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Ruth Escobar deixa um vazio, mas seu legado para sempre vai ecoar

Atriz e produtora, que sofria de Alzheimer, morreu
na tarde de ontem aos 81 anos, informou a Apetesp

Por Marcela Munhoz
06/10/2017 | 07:00
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ABr


Antígona lutou para conseguir enterro digno ao irmão. Foi valente, bateu de frente com as ordens impostas pelo rei Creonte. A personagem é a protagonista de peça do grego Sófocles, mas, na visão de Sérgio Mamberti, poderia ser mais um sobrenome de Maria Ruth dos Santos Escobar. Segundo o ator, a amiga de cinco décadas – que morreu ontem aos 82 anos por complicações do mal de Alzheimer – era a personificação da jovem, a qual interpretou ao seu lado em Antígone América, em 1962. “Ruth era a que não se conformava, a lutadora, a justiceira. Era polêmica, mas teve papel fundamental na Cultura brasileira. É um pedaço da vida da gente que se vai”, diz Mamberti ao Diário, emocionado.

Realmente a atriz luso-brasileira, produtora de teatro mudou a cara – com coragem, diga-se – do teatro. Decidiu apresentar seus projetos, com o dramaturgo e marido Carlos Henrique Escobar, em seu próprio palco. Assim, em 1964 nascia o Teatro Ruth Escobar (Rua dos Ingleses, em São Paulo). Ela era tão transgressora que planejava produções ora simples, em cima de carretas, ora megalomaníacas, com palcos que subiam e desciam, como em O Balcão (1969), de Jean Genet, e direção de Victor Garcia. Mamberti fazia parte do elenco da peça encenada em edificação com guindastes, gaiolas, grades e elevadores. “Estar lá foi uma das maiores emoções da minha vida. Esse pensar diferente e enfrentamento com o conservadorismo fazem falta em dias como hoje”, analisa o ator.

Suas propostas à frente do tempo incomodavam muita gente, ainda mais na ditadura. Um ano antes de O Balcão, ela viu militares aplaudirem e depois agredirem atores e equipe que trabalhava em Roda Viva, de Chico Buarque. “Naquela noite, ofereci minha casa – que fica ao lado do teatro – para acudir as pessoas. Na verdade, reuniões e assembleias que organizávamos para lutar contra a censura eram lá. Muitas vezes fomos juntos tentar tirar pessoas presas pela ditadura”, lembra Mamberti. A Revista do Henfil (1978) e Fábrica de Chocolate (1979) também tiveram essa temática.

“Até quando vamos continuar enterrando nossos mortos em silêncio?”. A frase dita com força e emoção no momento do enterro do jornalista Vladimir Herzog, vítima da ditadura em 1975, foi de Ruth Escobar, que se destacou internacionalmente ao produzir grandes festivais de teatro em São Paulo, o primeiro, há 43 anos. A mãe de cinco filhos e amiga de Sérgio também defendia o espaço da mulher na sociedade, causa que conseguiu cuidar mais de perto quando foi, por duas vezes, deputada estadual nos anos 1980. Teve a chance de participar do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.

“Muitas vezes nos desencontramos politicamente, mas sempre caminhamos juntos. Criei boa e sincera relação com Ruth, com sua família. Visitei-a algumas vezes nos últimos anos e, na primeira, acredito que tenha me reconhecido. Ficamos de mãos dadas por um tempo e ela me apertava quando perguntava se sabia quem eu era”, lembra Mamberti, que ao falar com o Diário já estava se preparando para se despedir no velório da amiga, ali, no Teatro Ruth Escobar, ao lado da sua casa. “Certamente vou testemunhar muitas merecidas homenagens. O País e o teatro devem isso à ela.”

OPINIÃO DE QUEM MORA NA REGIÃO

"Penso que Ruth, além de ser uma das maiores atrizes brasileiras, foi pioneira na questão da produção. Foi grande produtora cultural quando percebeu que ser uma grande atriz ainda não viabilizava a realização dos sonhos que todo artista tem. A importância de perceber que aprender a produzir sua vontades é algo fundamental", Erike Busoni, ator e diretor de teatro de São Caetano

"Tenho pouco para dizer sobre Ruth Escobar e muito para agradecer. É fácil falar mal das bagunças administrativas, de problemas com dinheiro, de tudo isso que é pequeno diante do que ela fez. Diante do que ela foi. São Paulo não estaria no mapa do teatro do mundo se não fosse ela. Tenho ORGULHO de fazer teatro e ela foi um exemplo disso", Ronaldo Ventura, ator e diretor de teatro de São Bernardo

"Há muito tempo, quando comecei na carreira, ouvi falar sobre um teatro, cujo nome era Ruth Escobar. Geralmente são homenagens a personalidades falecidas ou nomes de alguma empresa. Mas quando descobri que ela estava viva e em plena atividade fui procurar saber quem era e digo uma coisa: mexeu aqui dentro viu. Ela fez muito para os artistas, sabia dialogar com o poder público, convencer o patrocinador a investir em uma ideia sua. Ruth Escobar torna-se exemplo de perseverança, de luta e de respeito pela classe. Que ela possa brilhar com tantas outras estrelas que temos perdido nestes últimos anos", Rafael de Castro, ator e diretor de teatro de Mauá




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