A chegada apressada ao local da entrevista, bem no ritmo paulistano, não fazia jus ao compasso do entrevistado. Em 1968, quando Oida conheceu Brook na montagem de A Tempestade, nenhum outro ator do elenco conseguiu surpreender o diretor após o pedido de imitar elementos como água e fogo. Enquanto todos ficavam se contorcendo estranhamente, o pequeno ator japonês sentou-se e permaneceu imóvel na posição de Buda. Nos anos que se seguiram, Oida brilhou e rebrilhou ano após ano, desde o clássico Mahabharata, que retratava uma guerra épica entre duas famílias indianas, até Interrogações, que desembarcou em São Paulo em 1999, sua primeira vinda ao Brasil. Para ele, o amigo Peter é a união de uma busca em comum, construída através dos tempos. "Fazer teatro com ele é tentar buscar o mistério, a beleza e, por vezes, a violência. Quando começamos a trabalhar juntos, o desejo era criar e não só imitar algo."
A segunda visita foi na direção de As Criadas, em 2001, estrelada pelo coreógrafo carioca Ismael Ivo e com o bailarino africano Koffi Kôkô, na época em que o autor Jean Genet exigia em sua dramaturgia que o elenco deveria ser masculino. "Os artistas do Brasil têm uma energia muito interessante. O Ismael é um desses, ele é muito esperto e inteligente", conta. Esse conflito de classe deflagrado pelo autor francês na peça aponta, de alguma maneira, para o desarranjo macrossocial anunciado nos poemas antibélicos de Wilfred Owen, que morreu em ação na Primeira Guerra Mundial. A obra foi transformada na ópera War Réquiem, que Oida estreou na França este ano. O país, devastado por mais de 14 atentados que deixaram mais de 200 mortos, desde 2015, assusta quem precisa encarar a rotina sem a poesia como ofício. Aprumado no sofá, o morador da capital francesa toma um período de silêncio e reflete que é a urgência da vida que impõe sua realidade capaz de abocanhar o prazer de viver. Mesmo assim, existe um espaço, íntimo, seja você artista ou não, em que é possível proteger-se de uma extinção da sensibilidade. "A paz é altamente utópica. As guerras servem e serviram para muitos interesses. Desde os macacos, que resolviam seus conflitos em lutas, até nós, os seres humanos, a guerra sempre foi um tipo de negociação pela força. Isso não significa que devemos aceitar o mal, mas tentar encontrar uma pequena paz dentro de nós. A arte não deveria ser, necessariamente, algo político, assim como não deveria ser apenas um show, ou evento, mas uma busca para reconhecer o mistério. E o artista também deve descobrir sua pequena paz, escondida dentro de si."
Essa fluência subjetiva não está presente no pai de A Canção da Terra. Num jardim japonês, o homem retorna da montanha em que estava confinado, para a família, após a morte da filha. Aqui, Oida se apropria da melancolia de Mahler para retomar um questionamento existencial tendo a natureza no horizonte. Mais uma vez, ele declara estar encantado com os artistas brasileiros, entre eles músicos de origem japonesa do Instituto Fukuda.
Por fim, quando questionado sobre um hábito ou ritual diário que faça Yoshi Oida ser quem ele é, o ator, mais uma vez, recorre a alguns segundos de silêncio antes de responder. "Quando acordo, preparo um chá, verde, seguro a xícara com as duas mãos, sinto o calor, o aroma e em seguida provo e percebo seu sabor. Começo o dia ativando meus cinco sentidos. Meu corpo é meu amigo, então preciso alimentá-lo bem."
A CANÇÃO DA TERRA
Sesc Pinheiros. R. Paes Leme, 195; 3095-9400. sáb. (16), 19h, 20h e 21h; dom. (17), 18h; dias 5, 6, 12, 13 e 14/1, 21h; dia 7, 18h. Estreia 16/1. Até 14/1. R$ 60 / R$ 30
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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