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E novamente é verão
Do Diário do Grande ABC
28/12/2017 | 07:00
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Novamente é verão e o sol deixa repletos de vigor os corações que, até outro dia, andavam enfastiados com o mal tempo da desesperança. É fim de ano, época boa em que as pessoas celebram uma nova etapa que aqui, nestas paragens, é marcada pela presença do calor. Por mais que nos toque os ombros a ideia preconcebida do glamour que só a neve importada do hemisfério norte é capaz de produzir, é o clima quente que nos aconchega desde tenra idade, clima que no decorrer de nossas vidas torna-se o retrato das festas de encerramento de um ciclo e prenúncio de outro, aqui em solo Tupinambá. Aprendemos, por meio da imagem sub-liminar, que luvas e casacos são chiques e devem representar Natal e Ano Novo. Até algodão sempre fingiu ser neve nos pinheiros das casas tropicais de outrora. Mas é a camiseta cavada, símbolo dos nossos festejos, que acabou por inaugurar uma nova fase em que estão em moda as árvores prateadas, douradas, quentes.

E é neste momento de introspecção e paz, inspirados no descanso que o barulho do mar proporciona, é que penso no paradoxo que sempre trouxe e, mais do que nunca, continua a trazer esta época, chamada de época de paz. Enquanto a brisa marinha, de mansinho, acaricia-me o rosto já um pouco marcado pelos dissabores da vida, questiono sem dó tanta celebração. Apesar de que gosto dela e, de alguma forma, tento me esquivar do pensamento mal que me cospe na cara a realidade dos fatos engendrados pelas mentes sórdidas que no momento de confraternização por certo que estão a arquitetar planos para ceifar a vida, para tomar posse do objeto alheio, para escravizar, para fazer do poder o deus onipotente capaz de suprir de domínio toda a sua existência. E sorriem um sorriso banguelo, silhueta bem própria do rosto hipócrita.

Mas quanta revolta paira no peito deste cronista! – se admira e talvez se sensibilize o leitor, cujo sentimento, é possível que esteja assim, repleto do mesmo peso. Acho mesmo que compartilhamos deste desânimo oriundo da consciência de que estamos numa canoa furada e quem está no comando dela, tanto aqui como acolá, são criaturas abomináveis destituídas da consciência de que, ao afundá-la, todos morreremos. E o poder, a grana farta, a arrogância, a empáfia e a ideia tresloucada de imortalidade, perecerão conosco.

Faz calor e isso, de alguma forma, acalma o meu espírito que ordena agora que eu não folheie as páginas de jornal qualquer. Certamente que isso botaria a nocaute todo o meu afã de iniciar um novo ano com o pé direito. Chateia, pois, imaginar que o ser humano que promove as festas é o mesmo que, destituído de um grama de sabedoria, conspira contra o seu semelhante, antes, durante e depois dos festejos. É a sua cara, afinal. A cara da pobreza.

Sabe, caríssimo, dia destes eu lia algo a respeito da expulsão de embaixadores que o Maduro não deseja mais por perto. Li alguns detalhes e depois me pus a apreciar os comentários abaixo da matéria. Talvez eu não tenha mesmo o hábito de ler esses trechos do noticiário, por imaginar o grau de sofisticação das mentes que se põem a redigir opiniões a respeito. Dito e feito: fui tomado de um desânimo letárgico justamente por saber que partirá das mãos de pessoas como aquelas o voto que elegerá as mesmas cabeças não pensantes que não tomarão o poder, simplesmente porque nunca chegarão a largá-lo.


Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André.
É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com
E-mail para esta coluna: sourodolfosou@gmail.com 




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