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As emendas de Barbiere

Há um século, Rui Barbosa proferiu enunciado que até hoje é citado nos meios jurídicos e políticos como uma

Por Wilson Marini
03/10/2011 | 00:00
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Há um século, Rui Barbosa proferiu enunciado que até hoje é citado nos meios jurídicos e políticos como uma espécie de vaticínio da corrupção no poder público: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".
Há quase dois meses o deputado estadual Roque Barbiere (PTB) estufou o peito e disse ter orgulho "de resistir às tentações do cargo e não me corromper". Para lastrear o auto-elogio, declarou que "de 25% a 30% dos deputados vendem emendas, fazem lobby com prefeitura vendendo inclusive projetos educacionais ou trabalham pra empreiteira".
A declaração, publicada no jornal Folha da Região, de Araçatuba, provocou um vespeiro na Assembleia Legislativa de São Paulo, habitualmente morna devido à folgada maioria tucana. Esta semana, a frase de Roquinho, como é conhecido entre amigos e eleitores, ganhou graves contornos políticos entre os deputados e no Palácio dos Bandeirantes, devido à repercussão da entrevista na imprensa nacional. Roquinho terá que dar nomes aos bois, ou se explicar.

Dúvidas
Afinal, deputados estaduais vendem ou não as emendas que propõem no orçamento do estadual e que beneficiam prefeituras, entidades e empresas? Quantos deputados e quais são eles? Roquinho disse na entrevista que essa é uma prática de "25% ou 30%" dos parlamentares. A Assembleia possui 94 deputados, logo apontou o dedo em direção a um grupo de 23 a 28 colegas. Mas depois disse a uma emissora de televisão que estaria disposto a dar os nomes de "dois ou três". Já foi um avanço, considerando que na primeira entrevista não quis citar nomes ("não sou dedo-duro"). Mas por que se limitará a dois ou três nomes? Faltam as provas? Exagerou nas contas? Teria recuado? Está sofrendo pressão?
É necessário perguntar também se o deputado, ao falar sobre a venda de emendas, tinha a noção do alcance dessa acusação. Achava que o impacto da declaração ficaria restrito à região de sua base eleitoral, no Noroeste paulista? É bem provável que sim, porque não foi ele quem tomou iniciativa de vir a público e fazer a denúncia. Apenas reagiu a perguntas feitas pelo entrevistador.
O próximo passo agora é o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Assembleia, que já começou a trabalhar nesse assunto. Roquinho foi convidado a dar depoimento nesta quinta-feira, dia 6. Não é obrigado a comparecer, e poderá responder por escrito.
O deputado Olímpio Gomes (PDT) e o secretário estadual de Meio Ambiente, o deputado licenciado Bruno Covas (PSDB), também poderão ser convidados. Olímpio disse "ter ouvido do presidente de uma entidade o relato sobre uma artimanha usada por alguns deputados para ficarem com parte da verba de R$ 2 milhões correspondentes às emendas parlamentares". Covas narrou episódio em que, quando deputado estadual, um prefeito lhe ofereceu R$ 5 mil pela liberação de uma emenda.
O conselho, presidido por Hélio Nishimoto (PSDB), terá 30 dias para analisar as denúncias. Pedido da bancada do PT para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar se o orçamento público, por meio das emendas parlamentares, tem sofrido desvio de finalidade ou sido alvo de tráfico de influência, foi rejeitado.

‘Bandidos de toga'
A vida nacional começou a semana com a declaração bombástica da ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dada ao repórter Cláudio César de Souza, do jornal "O Vale", de São José dos Campos: "A magistratura está com gravíssimos problemas de infiltração  de bandidos que estão escondidos atrás da toga".
A frase gerou uma crise sem precedentes no órgão. O presidente do CNJ, Cezar Peluso, que também preside o Supremo Tribunal Federal (STF) comandou a reação às críticas feitas aos juízes e cobrou explicações, dizendo nunca ter lido algo "tão grave". Afirmou que as declarações da ministra "lançam, sem prova, dúvidas sobre a honra de milhares de juízes e desacreditam a instituição perante o povo". O ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, disse à revista Consultor Jurídico que "há uma clara tentativa de emparedar publicamente os ministros do Supremo Tribunal Federal. Nem a ditadura ousou fazer isso. Não deveria ser feito por quem também usa toga". Entidades como a Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis) engrossaram o coro de críticas à ministra, que por sua vez despertou vozes importantes em seu apoio. O assunto rendeu manchetes dos maiores jornais, ganhou espaço no Jornal Nacional (Rede Globo) e foi alvo de pautas sequenciais em noticiários de jornais, televisão e internet em todo o país ao longo de toda a semana.

Imprensa regional
Ambos os casos mostram o valor da imprensa regional de qualidade. Reforçam a mudança do conceito de "notícia local". Antes da revolução da informação gerada pelas novas tecnologias e a globalização, os jornais locais estavam limitados aos acontecimentos que ocorriam ao seu redor, aos olhos de seus repórteres.
Com a "visão global" que deve marcar a ação local, veículos de qualidade ampliam os conteúdos de acordo com o interesse do leitor, que é contextualizado para a realidade mais ampla. E acabam com isso exercendo influência nacional, como mostram as entrevistas com Barbiere e a ministra. Ambos os jornais -- de Araçatuba e S. José dos Campos -- pertencem à Rede APJ -- Associação Paulista de Jornais, que reúne 15 dos líderes regionais da imprensa de São Paulo, entre os quais este jornal.




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