Muita gente talvez não tenha se dado conta da influência que os cineastas japoneses exercem sobre seus colegas do Ocidente. Não é ocorrência recente, como pode sugerir a nova filmografia de terror vinda de Hollywood, na qual os autores nipônicos são os crupiês da vez. Produções como O Grito, de Takashi Shimizu, e O Chamado, inspirada na obra de Hideo Nakata, têm, conforme acreditam alguns críticos, reordenado o gênero nos Estados Unidos e conquistado bilheterias nada desprezíveis. Esteticamente, conduzem o horror para uma espécie de neogótico visceral; financeiramente, para uma relação de custos mais baixos e lucros mais altos. Mas não é de hoje que o cinema comercial curva-se à radiação criativa do arquipélago.
Uma influência quase tão devastadora quanto Godzilla – ou Gojira, seu nome original resultante da fusão das palavras japonesas gorila e baleia –, o lagarto verde que destruía prédios feitos de cera e isopor, criado em 1954 pelo produtor Tomoyuki Tanaka. Detectá-la não requer erudição nem pesquisa muito aprofundada.
Star Wars, por exemplo. A saga interminável de George Lucas tem como base a estrutura narrativa das aventuras de samurai, a de um filme em especial: A Fortaleza Escondida (1958), de Akira Kurosawa. A inspiração ficaria ainda mais clara se Lucas tivesse realmente levado a cabo seu desejo de ter Toshiro Mifune, o astro japonês e ator-fetiche de Kurosawa, como intérprete de Obi-Wan Kenobi, no lugar de Alec Guinness.
A propósito, Kurosawa é o mais radiativo dos diretores japoneses. Seu Os Sete Samurais (1954) grudou como chiclete no cinema de ação norte-americano, não só pelo fato de ter sido refilmado por John Sturges em Sete Homens e um Destino (1960) ou John Lasseter em Vida de Inseto (1998). As coordenadas do filme de aventura foram rearranjadas depois da história dos mercenários que ofereciam sua honra e seus sabres para livrar um vilarejo de uma corja de desordeiros.
Kurosawa foi considerado o mais ocidental dos autores nipônicos, sentença que pode pender tanto para o bem (no caso dos ocidentais) quanto para o mal (para os orientais). Sua universalidade contrasta com a obra de Yasujiro Ozu (Bom Dia), por exemplo, que transmitia nos enquadramentos a serenidade e a temperança atribuídas à cultura japonesa. Sua filmografia encontra pontos de contato com a de outro gigante japonês, Kenji Mizoguchi (Contos da Lua Vaga), a não ser pelo fato de este ter um apreço pelo estudo da demolição da família causada pelo apocalipse político e social, e de Ozu restringir-se ao canibalismo moral de sua sociedade. E não esqueçamos de Nagisa Oshima, que ajudou a desavergonhar o cinema com O Império dos Sentidos.
Passaram-se as décadas e ainda assim é possível medir a influência do audiovisual japonês. Takeshi Kitano, autor de Dolls e Zatoichi, trabalha a violência no campo físico e psicológico como poucos, e a emprega para revelar a melancolia crônica do gênero humano. Quem pensou em Quentin Tarantino (Kill Bill) como discípulo declarado de Kitano acertou na mosca.
E não há como ignorar as animações, desde a repercussão de Akira, em 1989, dirigido por Katsuhiro Otomo. As tramas e imagens que tocam o irreal, o hiperbólico e o ilimitado – e portanto reaproximam a animação de sua característica de representação do impossível – tem como artífices os nomes de Hayao Miyazaki (A Viagem de Chihiro, vencedor do Oscar de animação há dois anos), Rintaro (Metrópolis) e Mamoru Oshi (Ghost in the Shell), entre outros. Abra os olhos, porque o cinema japonês foi, é e continuará sendo moda.
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