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Ações sociais tiram 14 mil da 'linha de risco' no ABC
Cláudia Fernandes
Do Diário do Grande ABC
20/07/2002 | 18:06
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Catorze mil crianças e adolescentes estão inseridos em trabalhos sociais no Grande ABC, em horários alternados ao período escolar. Nestes locais se divertem praticando esportes, brincando, fazendo arte e, sobretudo, exercendo a criatividade e ganhando auto-estima. São garotos pobres que tiveram a sorte de encontrar uma vaga nesses centros – a maioria municipais – e escaparam de ser cooptados para a criminalidade.

Apesar de os municípios não saberem qual o déficit de vagas para o recrutamento de todos, eles têm consciência de que esse número é grande. Sabem que não chegam a atender metade dos garotos sem opção de lazer gratuito. Sabem ainda que acabar com essa carência não significa liquidar por completo os índices de violência entre os jovens, mas representa reduzir radicalmente os altos números que a região acumula. São 343 jovens infratores internados em unidades da Febem na capital e outros 827 cumprindo pena em regime de liberdade assistida.

Há também solução para esses meninos, segundo os profissionais que estudam o assunto e têm contato direto com os adolescentes. De novo, o que se reforça é a recuperação da auto-estima desse jovem em unidades de internação educacional e de acolhimento, e a adoção mais freqüente de regimes semi-abertos. Sempre com olhos voltados para a educação.

O resultado, acreditam os profissionais, será bem-sucedido. Exemplo disso são os baixos índices de reincidência de adolescentes infratores que passaram por medidas socioeducativas de liberdade assistida e serviços à comunidade. Em alguns casos, eles chegam a zero.

Linha de risco - Pelo menos 14 mil crianças e adolescentes da região conseguiram escapar da linha de risco. Linha tênue que os separa da criminalidade dos bairros violentos e periféricos onde moram. Locais onde o acesso à droga é fácil, e a ilusão de sucesso com o tráfico e o universo do crime é comprada por boa parte dos jovens.

São meninos e meninas que as prefeituras da região, aliadas a entidades assistenciais, tiram da total ociosidade e dos perigos das ruas oferecendo atividades de lazer, esporte, cultura e reforço escolar em horário alternado ao da aula, as chamadas atividades complementares à escola.

As 14 mil vagas – e aqui não foram incluídos cursos e oficinas nas áreas de cultura, esporte, lazer e educação, nem os profissionalizantes – estão espalhadas pelos bairros mais pobres das cidades (centros comunitários, salões de sociedades de bairro, igrejas etc.). Mas ainda é muito pouco para a demanda que a região possui.

Só em Santo André, onde são atendidos pouco mais de 3 mil jovens em programas sociais, a diretora do Departamento de Assistência à Criança e ao Adolescente da Prefeitura, Valéria Conelli, acredita que seriam necessárias mais 5 mil vagas nos bolsões de pobreza, com destaque para a Vila Luzita, Cata Preta e Jardim Santo André.

São Bernardo, cidade que mais oferece vagas (5,8 mil) em programas sociais na região, também sofre para atender tantos jovens carentes. As regiões do Montanhão e Alvarenga, verdadeiras cidades que somam cerca de 117,8 mil habitantes (17% de toda a população), são as que mais necessitam desses programas. São dois bolsões que concentram 30,7 mil crianças e adolescentes de 4 a 19 anos. “São duas regiões prioritárias para a Prefeitura. Bairros onde há lista de espera e carência de equipamentos municipais”, explicou a assessora para questões sociais, Marlene Zola, que até 1997 trabalhava na Secretaria Estadual de Bem-Estar Social e foi trazida à cidade pelo prefeito Maurício Soares exatamente para trabalhar nessa área na cidade.

Educadores, assistentes sociais, psicólogos, enfim, todos os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes carentes, cuja diversão não vai muito além de empinar pipa na rua, acreditam que uma das soluções para reduzir os números da violência entre jovens e integrar esses garotos à sociedade seja a oferta de possibilidades. E quando se fala em possibilidades, não significa dizer apenas dar emprego, mas, acima de tudo, recuperar a auto-estima, que muitas vezes não é conseguida junto à família. “O processo nesses trabalhos é mágico. Muda o brilho no olhar, muda a postura da criança e do jovem. O olhar para baixo e a postura caída significam a falta de inclusão social”, observa a diretora de Cultura de Santo André, Marta de Betânia Juliano.

Violência – O Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, órgão de pesquisa ligado à Faap (Fundação Armando Álvarez Penteado), que tem parceria com a Prefeitura de Diadema, é árduo defensor desse tipo de política. Os números de violência analisados pelo instituto comprovam que a criminalidade é cometida em grande parte pelos jovens. Eles são em geral pobres que não tiveram acesso ao estudo de qualidade, à informação e ao lazer, mas, principalmente, que não tiveram a atenção necessária, vacilaram e caíram para o lado errado da linha de risco. Segundo estatísticas do Braudel (entre 1998 e 2000), de 618 homicídios em Diadema, 321 foram cometidos por jovens de 15 a 25 anos, e 500 das vítimas tinham entre 15 e 30 anos.

As outras cidades não possuem essa estatística, mas números nacionais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) comprovam que ela é semelhante em todo o país. A organização fez um mapa da violência e chegou à conclusão que a taxa nacional de vítimas entre jovens de 15 a 24 anos saltou, nos últimos 20 anos, de 30 (1980) para 52,1 (2000) a cada 100 mil habitantes. Prova de que os jovens matam e morrem mais.

Os projetos sociais espalhados pelos bairros perdem a força se não conseguem captar o que a juventude, período da vida em que a pessoa é mais suscetível, está querendo fazer. Por isso nas oficinas culturais os destaques são para o break, e nas esportivas, para o futebol. Já trabalhos feitos por entidades filantrópicas, sem programas claros e sem muitos atrativos, acabam perdendo esses adolescentes para a rua. A distribuição de pãozinho, suficiente para atrair a criança, fracassa como estratégia ao lidar com adolescentes em busca de modelos e valores.

É nessa época também que muitos garotos vão procurar emprego e recebem nãos antes de conseguir uma vaga como ajudante de pedreiro ou algo do gênero. Deixam muitas vezes os estudos, completamente céticos de que possam fazer uma faculdade e ter um destino diferente do que os seus pais tiveram. Vácuo que muitas vezes os programas sociais, culturais e esportivos não conseguem preencher.

“Tínhamos aqui no programa um garoto que dançava muito bem. Ele gostava do que fazia e já tinha chegado no teto do que podíamos oferecer. Resolvemos, então, encaminhá-lo para uma academia particular. Não sei por que ele não gostou, saiu sem dar muitas explicações. Hoje está com 17 anos. Trabalha, engravidou uma adolescente e é pai de família aqui na favela Tamarutaca”, lembra Donato Martins Bandeira, 48 anos, do MDDF (Movimento de Defesa dos Direitos de Moradores de Favela) de Santo André, parceiro da Prefeitura, que atende a duas mil crianças e adolescentes.

Para esse lamento de Donato, os profissionais que, como ele estão em contato direto com os jovens, também dizem não conseguir respostas. É uma frustração que muitos deles sentem na pele sem ter o que fazer, ainda.




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