Lei do Audiovisual, criada em 1993, é o principal combustível das produções nacionais
Em 2017 a Cultura como um todo lutou para manter seu espaço em meio às políticas públicas. Muitas vezes julgada como algo supérfluo e não essencial na formação dos cidadãos, foi posta de lada e deixada para segundo plano. E o cinema nacional por muito pouco, quase sofreu o mesmo destino. Em agosto, o presidente Michel Temer vetou a prorrogação de incentivos previstos na Lei do Audiovisual, derrubado em novembro pelo Congresso. Segundo especialistas, se o veto se mantivesse, o cinema brasileiro agonizaria até a morte. Mas do que se trata esta lei?
Criada em 1993, após o então presidente Fernando Collor de Mello extinguir a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes), que até então centralizava a atividade nas políticas públicas e incentivava as produções audiovisuais nacionais, a Lei 8.685 chegou como um novo fôlego. Desde então funciona como mecanismo de apoio indireto a projetos audiovisuais, porque se dá por meio de incentivo fiscal, ou seja, permite que empresas e até mesmo pessoas físicas direcionem recursos para projetos aprovados pela Ancine (Agência Nacional de Cinema) e tenham abatimento ou isenção de tributos.
“A cada R$ 1 o investidor abate R$ 1,25 do imposto de renda. É vantajoso. E ele ainda se torna cotista do filme, logo tudo o que gerar de lucro tem direito. É investimento com retorno garantido”, explica Flávio Nogueira, agente autorizado da Ancine que atua no mercado audiovisual há 16 anos. Porém mais importante do que os benefícios fiscais para quem resolve investir capital em produções nacionais, é a lei que faz com que o cinema brasileiro ande para frente. “Sem ela não conseguiríamos tocar o cinema. Não é uma arte barata. Precisa de muita gente, de muitos equipamentos, distribuição, e tudo isso é colocado dentro da lei. Não é só o Brasil que tem incentivo, mas aqui a gente depende muito dela para alinhar tudo isso”, explica Diaulas Ullysses, coordenador do Cine Eldorado, de Diadema.
Apesar do impacto econômico, motivo pelo qual Temer justificou o veto, é preciso levar em conta o que ela traz de benefícios. De acordo com a Ancine, só em 2016 o cinema brasileiro atingiu a marca de R$ 30,4 milhões de bilheteria, sendo o melhor resultado desde 1984. Além disso, o número de espectadores vêm crescendo ano após ano, chegando a 16,5% de participação no ano passado, contra 13% em 2015.
Isso se deve porque a captação de recursos tem garantido melhores produções nacionais e, consequentemente, atraído maior público. Ao todo foram 143 longas-metragens brasileiros lançados no ano passado. Destes, 23 tiveram mais de 100 mil espectadores. Embora a prorrogação tenha sido aprovada, vale ressaltar que ela só vale até 2019. “Tirar esta lei é como tirar o ar dos pulmões do cinema brasileiro. Não temos financiadores que apostariam na indústria. É impossível olhar para os próximos 20 anos sem essa lei”, acrescenta Nogueira.
LEI ROUANET
Não é só a Lei do Audiovisual que fomenta a Cultura no Brasil. Em vigor desde 1991, a Lei Rouanet, criada pelo então Ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet, facilita o acesso à arte também por meio de incentivos fiscais. Empresas ou pessoas físicas podem aplicar parte do imposto de renda devido em projetos e ações culturais. Cerca de 3.000 são apoiados a cada ano por meio dela.
Tem vários filmes brasileiros em cartaz
Em 2016, 143 longas nacionais chegaram aos cinemas. A Ancine ainda não divulgou números de 2017, mas se não passou, certamente não diminuiu. Hoje ao menos nove produções – entre longas e documentários – estão sendo oferecidas como opções. Dessas, quatro fazem parte da lista de filmes exibidos no Grande ABC.
Com o maior número de salas está Fala Sério, Mãe!, adaptação do livro homônimo de Thalita Rebouças. Trata-se de história bem-humorada da relação de convivência entre mãe (Ingrid Guimarães) e filha (Larissa Manoela). A comédia Os Parças, com Tom Cavalcante, Whindersson Nunes e Tirulipa, pode ser vista em oito cinemas daqui. Estão disponíveis ainda os filmes Altas Expectativas e Gosto se Discute.
Em São Paulo, estão em cartaz produções como Gabriel e a Montanha e a coprodução brasileira On Yoga. Quem gosta de documentários tem a opção de ver o político No Intenso Agora, Cora Coralina – Todas as Vidas, sobre escritora brasileira, e Coragem!, que relembra a vida do cardeal Paulo Evaristo Arns.
Obras do País também estão em festival de cinema de Berlim
Há pouco mais de um mês do início de novo Festival Internacional de Cinema de Berlim, que acontece entre 15 e 25 de fevereiro, o Brasil tem lugar de destaque na mostra Panorama sob o tema Desobediência. Entre os 11 primeiros filmes selecionados para a 68ª edição, estão um alemão em coprodução com o Brasil e França, além de dois brasileiros.
A cantora transsexual Linn da Quebrada, 27 anos, é a estrela de Bixa Travesty, produção de Kiko Goifman e Cláudia Priscila (a dupla também assina o documentário Olhe Pra Mim de Novo, de 2012). A proposta é abordar a política do corpo e ainda propor mergulho na cena musical produzida por artistas trans na cidade de São Paulo.
Já o documentário alemão Aeroporto Central de Tempelhof, ainda em realização, é dirigido pelo cineasta brasileiro Karim Ainouz (de origem argelina) – que já participou da mostra com o longa Praia do Futuro – e exibe o cotidiano de refugiados sírios e iraquianos recebidos pela Alemanha, vivendo nos hangares abandonados do antigo aeroporto de Tempelhof. O lugar onde esses refugiados esperam ter encontrado a segurança é, atualmente, um parque de recreação.
Por fim, o Ex-Pajé (ou Ex-Xamã), de Luiz Bolognesi (Uma História de Amor e Fúria de 2013), mostra a iminência do etnocídio de um indígena vivendo na bacia amazônica. É a história de Perpera, um índio Paiter Suruí que viveu até os 20 anos num grupo isolado na floresta, e que acaba retornando aos espíritos que havia abandonado para tentar preservar sua identidade cultural.
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