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Em montagem para apenas 15 pessoas, grupo Tapa reinventa 'O Torniquete'
10/07/2017 | 07:30
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A estreia de Seis Personagens à Procura de um Autor deixou tudo de pernas para o ar. Obra-prima de Luigi Pirandello, a peça desafiava as convenções ao alterar radicalmente a relação entre vida e palco. Não somos o que parecemos ser - ou não nos parecemos com o que supomos ser. Assim como na ficção, passamos a vida a representar um papel, ocultando o inconfessável, criando uma superfície boa e virtuosa. O que é aparência e o que é essência?

Quando escreveu O Torniquete, texto que o grupo Tapa apresenta em sua sede, o autor ainda estava distante de tais questões. Nessa, que foi a sua primeira obra montada no teatro, em 1910, Pirandello mergulhou na paisagem regional - a trama se passa em uma propriedade rural da Sicília - e nas características do melodrama italiano.

Buscar peças menos conhecidas de grandes autores é um expediente comum na trajetória do diretor Eduardo Tolentino - não faltam exemplos no percurso dessa companhia, que foi criada no Rio, em 1979, e se transferiu para São Paulo desde 1986. Como se esses textos algo obscuros fossem uma maneira de ver de que maneira grandes temas e personagens da dramaturgia ocidental se formaram, além de auxiliar o público na construção de um repertório.

Por mais revolucionário que seja, um artista é fruto de uma época. E, no início do século 20, a Itália via-se às voltas com o verismo. Grosso modo, uma corrente literária semelhante ao naturalismo, que os franceses experimentaram com Émile Zola e nós com Aluísio Azevedo. Essa ideia de trazer a vida como ela é falava forte ao jovem Pirandello e distingue a primeira fase de seu trabalho. Em O Torniquete, Júlia (Cynthia Hussei) será levada à ruína quando o marido, André (Bruno Barchesi), descobrir seu adultério. Uma Emma Bovary à siciliana, que trai como forma de reagir ao tédio da vida doméstica.

O enredo tem a feição de um melodrama. Mas é preciso reconhecer que - melodramático ou não - Pirandello já era Pirandello. A mulher crê que sua aparência de normalidade pode dissipar as desconfianças do marido. O marido finge ignorância, mas cria um jogo de palavras dúbias e alusões que confunde a mulher e o espectador - saberá ele a verdade ou não?

A verdade é a questão crucial para o escritor, vencedor do Nobel de literatura, em 1934. Pirandello persegue uma resposta entre a existência e a aparência, entre a pessoa e a personagem, entre a vida e a forma. Júlia trai o marido, a quem amava, e que se dedicou para lhe oferecer uma vida de conforto e riqueza. Ele, sufocado pela dor, tortura a mulher até o limite. Vista no contexto atual, a violência de gênero salta aos olhos. Mas não resume a obra. Ainda que tensa e cheia de reviravoltas, a dramaturgia reserva espaço para matizes no desenho dessas personagens. Aqui, não há vilões e heróis.

Em sua encenação, Eduardo Tolentino busca um espaço fora dos moldes tradicionais e uma relação renovada com o público. São apenas 15 pessoas por sessão. Não há bilheteria e os ingressos precisam ser reservados por WhatsApp. Antes que o elenco surja, o diretor pincela alguns aspectos da obra e da época em que foi escrita. Após o término da ação, em um bar improvisado, ele se propõe a discutir o que foi visto. Tudo muito simples, mas capaz de mudar o espírito da plateia e sua relação com o espetáculo.

O cenário é o pátio de uma casa, cujo interior observamos através de três janelas. Toda a ação se passa a poucos metros - às vezes, centímetros - de quem assiste. Uma revitalização - ou radicalização - do teatro íntimo pensado por August Strindberg no princípio do século 20.

As interpretações do afinado e inspirado elenco de O Torniquete engrandecem a proposta. A ideia de representação tradicional não foi rompida, estamos ainda no território do realismo. Mas o lugar do espectador, sua proximidade absoluta da cena, impede qualquer efeito ilusionista. O que grupo Tapa propõe é um novo velho drama: uma peça para quem gosta de histórias, para quem gosta de atores, para quem gosta de teatro.

O TORNIQUETE

Galpão do Tapa. Rua Lopes Chaves, 86, B. Funda. Tel. 3662-1488. 6ª, sáb. e dom., às 20h30. R$ 15.

Reservas apenas pelo WhatsApp: 97622-5684. Até 30/7.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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