As despesas das prefeituras com o cumprimento de ações judiciais na área da Saúde somaram R$ 11,3 milhões de 2008 a 2010 no Grande ABC (veja quadro abaixo). O número não inclui as cidades de Mauá e Rio Grande da Serra, que não forneceram dados. A maior conta fica a cargo de Santo André, onde o gasto corresponde a praticamente metade do valor regional: R$ 6,5 milhões. Apenas em São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Pires tramitaram 606 processos do tipo pelo Judiciário no período. As demais prefeituras não informaram o número total de ações.
Na maioria dos casos, as ações são movidas para aquisição de remédios de alto custo utilizados no tratamento de doenças como diabetes, mal de Alzheimer e câncer.
Os dados regionais acompanham o crescimento no número das decisões judiciais no País. No ano passado, o Ministério da Saúde destinou R$ 132,5 milhões na compra de medicamentos caros, contra R$ 2,4 milhões utilizados em 2005. O boom no número de processos somados nos últimos anos é justificado pelo Judiciário como um benéfico avanço da conscientização popular.
A advogada especialista em processos na área médica Adriana Carneiro, de Santo André, defende que a sociedade reivindique o direito de acesso à Saúde previsto na Constituição. "O fato de os cidadãos saberem que o governo é obrigado a fornecer medicações impulsionou a demanda. Por que é preciso frear esse gasto? É natural o crescimento, e presumo que em dez anos aumente mais." Para a especialista, a constante atualização da lista de medicamentos do SUS (Sistema Único de Saúde) é fundamental para que as despesas tenham redução. Hoje, a população tem acesso gratuito a 560 medicamentos, e a relação é atualizada duas vezes por ano, de acordo com o ministério.
"A população deve exigir esse benefício do governo. As pessoas pagam uma alta carga tributária e começam a buscar seus direitos. Talvez o acesso à informação não seja bem visto pelo governo", reforçou a advogada, especialista em direito à Saúde, Tarsila Campanella, de São Caetano.
NA PONTA
Em Santo André, cidade que teve a maior despesa de determinações judiciais nos últimos três anos, 80% das ações correspondem às concessões de medicamentos de alto custo e 20% representam as ações de pessoas que solicitaram cirurgias e internações. Visando reduzir os gastos, em 2009, a Prefeitura realizou a Operação Pente Fino, que implantou mecanismos de controle para enxugar as liminares judiciais. Na época, a economia foi de R$ 1,3 milhão no ano.
O motivo da ação foi a suspeita de que muitas pessoas não utilizavam mais os medicamentos receitados, mas continuavam a retirá-los.
Aposentado obteve benefício em três meses
Há seis anos, o aposentado Carlos Damião, 59, de Ribeirão Pires, trata de um grave glaucoma que comprometeu sua visão. Com o orçamento familiar de R$ 1.000 para sustentar ele e a mulher, a compra do medicamento para tratar a doença tornou-se inviável.
A família conseguiu custear a compra dos dois colírios até três meses atrás, quando as despesas com outros remédios inviabilizaram a aquisição dos medicamentos. Damião soube através de amigos e da vizinhança que poderia conseguir gratuitamente, a partir de uma ação judicial.
Em fevereiro, o aposentado decidiu consultar um advogado e descobriu que poderia obter o benefício sem precisar desembolsar.
"Não sabia de nada e achei rápido o processo. Acredito que mais pessoas deviam se informar a respeito. Meus remédios acabam em menos de um mês. Não tinha mais condições de comprar e preciso usá-los para sempre."
Se não conseguisse o benefício, o aposentado precisaria desembolsar pelo menos R$ 200 por mês. No dia 3, ele irá retirar os remédios pela primeira vez no AME (Ambulatório Médico de Especialidades) Maria Zélia, na Capital.
ALTERNATIVA
Um convênio entre a Secretarial Estadual da Saúde e a Defensoria Pública de São Bernardo, criado em 2008, oferece uma solução extrajudicial à população da cidade que precisa do auxílio e tem urgência. Com a comprovação de renda de até três salários mínimos, a pessoa pode requerer o benefício e ter aprovação em até sete dias.
A defensoria fica na Avenida Barão de Mauá, 251, na Chácara Inglesa. A expectativa é de que no segundo semestre o serviço também seja disponibilizado aos moradores de Diadema e Santo André. (Maíra Sanches)
S.Bernardo foi a única cidade que registrou queda em ações
A Prefeitura de São Bernardo bancou as despesas de 49 ações judiciais na área da Saúde em 2008, contra 31 em 2009 e 17 em 2010. Foi a única cidade da região que registrou diminuição da despesa nos últimos três anos. Atualmente, a administração cumpre 176 processos.
Segundo o secretário de Saúde, Arthur Chioro, apesar da diminuição no número de ações, os gastos continuaram a subir por conta do cumprimento de liminares antigas. A articulação entre a indústria farmacêutica, o Poder Judiciário e a legislação é tida pelo secretário como decisiva para o ajuste dos gastos nos municípios da região e também na esfera federal.
Segundo ele, existem decisões judiciais que não seguem uma padronização, o que dá brecha para que algumas pessoas consigam, inclusive, cirurgias estéticas por meio do SUS. "O ministério sempre tratou isso de maneira frouxa. O jogo de pressão é muito grande, pois os critérios não são claros. Alguns juízes negam tudo, outros aprovam tudo. Todos têm direito, mas uns precisam mais do que os outros."
NOVA LEI
A inclusão de medicamentos e a incorporação de novos produtos no SUS atenderão a critérios regulamentados pela lei 12.401, sancionada no fim de abril e que entrará em vigor dentro de seis meses.
As novas normas vão permitir a otimização da aplicação dos recursos públicos, permitindo a ampliação do acesso racional de produtos e serviços à população.
A lei estabelece critérios de eficácia e custo-efetividade como condições para a inclusão de novos medicamentos, produtos e procedimentos na lista do SUS. Além disso, fixa o prazo de 180 dias para a conclusão dos processos, com possibilidade de prorrogação por mais 90 dias. (Maíra Sanches)
Ministério defende análise de critério social
Na visão do diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde, José Miguel do Nascimento Júnior, as concessões dos benefícios precisam seguir o bom-senso. A autorização de compras de medicamentos custaram aos cofres federais R$ 132,5 milhões em 2010.
"Estamos interessados no debate sobre o problema porque todos somos vítimas do excesso de processos que entope o Judiciário, o Ministério Público e a defensoria. É importante que os operadores de Direito compreendam a filosofia do SUS (Sistema Único de Saúde) para incorporação de novos remédios."
De acordo com o diretor, o direito dos brasileiros à Saúde existe mediante a análise de políticas econômicas e sociais. "São os protocolos clínicos. Isso o Judiciário nunca respeitou."
Nascimento concorda que o acesso à informação por parte da população tenha contribuído para o aumento da demanda judicial em todo o País. Mas prevê problemas se os gastos continuarem em ascensão. "É uma tendência ao colapso, pois tem um custo econômico alto. É um gasto de baixa qualidade, pois é preciso comprar rapidamente, e às vezes fazer a compra sem a melhor oferta."
No ano passado, a União arcou com 3.400 ações judiciais de pessoas que buscaram por medicamentos de última geração.
Hospital dá curso para orientar juízes
Em abril, o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, iniciou o curso Direito à Saúde Baseada em Evidências, voltado para juízes, promotores, advogados e defensores públicos. O objetivo é oferecer embasamento científico para esses profissionais em virtude do aumento dos processos judiciais na área da Saúde, visível nos orçamentos municipais, estaduais e federal.
No Estado, atualmente 25 mil ações judiciais estão em andamento, o que representa gasto de R$ 57 milhões mensalmente ao governo.
O curso é ministrado à distância, todas as sextas-feiras, durante duas horas. Já possui pelo menos 300 inscritos em todo o País e ainda pode receber novos alunos.
Entre os alvos da iniciativa, a aprovação é imediata. "É importante que quem atue no Judiciário tenha esclarecimento suficiente para lidar com tantos pedidos de fornecimento de remédios", comentou Luciano Negrão Caserta, coordenador da Defensoria Pública Regional do Grande ABC.
A advogada especialista em processos na área médica, Adriana Carneiro, reconhece que os profissionais da área precisam de orientações mais aprofundadas para autorizarem compras tão onerosas.
"O juiz não é um técnico de Saúde e nem vai se sobrepor ao médico que receitou o remédio. É preciso ser mais criterioso para verificar se a documentação comprova a necessidade do uso da medicação. Além disso, e se a pessoa tem uma doença raríssima, ela ficará sem porque a droga não consta na lista do SUS?", indagou a advogada.
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