Setecidades Titulo São Bernardo
Um bazar que fica na lembrança

Loja no Centro, com 61 anos, faz parte da
história de São Bernardo e da Marechal Deodoro

Wilson Moço
do Diário do Grande ABC
08/10/2017 | 07:07
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Nario Barbosa


Agulhas, alfinetes, botões, zíperes, linhas, rendas, dedais e tudo quanto é material necessário para o corte e costura (os chamados aviamentos), além de bijuterias, enfeites para a casa e presentes variados estiveram sempre ali, juntos e misturados, naquela pequena loja do número 1.071 da Rua Marechal Deodoro, no Centro de São Bernardo. Mais do que comércio, o tradicional Bazar Olga virou ponto de encontro de costureiras, alfaiates e milhares de moradoras e moradores que se sentiam em casa com a recepção e atenção das fundadoras, as irmãs Olga (falecida) e Lídia Lazzuri, e das funcionárias.

São 61 anos de história, 41 deles no atual endereço. Mas a velha, tradicional e movimentada Marechal em breve vai perder mais uma de suas poucas estrelas do comércio de rua que resistem aos novos tempos. Cansada, dona Lídia Lazzuri Giusti, 88 anos, decidiu que é hora de parar, de cuidar um pouco mais da vida e curtir os netos. O dia de baixar as portas ainda não está definido, mas é fato que chegará muito em breve.

“Minha história é de muita luta. Com 16 anos já costurava para fora. Depois, como dona de loja, fui aprender a fazer bijuterias (colares e brincos) para colocar no bazar. Montei milhares de peças durante 20 anos, praticamente só aos domingos, quando o bazar não abria. Nunca viajei, por exemplo”, comenta a simpática senhora, que a princípio não queria falar com a equipe do Diário. “Tenho vergonha”, diz, para depois contar um pouco mais da vida: “Mas isso não é para colocar”. E respondo: “Claro que não vou colocar”. Dona Lídia, então, sapeca: “Chega, não vou mais falar.”

Mas o silêncio não dura muito. Acaba quando comento que grupo de adolescentes que cursavam o então Colégio (hoje, Ensino Médio) na EE João Ramalho, em meados dos anos 1970, enforcava as duas últimas aulas da tarde para descer até o Conjunto Anchieta, na região do Paço, para jogar fliperama ou comer um X-bacon na lanchonete do Bigode (nome em alusão ao dono, um chinês com um bigodão daqueles de filme). “Molecada malandra, heim”, comenta, rindo.

E dona Lídia volta a falar da história do Bazar Olga, que teve outros dois endereços antes de aportar de vez na Marechal Deodoro. Mas sempre por ali, na região central, no entorno da Igreja Matriz. Lembra do tempo em que morava na Vila Duzzi e tinha de usar ponte ou pinguela para cruzar o Ribeirão dos Meninos (já se chamou dos Couros), que hoje está escondido embaixo da Avenida Faria Lima: “Córrego nada. Aquilo era um rio, e a gente lavava roupa nele. Mas nadar, nunca nadamos.”

“Agora chega mesmo. Você fica me enrolando para eu falar”. Mas como o trajeto entre a escola João Ramalho e o Conjunto Anchieta é longo, aponto alguns pontos conhecidos onde os estudantes passavam, e às vezes paravam para olhar as vitrines, como na loja de material esportivo Cassetari, comer na Pastelaria ABC (hoje é uma loja) ou a melhor pipoca com queijo provolone da cidade, na esquina da Marechal com a Prestes Maia, onde na época havia uma agência da caderneta de poupança Delfim. “Caramba, você lembra de tudo isso?”

ABENÇOADA
Dona Lídia sai e pede a uma vendedora que pegue algumas bijuterias para mostrar à equipe do Diário, conta como ela mesma assumiu a produção dos suportes para expor as peças nas vitrines, do apoio que recebeu de fornecedores e da fidelidade de clientes. “Fui muito abençoada e só tenho a agradecer. Aqui sempre foi mais uma casa do que um comércio. Eu e minhas meninas (as funcionárias) formamos uma família”. E foram muitas as meninas que passaram pelo Bazar Olga, tantas que dona Lídia nem faz ideia de quantas. “Eu e minha irmã sempre ensinamos a elas o ofício de vender, porque normalmente era o primeiro emprego. Como não podíamos pagar bem, sempre ajudávamos para que encontrassem algo melhor para fazer carreira. Mas todas eram registradas em carteira. A maioria ficou como filha e até hoje muitas aparecem por aqui. Antes vinham com filhos. Hoje trazem netos.”

Certamente algumas dessas meninas eram funcionárias em meados dos anos 1970, quando aqueles garotos enforcavam as duas últimas aulas para descer a Marechal sem a pressa das pessoas que hoje circulam pela principal rua comercial de São Bernardo, na época chamada pelos jovens de Bernô City, que até virou nome de lanchonete e choperia na Lucas Nogueira Garcez. Comento com dona Lídia que aqueles garotos passavam bem devagar na frente da loja. Às vezes até paravam e, disfarçadamente, olhavam as belas meninas que ali trabalhavam. “Do jeito que lembra e fala, acho que era um deles. Danadinho”, diz, com jeito de mãe.

Dona Lídia se levanta do banquinho e se dirige para a parte da frente da loja. Sinal de que a conversa acabou. É hora de cuidar do caixa, receber as freguesas com toda a atenção, sugerir, coordenar as meninas. Enfim, cuidar com o carinho de sempre do bazar que faz parte da história de São Bernardo, da Marechal e da vida de costureiras, alfaiates, alunos do João Ramalho e de milhares de moradores e moradoras. “Eu queria tanto que minha irmã ainda estivesse aqui”, discorre dona Lídia, a senhora dos botões, alfinetes, agulhas... O Bazar Olga ainda está ali no número 1.071. A luz dessa estrela do comércio está se apagando. Não se sabe ao certo quando apagará de vez. Mas é fato que em breve será apenas lembrança.

Clientes e funcionárias lamentam

“Moradores de São Bernardo estão tristes com a notícia de que o bazar vai fechar”. Assim Maria das Graças Bram, cliente há 50 anos, resumiu o sentimento que envolve gerações de consumidores da loja, que fez história na Rua Marechal Deodoro.

Aliás, as quatro funcionárias que acompanham dona Lídia no momento também construíram uma história no Bazar Olga, onde passaram boa parte da vida. A mais antiga colaboradora em atividade e braço direito da proprietária é Maria Aparecida Milano, funcionária que está na casa há 28 anos e conhece clientes assíduos pelo nome.

“Fico triste, mas tenho certeza de que vou estar sempre com a dona Lídia. Não vou perder o contato com quem foi uma mãe para mim”, diz, em frase que resume o sentimento das colegas Antonia Lúcia Gomes de Souza (12 anos de casa), Maria Dalva Vieira (11) e Márcia Regina Angioletto (11), que começou no bazar aos 14 anos, saiu aos 24 para casar e voltou recentemente. “Comecei aqui e agora vou ver fechar. É muito triste.” 




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