Política Titulo 60 anos em entrevistas
‘Boa governança articula técnica e legitimidade’, diz Klink
Por Kelly Zucatelli
Do Diário do Grande ABC
08/05/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


São algumas décadas dedicadas ao exercício e ensinamento de gestão pública das metrópoles. Algo que para o doutor em Arquitetura e Urbanismo e mestre em Economia Internacional e Financeira e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) Jeroen Johannes Klink não se potencializa apenas por gerar conhecimento, mas também porque contribui para a formação de agenda de desenvolvimento do País. O holândes marcou muitas transformações da região, principalmente em meados de 1990, quando teve papel fundamental em Santo André, na criação de estratégias de internacionalização da cidade e do desempenho de agenda de planejamento regional.


Jeroen Klink e o Diário

Jeroen Klink lembra que entre suas participações para ajudar com melhorias nos processos de políticas de gestão metropolitana no Grande ABC, o Diário sempre esteve presente. “Tive o primeiro contato com o jornal em 1997, quando a região e o governo do Estado lançaram a Câmara Regional do Grande ABC. Na ocasião, a entidade organizou, em maio de 1997, seminário internacional para discutir a reestruturação produtiva e o papel das cidades e regiões metropolitanas. O Diário fez a cobertura do evento e lançou um caderno especial sobre as diversas experiências internacionais de planejamento regional.”

Confira a entrevista completa:

O que o apaixona nos estudos de gestão das metrópoles?
As metrópoles são espaços paradoxais. Concentram, ao mesmo tempo, dinamismo econômico, capacidade para inovar e gerar riqueza, mas também os principais desafios do País, como o deficit habitacional, a violência, o congestionamento, a precariedade do transporte público e a poluição ambiental. Portanto, a pesquisa sobre o tema da metropolização não apenas tem um potencial para gerar novo conhecimento, mas também contribuir para uma agenda de desenvolvimento para o País.

Para o senhor, como deve atuar um consórcio público na defesa de interesses regionais?
A lei dos consórcios públicos, que foi aprovada em 2005 e regulamentada dois anos depois, fortaleceu o status jurídico destas instituições como entidades de direito público. Permitiu que os entes federados – municípios, Estados e a própria União – delegassem, com maior segurança institucional, determinadas responsabilidades para os consórcios. Estes últimos proporcionam economia de escala, eficiência e transparência no planejamento e gestão das chamadas funções públicas de interesse comum, como, por exemplo, a mobilidade, o saneamento ambiental e o desenvolvimento urbano.

O que acha da relação Estados e municípios para a execução de projetos de desenvolvimento urbano, que atendam necessidades fundamentais, como, por exemplo, nas áreas de Habitação e mobilidade?
Com poucas exceções, esta relação não evoluiu na direção de uma governança compartilhada dos serviços de interesse comum, conforme previsto pelo mecanismo de consorciamento público. Na prática, mostrou-se um desafio para as autarquias estaduais, responsáveis pela área de infraestrutura, lançarem mão de estratégias de planejamento colaborativo que efetivamente envolvessem os municípios. Ao mesmo tempo, poucos consórcios intermunicipais se consolidaram como instituições com legitimidade técnica e política. Até recentemente, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC foi uma das poucas referências positivas.

Como avalia a ligação do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e os seis municípios, atualmente? A instituição deveria ser mais técnica que política ou ambos comportamentos caminham na mesma direção e não prejudicam atingir as metas?
Uma boa governança regional-metropolitana articula capacidade técnica e legitimidade política para traçar metas, definir programas e projetos prioritários e as estratégias adequadas para implementá-los. Durante sua trajetória o Consórcio Intermunicipal mostrou que essas características são fundamentais para superar, de forma coletiva, as crises e aproveitar janelas de oportunidades. No entanto, o cenário recente, marcado pela redução dos quadros humanos e recursos financeiros da instituição – o que reduz a capacidade operacional e a proliferação de divergências políticas internas – culminou na saída de Diadema do Consórcio –, gerando uma série de preocupações sobre a força da governança regional.

O que significa a saída de Diadema do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC?
A saída de Diadema é reflexo do enfraquecimento da instituição. A Prefeitura argumentou que a contribuição financeira, associada à participação no Consórcio, não gerou benefícios concretos para a cidade e poderia ser aproveitada melhor em projetos locais nas áreas de Saúde e Educação. Ao mesmo tempo, a cidade não fez os repasses para o Consórcio, conforme previsto no estatuto, e acumulou uma dívida de aproximadamente R$ 9 milhões, que agora será cobrada judicialmente. Em síntese, a saída de Diadema mostrou a ausência de liderança e capacidade política para negociar alternativas. O agravante é que o movimento de Diadema parece ter ‘contaminado’ o ambiente regional. No mês de abril a Câmara de São Caetano aprovou emenda supressiva que reduziu o repasse para a entidade regional com R$ 1,2 milhão.

Quando foi inaugurado, em 1990, o Consórcio discutia sobre o plano alternativo para destinação do lixo. Até hoje esse assunto não avançou. O que deve ser feito?
Desde sua criação, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC lançou uma série de iniciativas na disposição final de resíduos. No entanto, estas sempre encontraram entraves jurídicos, administrativos e políticos. Em 1991/92, a instituição encaminhou pedido de financiamento para uma solução regional, que foi aprovado pelo Banco Mundial, mas rejeitado pelo governo federal em razão da ausência de personalidade jurídica de direito público que pudesse assumir as garantias associadas à assinatura de um empréstimo internacional. Até hoje persiste a inexistência de regulamentação aprovada pelo Senado para a realização de operações de crédito pelo Consórcio, para obter financiamentos.

A chegada do Metrô ao Grande ABC causaria uma transformação expressiva no serviço de transporte. Isso ainda não aconteceu. Como avalia esse tema tão necessário?
O contrato para Linha 18 – Bronze do Metrô, que ligará a região à rede metro-ferroviária da Capital via Estação Tamanduateí, foi assinado em agosto de 2014, mas ficou travado até agora. O Estado não conseguiu contrair empréstimos adicionais para efetuar as desapropriações dos terrenos em razão da falta da capacidade de endividamento de acordo com os critérios da Secretaria do Tesouro Nacional, que é responsável pelo aval dos empréstimos. A mudança para um rating mais positivo, que ocorreu em dezembro do ano passado, abre uma perspectiva talvez um pouco mais concreta para retomar este projeto. No entanto, será fundamental articular esta obra, e outras que constam do Plano Regional de Mobilidade, com uma política de desenvolvimento urbano regional que capte uma parcela da valorização da terra associada aos investimentos, e que também valorize as interconexões entre mobilidade, uso e a ocupação do solo e criação de novas centralidades regionais e metropolitanas.

O senhor desempenhou importante papel nos anos 1990, em Santo André, quando foi secretário de Desenvolvimento Econômico e Ação Regional da Prefeitura. Fale um pouco dessa experiência.
Foi o período que trabalhei na gestão do prefeito Celso Daniel, eleito em 1996, e reeleito em 2000 pelo PT (morto dia 20 de janeiro de 2002). Ele foi um gestor extraordinário, que juntava conhecimento técnico-acadêmico, visão política e capacidade para inovar e mobilizar lideranças em torno de um projeto compartilhado. Nestas administrações, tive o prazer de contribuir com a estratégia de internacionalização da cidade e com o desenho e a articulação de uma agenda de planejamento regional para a região.

Quando teve o primeiro contato com o Diário?
Tive o primeiro contato com o jornal em 1997, quando a região e o governo do Estado lançaram a Câmara Regional do Grande ABC. Na ocasião, a Câmara organizou, em maio de 1997, seminário internacional para discutir a governança da reestruturação produtiva e o papel das cidades e regiões metropolitanas. O Diário fez a cobertura do evento e lançou um caderno especial sobre as diversas experiências internacionais de planejamento regional que foram discutidas durante o seminário.

Quando foi publicada a primeira reportagem a seu respeito?
As primeiras reportagens saíram no período em que Santo André começou a se posicionar no cenário internacional com a assinatura de vários convênios de cooperação técnica, por exemplo, com as agências bilaterais do Canadá, da Alemanha, União Europeia e ONU (Organização das Nações Unidas) Habitat.

O projeto da Cidade Pirelli – anunciado em 1997 – nunca saiu do papel. O que acha que colaborou para que a cidade não vingasse?
O projeto foi desenhado e discutido em um período marcado por baixas taxas de crescimento macroeconômico e incertezas sobre o rumo da economia regional. Isso repercutiu também negativamente sobre o dinamismo do mercado imobiliário. Nesse ambiente de aversão ao risco o setor privado, de fato, não avançou.

Há cerca de uma década a instalação do Parque Tecnológico do Grande ABC patina para ser executada. Santo André obteve R$ 5 milhões do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano para realização do projeto. Como deverá ser o gerenciamento público dessa ideia?
No formato ideal, a escala do parque tecnológico é regional, a partir do compartilhamento de espaços e equipamentos já existentes nas empresas, centros tecnológicos, incubadoras e universidades. Referido formato seria o de parque-rede, contando com uma governança colaborativa que pudesse mobilizar o setor produtivo, a academia, os sindicatos de trabalhadores e os gestores públicos. No entanto, no edital inicial exigiu espaço físico de 200 mil metros quadrados. Em regiões metropolitanas caracterizadas pela notória falta de terrenos bem localizados isso cria – desnecessariamente – um desafio. A UFABC (Universidade Federal do ABC) e as demais universidades da região devem desempenhar papel estratégico na mobilização desse sistema regional de inovação.

Outro projeto que estacionou e parou foi o Eixo Tamanduatehy, que tinha como principal objetivo fazer o desenvolvimento de uma faixa industrial que fosse de Santo André a São Paulo. Pode-se dizer que as gestões municipais das duas cidades foram ineficientes para alinhar os interesses do projeto?
O setor público lançou o projeto para mobilizar as lideranças públicas e privadas em torno de uma estratégia de transformação do Eixo Tamanduatehy e, no fundo, da própria região. O objetivo maior era criar uma nova centralidade metropolitana a partir de uma série de investimentos e projetos estratégicos. Considerando a conjuntura econômica desafiadora e o rebatimento disso sobre o quadro financeiro-fiscal das prefeituras, o setor público dificilmente teria capacidade para assumir isoladamente a liderança do projeto, enquanto o setor privado assumiu uma posição mais reativa. Cabe ressaltar que a premissa central do Eixo Tamaduatehy, isto é, contribuir para a transformação social e econômica da área e da região, recebeu um impulso significativo.

Que futuro espera para o Grande ABC?
Infelizmente, no curto prazo, não espero muita capacidade de reação da região à luz da gravidade e intensidade da crise econômica, política e institucional que acomete a sociedade brasileira. No médio prazo, espero que o Consórcio Intermunicipal recupere sua capacidade institucional, financeira e política, inclusive para fazer gestão junto a outras esferas de governo em prol da viabilização de programas prioritários para a região. 




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