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Em busca de oportunidades, nordestinos fixam morada na região
Matheus Angioleto
especial para o Diário
07/10/2017 | 19:29
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Nario Barbosa


“Viemos em um ônibus e ficamos três dias seguidos sacolejando em meio ao barulho e calor. Minha mãe disse que a gente ia plantar nossa raiz”, destaca a pernambucana Gericleide Cordeiro de Lima, 44 anos, sobre sua chegada a São Bernardo junto da mãe e de duas irmãs, há 34 anos. Assim como a maior parte dos 423 mil nordestinos que escolheram o Grande ABC para viver – o equivalente a 16,6% dos moradores das sete cidades conforme o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – a família da hoje são-bernardense de coração deixou a cidade pequena de Pesqueira, longe 215 quilômetros de Recife, em Pernambuco, em busca de oportunidades.

Apaixonada pela cultura nordestina, cujo dia nacional é comemorado hoje, Gericleide fincou raízes na região. Não concluiu os estudos, abandonados ainda no primeiro ciclo do Ensino Fundamental (5º ano), mas casou-se com um cearense, teve filhos, prosperou financeiramente. Fez do seu negócio oportunidade de não deixar para trás, junto de parte da família que permanece em terras pernambucanas, os costumes adquiridos na sua terra natal. Ao lado do marido, ela mantém a Casa do Norte Várzea Alegre, no Centro de São Bernardo. O nome do espaço homenageia a cidade natal do companheiro de jornada.

Para a comerciante, a loja é importante para a população nordestina instalada na região, já que proporciona, em meio às gomas de tapioca, queijo coalho, rapadura e jabá, o resgate e a manutenção de legado de gerações de famílias nordestinas em território paulista. “Da minha tradição eu não abro mão. Como baião de dois, buchada de bode e sarapatel. Faz muito tempo que eu não danço forró, mas se eu arriscar sai alguma coisa.”

Prova de que Gericleide fez a lição de casa é a paixão que os filhos – Kelly, 18, e Klefferson, 25 – herdaram pela terra de origem da família. Depois de passar 12 dias em Pernambuco, o primogênito desenvolveu a vontade de fazer o caminho contrário dos pais. “Se pudesse moraria no Nordeste. Não tem comparação. Lá você vive. As pessoas são humildes. Também tem a questão da comida. O povo vive de festa. Tem forró o ano inteiro.”

SAUDADES DA BAHIA
O desejo permanente da cozinheira Sheila Nunes Mascarenhas, 28, é retornar para a sua cidade de origem, Conceição do Coité, na Bahia. A moradora da Vila São Pedro, em São Bernardo, junto do marido e do filho de 4 anos, diz que a saudade da família é grande. “Deixei minha mãe, irmãos e meu filho Matheus, 12. Peguei o avião em busca de vida melhor e trabalho como cozinheira em uma escola”, revela.

Embora considere que o Grande ABC ofereça melhores condições de trabalho em relação à sua terra natal, ela acredita que na cidade baiana teria mais privacidade. “Cada dia que passa dá mais saudade. A gente sente isso principalmente quando adoece e não tem ninguém por aqui”, lamenta.

Especialista aponta necessidade de resgate cultural: ‘Hoje há massacre’

A comemoração do Dia do Nordestino tem o intuito de manterem vivas tradições e festas tradicionais da região mais alegre do País. Mais do que valorizar o forró e os pratos típicos, como o baião de dois e a tapioca, hoje já universalizados, a data é oportunidade de se discutir a necessidade de que haja resgate cultural, defende o coordenador da Cátedra Gestão de Cidades da Metodista, Luiz Silvério.

“A crise não fornece condições para quem chega aqui no momento. Se o migrante não encontra local em que possa ser reconhecido, há um choque. Se não houver atrativo forte para vir, ele prefere ficar com a família e com a identidade na terra natal”, diz Silvério.

Ainda segundo o especialista, não há grupos específicos, atividades permanentes ou centros nordestinos na região. “É necessário valorizar a musicalidade desse povo, que é admirável. Há massacre cultural majoritário que valoriza outros ritmos ao invés da cultura regional”, aponta.

Casal de cearenses ‘vira’ são-bernardense

O descontentamento com o salário que ganhava com a exportação de castanha de caju em Fortaleza, no Ceará, no fim da década de 1950, motivou o cearense Paulo Rodrigues Viana, 94 anos, a subir em um avião e desembarcar no aeroporto de Congonhas em busca de opções de emprego. O sonho era se tornar músico, mas foi com o trabalho em escritório que conseguiu iniciar sua vida em São Bernardo.

Ele lembra que conheceu a mulher, Odete Saraiva de Castro Viana, 89, um ano após sua chegada à região. Oriunda de família com 13 irmãos e vinda de fazenda localizada em Canindé, também no Ceará, ela aceitou se mudar para São Bernardo após o casamento, realizado por meio de procuração, tendo em vista que a moça ainda era menor. Com a união nasceram os filhos Dárison, 56, e Darlene, 54.

“Quando cheguei na (Avenida) Caminho do Mar me receberam muito bem. Nada me assusta, porque vou levando a vida. Toda minha trajetória valeu a pena, porque cuidar da minha família foi a coisa mais importante que fiz na vida”, ressalta ela.

Um pouco mais saudoso, Viana se recorda com carinho da vida no Nordeste. “Meu pai tinha uma fábrica de sapatos e minha mãe era do lar. Naquela época era diferente, porque não tinha televisão ou rádio. A distração era cinema, bailes e o Carnaval”, lembra aos risos. Para se distrair, ele deixa aflorar sua veia artística e confecciona miniaturas de casas semelhantes às existentes no local em que cresceu.  




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