Setecidades Titulo São Bernardo
Famílias do Jd.Falcão sofrem com descaso

19 anos após a expulsão violenta de suas
casas, antiga administração desiste de ação

Yara Ferraz
do Diário do Grande ABC
06/02/2017 | 07:00
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A vida das 580 famílias, antigas moradoras do Jardim Falcão, em São Bernardo, voltou a estaca zero. Após serem retiradas violentamente de suas casas em julho de 1998, a última esperança para a indenização era a ação de desapropriação do terreno proposta pelo município, em 2012. Porém, o governo Luiz Marinho (PT), no apagar das luzes em 9 de dezembro do ano passado, desistiu da mesma.

A antiga gestão planejava transformar o terreno de 118 mil metros quadrados em um parque escola. A saída seria a única forma das famílias, que pagaram pelos espaços, receberem indenização. Isso porque a área é particular e a legislação ambiental poderia travar a venda (mais informações abaixo).

Da janela de sua casa no bairro Alvarenga, Suzana Benites Nogueira, 81 anos, consegue ver o terreno onde morava e foi expulsa, junto com o marido e os três filhos. Após juntarem as economias de uma vida inteira, ela, que trabalhava de auxiliar de limpeza, e o marido, pedreiro, compraram o terreno em 1996, por R$ 7.500. “Foi minha primeira casa própria. Lembro de como me senti feliz naquele momento. Nós fomos construindo aos poucos”, disse.

Daquela época, a única coisa que ela guardou foi uma porta de alumínio. No dia da desapropriação, ela ficou sabendo quando os policiais chegaram. Desde então, dormiu nas ruas, viveu por um tempo de favor e agora recorre ao aluguel.

“Passei muita necessidade, fome e desgosto. Também tive muitos problemas de saúde, passei dois anos na fila do SUS (Sistema Único de Saúde) para operar a minha coluna, que tem três pinos. Mas, não tem um dia que eu fique sem lembrar da desapropriação.”

Atualmente, Suzana vive com uma aposentadoria no valor de um salário mínimo (R$ 937) e tem ajuda de R$ 315 para o auxílio aluguel. Ela paga mensalmente R$ 800 pela casa onde mora. O filho de 42 anos está desempregado e o marido morreu em 2012. “Morreu sem ver a conclusão da ação. Foi câncer no pulmão, mas também desgosto. Desde que a gente foi expulso daquele jeito, ele vivia muito triste. Era o nosso sonho.”

Para tentar resolver o impasse, a Associação em Luta dos Proprietários do Jardim Falcão vai realizar assembleia no próximo domingo, dia 12. Conforme o presidente Francisco Antônio de Souza, 57, o intuito é levar o problema à nova administração.

“Chegamos a convidar o Marcelo Lima (vice-prefeito e secretário de serviços urbanos)para expor a nossa situação. Muitos não tem mais a esperança de que essa ação saia do papel, porque vai fazer 19 anos. Na ação, a Justiça deixou a desejar até o momento, então vamos começar a propor outras soluções”, disse.

Segundo ele, uma delas seria a devolução das áreas para as famílias, que construiriam as casas de acordo com a lei de proteção ambiental. “Precisamos fazer alguma coisa. Afinal, quatro pessoas já morreram sem ver o término dessa situação”, disse ele, que morou por oito meses no Falcão.

O advogado da associação Humberto Rocha, afirma que já se demonstrou contrário a decisão da administração municipal. “Acredito que para eles fazerem algo assim, estavam brincando com o sentimento dessas famílias. Eles pagaram por aqueles terrenos e tem esse direito. Espero que o juiz leve em consideração.”

O processo está atualmente aguardando publicação da decisão supra, ainda sem data para acontecer. Questionada sobre o assunto, a Prefeitura se limitou a responder que aguarda o desfecho do processo que tramita na Justiça.

Desocupação do terreno pela PM foi marcada por violência

Cerca de 1.500 mil pessoas foram retiradas de suas casas à força pela Tropa de Choque em 23 de julho de 1998, durante a administração do, na época tucano, Maurício Soares. O Jardim Falcão, hoje formado por um matagal na Estrada dos Alvarenga, tinha até 380 casas, sendo que todas foram derrubadas na data.

A ação, que empregou 340 policiais, deixou 17 feridos com balas de borracha. Os moradores revidaram as investidas da Polícia Militar com pedras, paus e bombas caseiras.

A desocupação foi determinada em liminar judicial expedida pelo Ministério Público por meio de um processo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente. O terreno foi loteado de maneira irregular. A lei de proteção aos mananciais determinava que o espaço poderia ter 38 lotes, com no mínimo 2,7 mil m², diferente dos 580 com 125 m² mantidos.

Atualmente, com a Lei Específica da Billings, sancionada em 2010, a regularização fundiária de bairros como o Jardim Falcão são previstos. Porém, devem ser respeitados certos limites.

Anteriormente, o lugar abrigava uma granja que pertencia a família Takashima, que vendeu a área para uma associação de bairro, que fez as demarcações de forma ilegal. Em 2012, a família foi condenada por ação civil pública, já que a Justiça reconheceu que atuava em conjunto com grileiros. 




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