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Cd: Sinatra e Stan Getz só para amantes
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
30/03/2002 | 15:07
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Amor e romance são palavras que unem dois interessantes relançamentos nacionais. Se os intérpretes e o repertório não são cuidadosamente escolhidos, corre-se o sério risco de embarcar em uma breguice irreversível. Do contrário, eles podem se transformar na trilha sonora ideal quando há refinamento e qualidade artística.

Felizmente, é o caso de Romance (Warner, R$ 36 em média), álbum duplo com 50 canções românticas interpretadas por Frank Sinatra, e do CD Stan Getz for Lovers (Universal, R$ 26 em média). Além do tema, entretanto, a figura do compositor brasileiro Tom Jobim também é comum a Getz e Sinatra. Ambos encontraram nas canções da bossa nova, nos anos 60 e 70, um novo e original universo sonoro. Getz, de seu lado, foi fundo na empreitada bossanovista, gravando CDs essenciais ao lado de João Gilberto, Astrud (mulher de João que depois também foi mulher de Getz) e outros nomes de primeira linha do movimento. Já Sinatra teve apenas um encontro com Tom Jobim, mas esse único meeting rendeu uma das mais belas gravações dos anos 60: Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim.

Grande amor - Em 15 faixas, o CD de Stan Getz reúne gravações de um largo período, entre 1952 e 1968, e mostra com precisão sua sólida formação jazzística e a transição para a bossa nova. Assim, o clássico imortalizado por Coleman Hawkins, Body and Soul, por exemplo, recebe uma leitura densa e original de Getz aos 25 anos, acompanhado pelo piano de Duke Jordan, a guitarra de Jimmy Raney, o contrabaixo de Bill Crow e a bateria de Frank Isola. Percebe-se, na última gravação em data do CD, de 1968, como se transfigurou a linguagem de seu saxofone. Desde o início hard bop ortodoxo, ele não só assimilou a leveza de fraseado e dinâmicas da bossa nova como inaugurou um novo tipo de improviso, com todo o gingado à brasileira, aliado a grande riqueza harmônica. Pode-se conferir isso no registro de 1968 de um clássico norte-americano bastante aparentado à bossa nova: Alfie, de Burt Bacharach. A grande formação inclui nomes como Herbie Hancock ao piano e Ron Carter ao contrabaixo.

A voz - The Voice (A Voz), Blue Eyes (Olhos Azuis) – estes são alguns dos apelidos que o menino Sinatra nascido na pequena Hoboken, de família de imigrantes italianos, recebeu ao longo de sua fantástica carreira de cantor, ator de cinema e entertainer. E chega a ser covardia fazer uma compilação de seus grandes sucessos românticos. Ninguém teve uma articulação e um fraseado tão envolventes; ninguém esbanjou competência no modo único de dizer as letras, interpretá-las de fato; e ninguém conseguiu manter a mesma qualidade artística durante mais de meio século. Desde o início como crooner de Harry James, no finalzinho dos anos 30, com um timbre claro de tenor, até os anos 80, quando o barítono-baixo manteve a dignidade, apesar da inevitável ação corrosiva do tempo.

Ouve-se tudo isso nessa extensa coletânea de 50 canções. O passeio começa com Strangers in the Night, um registro menor, digamos assim, em sua carreira, apenas do sucesso popular acoplado ao filme dos anos 60. Vá direto para a terceira faixa, Let‘s Fall In Love, um clássico em versão irresistível e arranjo emocionante de Johnny Mandel de 1966 (do álbum que é uma jóia, Ring-A-Ding Ding!). E não pule a faixa seguinte, a quarta, assinada por aquele que é o mais refinado arranjador que a música popular norte-americana já teve, Nelson Riddle. Ele dá uma aula de orquestração em I’ve Got a Crush On You (com sua peculiar união de trombones abertos com trompetes em surdina e saxofones).

Sinatra, aliás, teve em Riddle o paradigma de uma legião de notáveis arranjadores que trabalharam com ele ao longo do tempo. Nomes ilustres como Don Costa (que assina uma lenta versão de Night and Day, com direito à famosa introdução da Broadway que as versões mais moderninhas omitem); Neal Hefti (excepcional em I Get a Kick Out Of You); Gordon Jenkins (um especialista em cordas suntuosas que excede na célebre September Song, de Kurt Weill); Billy May (alma gêmea de Riddle, em It Had To Be You); e mesmo Quincy Jones (irretocável em Come Fly With Me).

A parte brasileira, digamos, da antologia, fica a cargo de Eumir Deodato, autor do arranjo de Desafinado, e Claus Ogerman, outra fera em matéria de orquestração, responsável por um ótimo Corcovado ou Quiet Nights of Quiet Stars, na versão de Gene Lees.




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