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Moradores de rua estão jogados à própria sorte

Tema é ignorado em nível regional; apenas Sto.André lançou programa para sem-teto

Por Yara Ferraz
do Diário do Grande ABC
02/04/2017 | 07:00
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Com o início do outono e a queda das temperaturas, homens e mulheres permanecem esquecidos nas ruas da região. Os motivos que os levam a deixar as casas em que viviam para ficar expostos ao relento variam desde brigas familiares até problemas com álcool e drogas. Para piorar a situação, além de eles resistirem em usar serviços disponíveis hoje pelos governos, o tema não é discutido regionalmente. O Consórcio Intermunicipal do Grande ABC admite que o assunto não foi pautado recentemente e também não há mapeamento sobre a questão em nível regional. Algumas cidades, como é o caso de Mauá, nem ao menos têm controle da população de rua.

Atualmente, a estimativa é que 585 pessoas sejam moradoras de rua em três das sete cidades – Santo André, São Bernardo e São Caetano. Mauá informou realizar estudos para mapear a população e as demais cidades não retornaram aos questionamentos do Diário. Para especialistas, este número tende a aumentar por conta da crise econômica e o consequente desemprego.

Neste início de ano, Santo André foi a única cidade até o momento a lançar ações destinadas a esta população com o programa Recomeço. Além de espaço integrado para assistência social, a intenção é oferecer cursos técnicos e vagas de emprego para os sem-teto, em parceria com empresas.

A próxima da lista deve ser São Bernardo. O governo adiantou que elabora plano para reinserção dos moradores de rua e que em breve as informações serão divulgadas. Mauá afirmou que após o mapeamento, sem data para ser apresentado, deve traçar nova política assistencial para atender a população no período de inverno.

Santo André, São Bernardo e Mauá contam com o Centro POP – popularmente conhecido como Casa Amarela e especializado no atendimento aos sem-teto – e o consultório de rua, que leva atendimento médico aos moradores de rua. Em São Caetano há pernoite, banho e alimentação em instituição filantrópica.

Para a professora de Políticas Públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC) Alessandra Teixeira, os serviços precisam ser humanizados. “Historicamente, não é uma abordagem pensando na inclusão do indivíduo. Não há humanização, uma vez que o foco é o espaço, para que se pareça higienizado e propício para os bons negócios públicos.”

O professor de sociologia do Mackenzie João Clemente acredita que as iniciativas são positivas, porém, afirma faltar integração. “A gente não pode pensar em política à população de rua com uma única estratégia. É um conjunto de políticas articuladas, de moradia, trabalho, Saúde, Educação e assistência. Quando uma pessoa vai morar na rua, ela tem violação dos seus direitos e depende de oportunidades.”

Na visão de ambos, a discussão regional seria bem-vinda. “É interessante para trocar experiências. As políticas poderiam ser tratadas em dois níveis: no local, mais na comunidade, e em nível regional. Não temos nenhum dos dois, já que a população de rua não é vista como sujeito de direito, mas como algo que é preciso tirar da frente”, disse Alessandra. “O Consórcio deveria pensar políticas sem fronteiras. A Grande São Paulo, do ponto de vista territorial, transformou-se em uma só”, analisou Clemente.

O Diário foi às ruas conversar com moradores de rua. Em Santo André, Dorival Morgane, 56 anos, recusa-se a passar as noites na Casa Amarela. Ele prefere a companhia de sua pitangueira e dos livros. “Meu preferido é o Dom Quixote. Todo mundo dizia que ele era louco, mas tinha um lado poético”, disse.

Ele cuida da praça onde vive e é católico, garantindo que frequenta as missas todos os dias. A casa dele era no Parque das Nações, onde vivia com a mulher e os oito filhos. Há seis anos, após traição, decidiu ir às ruas. “Não tenho problema com bebida. Passava do ponto, mas sabia a hora de parar. Não gosto de ir à Casa Amarela porque lá é aquele amontoado de gente, e as minhas coisas somem”, explicou.

Valderino José da Silva, 66, prefere as noites frias na região central de Santo André às camas na Casa Amarela. “Não dependo de lá. Prefiro ficar aqui. Entre trancos e barrancos são mais de 20 anos na rua”, disse ele, que veio da Capital.

Tatiane Ramos da Silva, 31, tem quatro filhos e família em Mauá. Porém, também foi parar nas ruas há pelo menos dez. Ela, que circula entre as cidades, afirma que prefere dormir em abrigos. “É difícil ser mulher e morar na rua. Acabo fazendo amizade com as pessoas. Mas já perdi as contas de quando fui maltratada e acordei sem minhas coisas.” 




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