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PM dá toque de recolher em morro
Luciana Sereno
Do Diário do Grande ABC e
Tatiane Moreno
Especial para o Diário
27/11/2004 | 13:34
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Depois de ter sido apontada por moradores do Montanhão, em São Bernardo, como a responsável pela morte de um homem e pela agressão contra outros dois, a Polícia Militar teria decretado toque de recolher no morro, no início da noite de quinta-feira. Comerciantes do bairro afirmam que várias viaturas "invadiram" o morro pouco antes das 18h e "mandaram os comerciantes baixar as portas". "Diziam que não queriam ver ninguém pelas vielas. Eram 2h e eles ainda estavam lá", disse uma comerciante.

A ordem foi cumprida e com a chegada da polícia os moradores dizem que as ruas do morro ficaram desertas. Os moradores fecharam portas e janelas e ninguém saiu até que os policiais fossem embora. Da mesma forma que os traficantes do Rio de Janeiro determinam a rotina nos morros, os moradores do Montanhão dizem que a PM está determinando o dia-a-dia no local. "Costumo fechar meu comércio às 21h, mas vi a polícia (por volta das 18h) e baixei as portas", disse um comerciante. Os moradores dizem ainda que duas escolas do bairro suspenderam as aulas do período da noite por conta da movimentação policial. A direção das escolas confirma que as aulas foram suspensas nesta sexta, mas nega que haja qualquer relação com a determinação policial.

A região do Montanhão é uma das mais populosas da cidade, com 107 mil pessoas, e também uma das mais violentas. Vários pontos do bairro são conhecidos por servirem de local de desova de corpos. O motivo das ações sucessivas da PM no Montanhão desde sexta-feira passada seria o assassinato do soldado Etelvino de Oliveira Pauta, 38 anos, também na semana passada. O PM foi morto durante um assalto a uma casa lotérica no bairro Demarchi e a polícia estaria procurando o criminoso que o matou.

"Eles acham que fui eu quem mateou o PM, por isso estão fazendo do Montanhão um inferno", afirma o decorador de gesso A.P.S, 20 anos. S. teria sido apontado como o autor do disparo que matou o soldado porque sua mãe tem um Opala marrom, modelo com características semelhantes ao utilizado durante a fuga do bando que matou o soldado. "Se tivesse matado alguém, ainda mais um policial, não estaria andando pela rua."

O decorador denuncia ter sido agredido por homens fardados da PM no último dia 19. Seu irmão, C.A.S., 22 anos, foi enterrado nesta sexta no cemitério da Carminha. Tanto o decorador como familiares e moradores acusam a polícia do assassinato. S. teria trocado tiros com a polícia em uma dessas operações na quarta-feira e, depois, sumiu. Quinta, a família encontrou o seu corpo no IML (Instituto Médico-Legal) da cidade. "Não deixaram a gente fazer o reconhecimento. Confirmamos que era ele por uma foto", diz um primo da vítima.

O comando da Polícia Militar nega quase tudo. Diz que as operações no bairro são habituais. No entanto, em nota oficial enviada nesta quinta, a polícia diz ter aberto inquérito policial para investigar as denúncias. Nesta sexta, procurada pelo Diário para rebater as novas acusações, a assessoria de imprensa da PM limitou-se a informar, também por nota, que "a PM trabalha 24 horas por dia para proteger a comunidade do bairro citado pela reportagem. Atividade de policiamento ostensivo que se repete em outras áreas do município".

Nesta sexta, durante o velório de C.A.S, o decorador de gesso e vizinhos da família detalharam a operação da polícia. "Eles chegaram atirando. Eram dois PMs fardados. Depois que acertaram ele (C.A.S.), o arrastaram pelo mato e, lá embaixo (do morro), terminaram de matá-lo", conta o primo da vítima, R.F., 18.

Os parentes dos irmãos negam que eles estejam envolvidos com a morte do soldado. "Estamos desempregados, mas fazemos bico para nosso sustento. Meu irmão (o morto) já foi preso por roubo de carro, mas agora estava sossegado com a família", afirma S..

Por conta da seqüência de operações policiais e das supostas ameaças que visariam a vingar a morte do soldado Pauta, a população do Montanhão adotou a lei do silêncio. Havia pouca gente nas ruas desta sexta de manhã, principalmente quando a polícia aparecia. "Ninguém mais sai de casa. Todo mundo está apavorado", conta a estudante C.R.O, 20 anos.

A terceira suposta vítima da PM, que teria sido baleada na quarta-feira, continua internada em um hospital de São Bernardo. Nesta sexta, a casa da família permaneceu fechada.




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