"Ocupar, resistir e produzir!" O grito de ordem, entoado segunda-feira no auditório do Centro Universitário Fundação Santo André, marca a criação do primeiro curso universitário voltado especialmente para gestão de movimentos sociais no Brasil. Os 60 futuros alunos do curso, membros do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), serão capacitados em disciplinas voltadas à administração dos assentamentos. A iniciativa é resultado de convênio da universidade, com o MST e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). As aulas começam em novembro.
O investimento do Incra, por meio do Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), será de R$ 864 mil nos primeiros quatro anos do convênio. A Fundação Santo André aplicará R$ 144 mil. "Temos que reconhecer que o MST é o maior movimento social do país. Isso vem de encontro ao fato de a Fundação Santo André ser uma instituição de ensino superior voltada não só para o mercado de trabalho como também para as necessidades sociais", diz o reitor da Fundação Santo André, Odair Bermelho.
Os futuros bacharéis do curso de Gestão de Organizações Sociais e Cooperativas, vindos de 23 estados, estudarão matérias como Matemática, Estatística, Direito, Inglês, Informática, entre outras. O diferencial é que cada assunto terá como enfoque o trabalho nos assentamentos. "Nas aulas de direito, por exemplo, será ensinado direito agrário. Em sociologia, ensinaremos sociologia rural", ilustra a pró-reitora comunitária da universidade, Angélica Lovatto.
Santo André, onde não há assentamentos do MST, foi escolhida para sediar o curso basicamente pelo interesse da universidade e de seu corpo docente pelo assunto. O coordenador do curso, Paulo Barsotti, conta que ele e outros futuros mestres da turma do MST têm ligação direta com o movimento social. "Como eu e outros professores sempre consideramos que a Fundação tem de estar atenta às demandas sociais, regionais e nacionais, nada mais emblemático do que a gente começar com um curso dessa natureza", analisa o professor.
O MST, que sempre exerceu apelo sobre intelectuais de esquerda, passa agora a criar seus próprios pensadores. No auditório da Fundação Santo André, os alunos, todos com segundo grau completo, começaram a se familiarizar com o ambiente universitário. Jovens de pés descalços e camisetas vermelhas demarcaram o território, despejando no carpete porções de terra e feijões. Sementes que, nós próximos quatro anos, devem brotar em forma de mais organização e produtividade nos assentamentos. É o que espera Marcelo Gabi, 25 anos, assentado na cidade de Viamão, no Rio Grande do Sul. Membro do MST desde os 11 anos de idade, foi ele o escolhido para fazer o curso e reverter o que aprendeu em prol da comunidade.
"Temos várias dificuldades e, com o curso, poderemos melhorar a gestão do assentamento", espera o futuro bacharel. Na opinião do superintendente do Incra, Raimundo Pires Silva, educar é fundamental no processo de reforma agrária. "Reforma agrária não é só terra. É também capacitação. Agora, com este curso, também está sendo feita reforma agrária", diz Silva.
Grade – A capacitação será feita em 120 por ano, em uma grade horária intensiva, com aulas de manhã, tarde e noite. Parte do curso também será ministrada na Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST. Os alunos ficarão hospedados no campus Paranapiacaba da Fundação Santo André. "O formato do curso é o que possibilita que esses jovens tenham acesso ao nível superior", afirma Maria Gorete de Souza, da coordenação do MST e da Escola Florestan Fernandes.
Maria Gorete afirma que o número de profissionais a serem formados ainda é pequeno, mas que faz diferença. Segundo ela, o MST conta hoje com 350 mil famílias assentadas. "É por isso que vamos lutar para que o número de estudantes cresça", garante.
A opinião de que o número de assentados com acesso ao terceiro grau deve aumentar é consenso entre os membros do MST. Marcelo Costa, 24, há três no MST, conta que será o primeiro universitário no assentamento em que vive, na cidade de Escada, em Pernambuco. "Somos trabalhadores rurais. Nossa maior dificuldade é a falta de profissionalização."
O reitor da Fundação Santo André, Odair Bermelho, acredita que a profissionalização dos assentados facilitará a competição dos pequenos com os grandes agricultores. "O que queremos em nosso envolvimento com o MST é que eles possam ter o sustento por meios próprios."
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