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'Bizarro Comics': o avesso dos heróis
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
26/09/2005 | 08:32
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Os super-heróis dos quadrinhos sofreram um escracho frontal. A mitologia, a força bruta que resolve paradas, a lei e a ordem que tanto prezam acabam de ser pervertidas em nome da bizarrice total. Sem respeitar cronologia ou mãe de heróis e totalmente avesso a formalismos dos gibis tradicionais, Bizarro Comics (Opera Graphica, 240 págs., R$ 69 em média) tumultua o universo heróico com um time de artistas independentes que fazem do deboche, do anacronismo nonsense e da chacota suas profissões de fé, e que nunca pisariam numa grande editora com as idéias que apresentam nesta compilação idiossincrática de histórias.

Bizarro Comics seria o avesso do que foi para a revolução dos quadrinhos de heróis séries como Watchmen e Cavaleiro das Trevas. Enquanto essas privilegiaram a constituição da humanidade e do realismo no mundo exterior, Bizarro destaca justamente o que não se espera de um herói e uma realidade ridícula. Não se trata de alteração de personalidades, mas do exagero em alguns casos, do cinismo em outros e da tiração de sarro total com poderes, mitologias próprias e situações nada paladinas.

São 28 histórias completamente distintas umas das outras em tom, cores, roteiro. O amálgama entre elas é o encontro de Bizarro e Mxyzptlk (pronuncia-se Mixzuplik, ou algo parecido), dois dos inimigos mais cômicos do Super-Homem e bastante comuns nas histórias do herói antes do rearranjo editorial da DC Comics – e fim de alguns personagens – na série de gibis chamada em 1986 de Crise nas Infinitas Terras.

Bizarro, cópia imperfeita de Super-Homem que faz tudo ao contrário do que se espera do herói, é o autor das histórias. Depois de ler tudo o que existe publicado sobre os supers, entendeu com sua mente infantil que as possibilidades são infinitas. Tudo começa com Mxyzptlk, Mxy para facilitar, espécie de mago duende da 5º dimensão que vive para atazanar o Super-Homem e só consegue desaparecer de nossa realidade e voltar para a sua quando pronuncia seu nome ao contrário. A dimensão de Mxy é invadida por um conquistador viciado em jogos infantis, chamado A, que poupará o mundo de Mxy se ele vencê-lo numa melhor de sete. O duende revela-se mais atrapalhado, se perde nas escolhas e não pode mais enfrentá-lo. Para isso, busca um herói entre os diferentes Super-Homens existentes nas infinitas terras. Sem querer, escolhe o mais imperfeito deles, Bizarro.

Com esses dois personagens abrindo e fechando a série de histórias, o deboche é garantido. Há histórias engraçadas, como a da babá que tenta cuidar do bebê Super-Homem, que mama direto na vaca enquanto seus pais saem para namorar num motel. Há um caso de inveja entre Batman e Super-Homem, um Aquaman que irrita os seres marinhos com sua telepatia, um dia de folga e poesia com a Mulher-Maravilha. Há duas personagens já desaparecidas por conta do rearranjo editorial citado acima, Super-Moça e Mary Marvel, num encontro anual entre a heroína e a ex-combatente do crime que virou dona de casa, um Capitão Marvel que ao invés de gritar Shazam grita Duh (a mesma exclamação de Homer Simpson) e se torna um bobão.

Os 50 autores – a capa é de Matt Groening, cartunista de Os Simpsons – brincaram à vontade com as características dos heróis. Evan Dorkin comandou todo o time (ele já havia comandado a coletânea de vilania Os Piores do Mundo) neste título, obrigatório para quem espera roteiros inspirados e não mesmice pré-formatada. Venceu como melhor antologia dos quadrinhos em 2001 nos prêmios Eisner e Harvey. Mesmo se não tivesse ganhado, teria cacife para garantir seu lugar na estante.

Faz lembrar uma outra compilação de personagens, Super-Homem, o Adeus (Opera Graphica) que entrou para o rol das histórias imaginárias da mitologia do herói – Super-Boy, o super-cão Krypto, Super-Moça etc –, escritas entre os anos 40 e 50 e definitivamente enterradas quando da reformulação dos personagens da DC em 1986. Na história, Alan Moore faz o kriptoniano ser desmascarado perante o público (e a grande piada que era se disfarçar apenas usando óculos e cabelos penteados). Frente a seus inimigos – Bizarro e Mxy entre eles – narra como ele teria perecido após derrotar a todos para poupar aqueles a quem amava. Moore, trabalhando dentro do espírito de reformulação do heróis, brindou o leitor com uma nostálgica visita à sua mitologia prestes a ser detonada. A comparação com Bizarro Comics vem no sentido avesso, pois os artistas envolvidos revisitaram a perpetuação dessas mitologias, mostrando o ridículo e o grotesco sob capas, uniformes e máscaras.

Bizarro Comics tem tudo para agradar leitores informais, que não se preocupam com a seriedade do universo dos heróis e adoram ver artistas fora do establishment editorial exercendo a arte dos quadrinhos sem se preocupar com forma ou conteúdo. Só não vai agradar os bolsos. A edição tem capa dura e é toda colorida – exceto por duas ou três histórias – e poderia ter um preço mais acessível. Como diria Bizarro, nem tudo é imperfeito.




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