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Nos palcos, a resistência
Natane Tamasauskas
Do Diário do Grande ABC
25/05/2008 | 07:02
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Em 1968, a repressão alimentou-se não só da música e do cinema. Foi também nos tablados brasileiros que a censura depositou boa parte de seus esforços, tornando esse fatídico ano como um dos mais trágicos da história do teatro no Brasil.

Assim como outras manifestações culturais, o teatro crescia aos poucos, as experimentações aconteciam gradativamente. Lá fora, o boom psicodélico dava frutos que se tornariam marcos: em abril, a cidade de Nova York, nos Estados Unidos, foi sede do musical Hair. Um manifesto-símbolo contra a Guerra do Vietnã, o espetáculo conclamava o uso de drogas alucinógenas e a total liberdade sexual.

Aqui, destacavam-se os trabalhos dos grupos Oficina, criado em 1958 e liderado por José Celso Martinez Corrêa, e Arena, nascido ainda antes, em 1950, e que tinha como cabeça Augusto Boal - os dois seriam exilados anos mais tarde.

Desde a criação, ambas as companhias dedicavam-se a criar uma nova dramaturgia, originalmente brasileira. Inicialmente inspirados pelo teatro político de Brecht, levaram aos palcos montagens de sucesso e solidificaram seus nomes na cena artística da época.

A partir de 1964, não só estes, mas outros grupos menores passaram a receber ameaças da censura. Em 1965, o governo do Rio proibiu o primeiro texto completo, O Vigário, de Rolf Hochhuth, e impediu a apresentação da primeira montagem prestes a entrar em cartaz. O texto era O Berço do Herói, de Dias Gomes.

A partir daí, os ânimos apenas ficariam mais quentes. Em 1967, as letras de Oswald de Andrade pareciam encaixar-se perfeitamente com as idéias da jovem classe teatral. Foi neste ano que, antes mesmo de levar à cena, o grupo Oficina nomeou O Rei da Vela, de Oswald, seu espetáculo-manifesto. O resultado não poderia ser outro: arrancou aplausos de maioria da crítica e deixou perplexa e abalada a tradicional burguesia paulistana. A censura apenas ameaçou encerrar a temporada, mas nada fez. Ela ainda mostraria suas garras no ano seguinte.

Em fevereiro, a ‘tesoura' chegou à adaptação de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennesse Williams. Além da proibição, o governo federal impôs à atriz Maria Fernanda e ao produtor Oscar Aripe uma suspensão de 30 dias. Como protesto, os teatros do Rio e de São Paulo declaram-se em greve e organizam mobilizações lideradas por nomes como Cacilda Becker, Glauce Rocha, Tônia Carrero, Ruth Escobar e Walmor Chagas.

A tensão atingiu o ápice em julho, durante uma das apresentações do espetáculo Roda Viva, escrito por Chico Buarque, e encenado no teatro Galpão, em São Paulo. Ao término de uma das sessões, um grupo CCC (Comando de Caça aos Comunistas) destruiu cenário, equipamentos técnicos, espancou e despiu parte do elenco. O ator Rodrigo Santiago e a atriz Marília Pêra foram obrigados, ainda nus, a saírem do teatro e exibirem-se na rua.

Meses depois, resistindo às ameaças, com a mesma peça em cartaz no Rio Grande do Sul, os atores voltaram a sofrer agressões físicas.

O exemplo não afastou as companhias do tablado. Ao contrário: os artistas passaram a criar mecanismos de defesa contra possíveis ataques. O pessoal do Oficina inventou uma grade de madeira ocupando todo o palco, que os cercava ao final do espetáculo. Sob a alegação de que fazia parte do cenário, eles teriam tempo para fugir, em caso de alguma agressão.

Sofreram ainda atentados, o teatro Maison de France, no Rio, onde era representado O Burguês Fidalgo, de Molière, o teatro Opinião e o teatro Glauco Gil, com Os Inconfidentes em cartaz.

Sem perdão - Entre os grupos que figuravam na cena da época estava também o TBC (Teatro Brasileiro da Comédia), criado em 1949.

Em franca expansão durante a década de 1950 e começo de 1960, o público do teatro brasileiro adotou o estilo da companhia. Chamada de ‘teatro burguês' por grupos mais jovens, o TBC não ostentava o caráter agressivo do Oficina ou Arena - surgido anos antes dentro do próprio TBC -, mas também sofreu com cortes impostos pela repressão política.

Mesmo resistindo à enxurrada de agressões, os palcos foram perdendo, aos poucos, o confiança do público. A classe média afastou-se de vez do teatro, influenciada pelas intensas campanhas do governo, que o fez parecer um antro de perversões, violência e subversão.




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