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'Munique' é a história do terror
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
27/01/2006 | 08:34
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Junte Steven Spielberg, um sujeito que entorta o iluminismo ao sabor das ambições maniqueístas, e Tony Kuschner, um outro sujeito que, por sua vez, quer abraçar o mundo com dois braços de tiranossauro. O primeiro, só não conhece quem nunca pisou numa sala de cinema, templo do entretenimento que o cineasta ajudou a erigir com obras como a trilogia Indiana Jones, ET – O Extra-terrestre, Jurassic Park, A Lista de Schindler e o recente Guerra dos Mundos. O segundo é roteirista, conhecido unicamente pela peça e pela minissérie Angels in America, autópsia política e moral dos anos 80 da qual é autor. O resultado de uma combinação assim é Munique, drama que o diretor entrega apenas sete meses depois de iniciar suas filmagens, logo depois de finalizar Guerra dos Mundos.

Munique é um filme de Spielberg, bem como é um filme de Kuschner. Por mais óbvio que pareça o apontamento, ele faz-se necessário. Infeliz daquele que descredenciar o filme como uma parábola, talvez direta demais, da política externa dos Estados Unidos após o 11 de Setembro e seu conseqüente incremento de apoio às determinações de Israel na administração de conflitos no Oriente Médio. Dois aspectos escancaram-se no filme pronto: a universalidade propalada de Kuschner e a (suposta) coragem do cineasta Steven Spielberg ao botar em linha as perspectivas de judeus e árabes.

Existe uma subjetividade patente em Munique, compreensível a partir da frase mais importante entre todos os diálogos, proferida pela primeira-ministra de Israel Golda Meir (Lynn Cohen): “Toda civilização deve firmar compromissos com seus valores”. Aí é que mora o perigo: essa civilização obedece necessidades históricas, nacionais ou pessoais?

Munique desenrola-se a partir do Setembro Negro, como ficou conhecido o atentado de terroristas palestinos ao alojamento da delegação israelense nas Olimpíadas de 1972, realizada na cidade-título, e que culminou com o assassinato de 11 atletas. Mais que desaprovar, o Estado de Israel pretende retaliação, vingança e prevenção em igual medida. Cinco homens são designados para rastrear e eliminar os mandantes do atentado e, comandados por Avner (Eric Bana), são extra-oficialmente ligados ao Mossad (a polícia secreta de Israel). Na perseguição aos terroristas, o grupo percorre Beirute, Roma, Atenas e Paris.

Spielberg faz de Munique um ramal de Z (1968), de Costa-Gavras; implanta chiados políticos em um thriller, com a típica química entre suspense e espionagem. Narrativa econômica, para que fique em relevo a ousadia do cineasta em posicionar-se sobre um assunto contemporâneo, em determinar seu voto como judeu em meio aos conflitos no Oriente Médio. Aborda perspectivas de árabes e judeus – e foi veementemente criticado por ambos os partidos, cada qual com razões particulares para picharem Munique. Uma ousadia relativa, uma forma até meio demagoga de dizer que o sumo-pontífice de Hollywood também olha pelo retrovisor.

Spielberg estabelece a dúvida como heroísmo. Avner é o único olhar a conter as duas perspectivas que se confrontam (menos no filme que na política) ao questionar as ordens de seus superiores e desconfiar que, mais do que retaliação, o governo israelense pretende uma guerra preventiva. Uma medida que lembra tanto Herodes quanto Bush, tanto passado quanto presente. Quem deve ser soberano: o Estado ou a humanidade? Munique, um filme conciliatório e utopista como o Metrópole (1927) de Fritz Lang e um pedido de paz pela via da intolerância, responde lá do seu jeito. Spielberguiano.

MUNIQUE (Munich, EUA, 2005). Dir.: Steven Spielberg. Com Eric Bana, Mathieu Kassovitz, Daniel Craig, Geoffrey Rush. Estréia hoje no ABC Plaza 5 e 10, Shopping ABC 4, Extra Anchieta 3, Mauá Plaza 4, Central Plaza 1 e 8 e circuito. Duração: 164 minutos. Censura: 18 anos.

 



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