Doenças ocupacionais, de pele, respiratórias e traumas psicológicos. Esses são os efeitos colaterais do trabalho infantil, um problema que salta aos olhos o tempo todo, seja nos semáforos dos grandes centros urbanos ou nas regiões agrícolas. A questão não é nova, mas só agora os governos e especialistas se debruçam sobre os estragos causados pela ‘vida profissional’ precoce.
Por meio de uma pesquisa, acompanhamento e ações sociais, a OIT (Organização Internacional do Trabalho), Ministério da Saúde, organizações não governamentais e iniciativa privada, querem detectar, prevenir e tratar doenças de ordem ocupacional ou não que se manifestam em crianças ou adolescentes que trabalham.
Segundo estimativa da OIT, há no Brasil cerca de 55 milhões de menores trabalhando. Essa massa de crianças e adolescentes, além de sujeita a acidentes durante as atividades, tem o desenvolvimento prejudicado. É na adolescência que os jovens alcançam 20% do crescimento em altura e 50% da massa óssea adulta.
Pequeno, pouco mais de 1,40m, Wellington (nome fictício), 15 anos, é um exemplo disso. Sentado ao lado de uma banca de camelô, cigarro na mão esquerda, enquanto a outra mão tenta diminuir o peso que o instrumento de trabalho (uma caixa de madeira com cerca de 3Kg) faz sobre o ombro direito. O olhar fixo no chão, procura o próximo cliente: alguém de sapatos, disposto a deixá-lo engraxá-los em troca de R$ 1.
“Se não quiser engraxar, qualquer moedinha me ajuda, tio”, diz o adolescente, que trabalha no Centro de Santo André.
A primeira da iniciativa da força-tarefa para detectar os estragos causados pelo trabalho infantil foi um curso de capacitação realizado em Brasília. Nas aulas, os profissionais de saúde foram orientados para que diagnostiquem determinadas lesões como indícios de exploração de mão-de-obra infantil. Na maior parte dos casos, as vítimas de acidentes de trabalho são atendidas e tratadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) sem que os médicos estabeleçam uma relação com o trabalho. A intenção é aumentar o número de notificações dos casos de trabalho infantil, obrigatórias desde 2004.
“Cheguei a atender crianças com tendinite, mas, na época, não levei em consideração que aquela lesão pudesse ser decorrente do trabalho.
Agora, quero levantar índices de acidentes e doenças ocupacionais em crianças e adolescentes para avaliar a freqüência e a gravidade com que eles se manifestam”, conta a fisioterapeuta Ana Cláudia Martins. Conselheira Tutelar na Zona Leste de São Paulo há 10 anos, ela prepara uma dissertação de mestrado sobre o assunto.
De acordo com a coordenadora clínica do Projeto Quixote, que cuida de crianças de rua na Zona Sul da Capital, Fátima Rigato, o tipo de vida levada pelos pequenos trabalhadores antecipa as doenças de gente grande. “Aos dez, onze anos, eles já bebem, fumam cigarros e têm vida sexual ativa”, revela .
Para o engraxate Wellington, a vida de adulto começou aos 10 anos. Sai de casa às 7h e só volta à noite. Não sabe dizer quantos sapatos engraxa por dia. O pouco que recebe trabalhando, ou ganha pedindo, ajuda a manter a casa onde mora com a mãe e mais três irmãos. O pai foi embora quando ainda era pequeno.
De acordo com o manual da OIT, a atividade de Wellington pode lhe causar sérios danos, por causa do peso da caixa que carrega, pelos movimentos repetitivos e o posicionamento da coluna enquanto engraxa.
Marcos (nome fictício), 17, não tem ofício definido como Wellington. Já fez de tudo. Foi flanelinha, vendeu balas no semáforo e agora ganha a vida fazendo embaixadinhas. O desgaste, no entanto, é o mesmo. Para o professor de Neurologia Infantil da Faculdade de Medicina do ABC, a situação desses jovens é uma aberração. “Pela alimentação, via de regra, inadequada que essas crianças recebem, elas não têm estrutura desenvolvida o suficiente para agüentar um trabalho como esse”. No entanto, os piores estragos, na opinião dele, são psicológicos.
“Fatalmente vão carregar frustrações, auto-estima baixa, marcas muito fortes em uma idade em que se está formando a personalidade.”
A exposição precoce à competição, à briga por espaço para trabalhar e à violência são outras complicações. A droga é o caminho comum para fugir desse estresse .
“Eles são muito ligados à sobrevivência. Para eles, o código de resolução de problemas é a violência. Longe da escola e de atividades educacionais, recreativas, a única coisa lúdica na vida deles é a droga”, explica Fátima Rigato.Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.