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Não se aprende só na escola
Sara Saar
Do Diário do Grande ABC
23/04/2011 | 07:11
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Desde os 14 anos, o estudante Bruno Conrado, de São Bernardo, planejava fazer História como hobby, uma segunda ou terceira faculdade. Contudo, ao fim do Ensino Médio, feito em escola pública de São Bernardo, nenhum curso lhe despertou interesse como profissão. Logo, a paixão prevaleceu. 

Hoje, aos 20 anos, aluno do 3º ano da graduação de História na USP (Universidade de São Paulo), Conrado observa maior profundidade nas aulas de História do Brasil. "Quando analisamos um fator mais profundamente, vemos que tudo o que aprendemos aconteceu, mas nunca ‘do jeito' que aprendemos na escola", compara o estudante. Como exemplo, cita sério debate historiográfico acerca da casualidade do descobrimento do Brasil.

Em comparação às abordagens, aponta: "Na escola, estudamos os fatos ocorridos, com datas e contextos. Na faculdade, a ênfase é muito maior na escrita dessa história. Estudamos muito mais a historiografia - quem escreveu, em que contexto e porque escreveu sobre determinado fator - do que necessariamente os fatos."

Na escola, Conrado utilizou livros que apresentavam uma tentativa de aprofundar os estudantes em discussão crítica, deixando de ser apenas sequência de fatos sem análise. "Porém, encontrávamos livros que, tentando ser ainda mais críticos, tornavam-se tendenciosos, levando o aluno a observar os fatos do ponto de vista ideológico do autor", diz.

 

A segmentação da história nas publicações didáticas também dificultava a compreensão do conteúdo. "É inegável que a ligação entre os acontecimentos é fraca nos livros. Isso acontece porque as separações sistemáticas por Idades (Antiga, Média, Moderna e Contemporânea), assim como a necessidade dos livros em dividir os assuntos por capítulos, ignoram as transformações entre os períodos", aponta Conrado. E exemplifica: "Para o aluno, resta a lacuna de entender como os restos do Império Romano tornaram-se a Idade Média."

A visão eurocêntrica também sempre esteve presente nas publicações e não teria como ser diferente, visto que toda a nossa raiz acadêmica é europeia. "Os panoramas africano e índigena sempre foram superficiais. Em partes por essa influência do Velho Mundo e em partes por um problema mais sistemático. No Ensino Médio, não existe tempo hábil para se englobar tudo", analisa Conrado, consciente de que a memória é fator determinante na construção da identidade de um povo.

As aulas ocultavam vozes. Embora apresentassem um panorama geral da História, sempre tenderam para o lado ‘do vencedor'. "Só estudamos os povos não europeus quando estes entram em contato com os europeus, seja na época das Cruzadas dos árabes, no início da escravização dos africanos e no descobrimento das Américas. E ainda assim a cultura desses povos continua sendo ensinada pelo prisma dos exploradores."

 

Embora tenha se distanciado de fatos na faculdade para se focar em análises, Conrado também percebe que deliberadamente diversos acontecimentos eram esquecidos. "Às vezes, por não serem considerados importantes para o aprendizado regular; às vezes, por não caberem na matéria do Ensino Médio, já muito restrita nos três anos", avalia.

Em sala de aula, apesar de não serem estimulados, os questionamentos eram possíveis e não raros. "A dificuldade nesse processo sempre foi encontrar professores que quisessem construir discussões construtivas. Os questionamentos não levavam a nada por clara falta de instrução do professor. Respostas vazias apenas repetiam o que havia sido recém-exposto", recorda.

Para Bruno Conrado, conhecer a história proporciona uma visão mais crítica da política e do cenário mundial. "No caso da história nacional, passamos por uma ditatura há pouco tempo. Estudar os contextos e desdobramentos da época nos deixa em alerta para que esse acontecimentos nunca se repitam." Citando o nome do projeto federal de memória da ditatura: Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça", aponta o estudante.




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