Atende Fácil Saúde. Em que pé está esse projeto?
O que temos com recursos próprios é o Atende Fácil Saúde, embora estejamos pleiteando linha de financiamento para complementá-lo. Está em contratação de projeto. A ideia é licitar no primeiro trimestre, começar obra no segundo trimestre e finalizar em meados de 2020. São R$ 10 milhões de investimento somente na obra, em torno disso. Ainda falta toda parte de equipamento. Estamos orçando isso. Ficará na Rua Roberto Simonsen com a Avenida Goiás, ponto estratégico. Será frente de atendimento para especialidades, como AMEs (Ambulatórios Médicos de Especialidades). Outra área será de diagnósticos. Também haverá atendimento especializado geriátrico. E a quarta e última área é central farmacêutica de funcionamento ininterrupto. Terá uma porta interna para quem está no dia a dia e porta de emergência para quem procurar de madrugada.
São Caetano enfrenta o dilema de ter de atender muitos munícipes de outras cidades em seu sistema municipal. De que forma isso pode ser atenuado?
Contratamos a maior empresa de TI (Tecnologia de Informação) de cadastramento de munícipes. Finalizando a contratação dela, vamos migrar para cadastro único da cidade, eletrônico. Isso deve nos dar um freio. Não sou elitista, muito menos segregador. Mas a secretária de Saúde (Regina Maura Zetone) me trouxe hoje (ontem) a taxa de ocupação da UTI pediátrica da cidade. De 12 leitos, dez são de não moradores. Maior parte é São Paulo, mas há municípios do Grande ABC. Esse cadastro vai integrar todas as bases cadastrais, Educação, social e Saúde. Isso terá tempo de maturação. Quero ver se ao longo do primeiro semestre a gente matura isso para que, no segundo semestre, o cartão se torne documento oficial.
Mas de que forma esse cartão vai valer para a rede?
Vamos mudar a dinâmica. Com a finalização da reforma do Hospital de Emergência Albert Sabin, que entregaremos no fim de janeiro ou no começo de fevereiro, ele será reaberto com uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) acoplada. Haverá o hospital de emergência e uma UPA ao lado. Entrada geral será na UPA, porta aberta. O paciente passa pela triagem. O morador, por meio do cartão, passa para o hospital. O não morador fica na UPA, com toda a assistência. Haverá controle melhor da ocupação. A UPA atenderá adulto e infantil. O hospital infantil hoje é porta aberta. Com a nova dinâmica, esse não morador vai até a UPA, não ao hospital infantil direto. Isso será acesso do morador. Todos os municípios enfrentam isso há muito tempo (no Grande ABC, há equipamentos que recebem até 70% de pacientes de fora). Precisamos de um grau de controle. Evidentemente que a discussão é metropolitana, mas não tem mais como (arcar). Na questão farmacêutica, por exemplo, o cara pega o trem em Perus (Zona Norte da Capital) e desce em São Caetano para pegar (o remédio). Ele gasta R$ 8 ida e volta (na passagem de trem) e pega receita que não vai encontrar nunca. Com a UPA, quem tiver necessidade de internação vai para a Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde). O morador vai para o hospital.
Na Educação, a grande discussão foi sobre o Ensino Médio municipal. E, no fim do ano, foi anunciado o colégio universitário, em parceria com a USCS (Universidade Municipal de São Caetano). Onde surgiu a ideia?
Sempre houve desejo, escutei dos prefeitos (Hermógenes Walter) Braido (morto em 2008) e (Luiz Olinto) Tortorello (morto em 2004). O Tortorello, especificamente, brigou, achava que a universidade tinha obrigação de deixar legado ao município extrauniversitário. Eu ter benefício para o morador que não frequenta a universidade significa dar retorno à sociedade. A USCS era um instituto de pesquisa, que foi crescendo e se tornou uma universidade, uma das principais de São Paulo, é uma potência econômica bem gerida, com 8.000 alunos, sendo 6.000 de graduação e 2.000 de pós-graduação. O (reitor Marcos) Bassi teve sensibilidade de entender isso. Bassi é reitor pró-ativo em termos de parceria com o município. Vide a Saúde, com a faculdade de Medicina (há convênio para que alunos atuem na rede pública de São Caetano, por exemplo). Ele entendeu esse processo e abraçou de forma efetiva, trazendo questão que, para nós, é diferencial. Ensino Médio é gargalo do País. O ministro (Luís Roberto) Barroso (do Supremo Tribunal Federal) disse que quem acha que o grande problema do Brasil é o Escola Sem Partido vê o fantasma errado. É lógico que não é. No Ensino Médio há alta evasão, ensino desestimulante, desqualificado. Esse é o grande gargalo. São Caetano sempre teve grau de oferta nesta faixa escolar.
Mas muito se falou em fechar vagas...
Na minha primeira passagem (entre 2005 e 2012), eu tinha uma escola de Ensino Médio, que era o Alcina Dantas Feijão (no bairro Mauá). Criei a segunda, o Vicente Bastos (no Jardim São Caetano), que tinha os ensinos Fundamental e o Médio. Depois criei a terceira, com Fundamental e Médio, a Oscar Niemeyer (no bairro Osvaldo Cruz). Essas escolas tinham um pool de 1.000 vagas. Tínhamos, oriundos do Fundamental da cidade, 1.200 alunos por ano, com 1.000 vagas ofertadas. Havia vestibulinho e o aluno faria opção. Praticamente todo mundo era coberto, porque uma parte iria para as Etecs (Escolas Técnicas Estaduais), outra parte ia para escola do Estado, perto da casa. Havia equilíbrio. Funcionou em 2012 e 2013. O Paulo (Pinheiro) então entendeu que havia custo alto. Não quero criar juízo de valor nisso, até porque tem custo excessivo mesmo, você banca extraFundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Ele reduziu para 550 vagas. Eu peguei em 2017 (a administração), mantive as 550, não consigo nem pensar em aumentar. Aí houve o entendimento da universidade. Com padrão pedagógico avançadíssimo. Será um case. O que vi de projeto semelhante é o colégio da USP (Universidade de São Paulo), mas só para filhos de funcionários, não é aberto, e o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), que me parece ter algo semelhante, aberto à população. Isso nos trouxe 280 vagas, nos permitiu enxugar aquela cota das 550 sem que houvesse perda de vagas. A soma do Alcina, do Niemeyer e da escola nova chega às 550 vagas. Se a gente tiver fôlego, pernas, para ampliar o número de vagas no colégio universitário, poderemos chegar às 1.000 vagas. Criaram, a priori, 600 vagas, sendo 280 da Prefeitura (o restante será aberto, pago por mensalidade). Não morador pagará R$ 600. Morador pagará R$ 480, com 20% de desconto.
Como o senhor viu os protestos de estudantes nesse debate?
Lógico que houve incompreensão no primeiro momento, motivada pela classe política. O debate se enviesou politicamente. Quando se cria modelo novo, você quebra privilégios, corporações. No Alcina há corporação muito grande. Há professor que ganha quase R$ 20 mil líquidos. Bate no subsídio do prefeito (de R$ 20 mil). Não é um só não. Esse povo, quando vê o risco de diminuir aluno e aulas, ele vê que vai perder e vai para o debate. Aí que vem a politização equivocada do processo, porque esse pessoal incita o aluno. Pegam aluno do Ensino Médio, que topa qualquer parada. Sabemos que ali é riscar o fósforo e pegar fogo. A classe política antecipou o debate e eu não poderia sair expondo o que era a escola antes de ter o projeto aprovado. A lei foi aprovada, reunimos, em algumas sessões, todos os pais de alunos do nono ano (do Ensino Fundamental), levamos material. Os pais de alunos falaram, secretária falou, eu falei. Tiraram dúvidas todas. Até sexta-feira, para as 280 vagas havia mais de 1.000 inscritos. Vai ser sucesso, não tenho dúvida.
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