Quatro unidades do Grande ABC mantêm
6.940 detentos em área destinada a 2.615
Os quatro CDPs (Centros de Detenção Provisória) do Grande ABC operam com mais do que o dobro da capacidade. São 6.940 detentos divididos em 2.615 vagas, conforme dados da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) do Estado.
A unidade com situação mais crítica é a de São Bernardo, que tem 2.149 presos, ao invés dos 844 previstos na capacidade máxima (veja arte abaixo). Em relação ao ano passado, houve leve melhora nos números: naquela época, os CDPs abrigavam 7.285 pessoas.
A principal lembrança negativa de quem já passou pela unidade é o alto número de pessoas dividindo uma cela: pelo menos 50. Conforme ex-detento de 22 anos que prefere não se identificar, não há camas em quantidade suficiente, o que obriga os homens a confeccionarem redes com retalhos ou se alojarem no chão. “Em uma cela onde cabiam 24 pessoas, eram colocadas 60. Quem estava lá há mais tempo ficava com a cama, então, nós fazíamos algumas redes”, contou o homem, que permaneceu preso por um ano e dois meses.
Atualmente, o ex-detento trabalha no setor de logística de uma empresa de cosméticos e se prepara para ser pai do primeiro filho. “O tempo lá me ensinou bastante. Aquele é um lugar onde você tem de conviver com pessoas que você não gosta. A única certeza é que eu não quero voltar.”
Para outro ex-detento, de 40 anos, os 21 dias que passou na mesma unidade marcaram sua vida para sempre. Ele foi preso por porte ilegal de arma de fogo e roubo há dois anos. “Foi horrível. Aquilo lá é uma escola do crime. Tem gente que está há dez anos no mesmo lugar e ainda não foi transferido. Não tem atividades. As únicas opções são jogar bola no pátio ou ler um livro”, falou.
Por ser réu primário, ele teve direito a habeas corpus e responde em liberdade. Atualmente, o ex-detento vive com a mulher e o filho pequeno e trabalha na autopeças de um amigo em São Bernardo. “Tive sorte de esse meu amigo me dar uma chance. A maioria das empresas acaba não dando oportunidade quando vê que você tem passagem”, afirmou.
Conforme a coordenadora do curso de Ciências Sociais da Universidade Metodista de São Paulo, Claudete Pagotto, a superlotação causa ainda mais dificuldades para que os ex-presos se reintegrem à sociedade. “O que ele vai aprender é a aprimorar elementos de criminalidade e não de ressocialização. Estar lá aprisionado já é um problema, estar com mais de 50 pessoas em uma cela é completamente desumano. Quando ele sair, não vai ter condições de desenvolver relações sociais”, disse.
“As condições são desumanas, cruéis e degradantes, o que impossibilita a ressocialização, que deveria ser o principal intuito das penas”, declarou o advogado e coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos Ariel de Castro Alves.
Questionada sobre o tema, a SAP afirmou que mais de 300 pessoas dão entrada por dia no sistema penitenciário em todo o Estado. Considerando que cada unidade abriga 800 presos “chega-se facilmente à conclusão de que, para atender essa demanda, seria necessária a construção de, no mínimo, uma unidade penal por mês, o que ainda não atenderia por completo”, afirmou em nota.
Defensoria Pública tenta reverter quadro
Ações para impedir a entrada de novos presos nas unidades dos CDPs (Centros de Detenção Provisória) da região são feitas pela Defensoria Pública. Porém, a maioria acaba não sendo acatada nos tribunais.
Em maio do ano passado, uma decisão do TJ (Tribunal de Justiça) de São Paulo concedeu à Defensoria Pública a liminar que proibia a entrada de novos presidiários. Além disso, também determina a transferência de presos que já foram julgados para penitenciárias, o que na época totalizava 700.
Questionada sobre o assunto, a Defensoria afirmou que o processo foi extinto sem julgamento de mérito, ou seja, o Estado não teve obrigação de seguir a determinação. Em fevereiro, o órgão entrou com recurso, mas o mesmo foi negado.
Em Santo André, uma ação conjunta da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Pastoral Carcerária Nacional foi feita em 2013. Além da superlotação, a ação cívil pública cita outros problemas da unidade, como os presos condenados ou reincidentes que não ficavam separados dos demais, falta de atividades laborativas, racionamento de água, falta de colchões, falta de higiene, entre outros.
Além disso, a lista de compras da unidade afirmava que cada detento só tem direito a um quarto de creme dental, metade de um sabonete e nenhuma toalha por ano. Na época, haviam 818 presos já sentenciados e a pena estipulada pela ação para a unidade era de R$ 3 mil por cada dia sem a transferência.
O documento concluiu que “é necessária a remoção de presos para adequação da população carcerária à capacidade do estabelecimento prisional.”
A ação foi julgada improcedente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e atualmente o Ministério Público recorre da decisão em segunda instância.
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