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As árvores de São Paulo
Rodolfo de Souza
26/05/2016 | 07:00
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Ah! Como são belas as ilhas de concreto, salpicadas de verde! Do verde que se esmera para decorar as cidades e limpar a atmosfera, sempre carregada de dejetos que o progresso espalha.

Mas as árvores de São Paulo estão doentes. Provável símbolo da origem animal do ser humano, elas sucumbem ao poder do gigantismo urbano que a tudo consome.

Algumas estão cheias de cupins – avisa a reportagem.

Os técnicos alertam, inclusive, para a queda de dezenas delas a cada ventarola. Foi o que vi na matéria de outro dia, em que enfiavam nos troncos um dispositivo esquisito, só para checar quais delas foram premiadas e agora abrigam alegres e nojentas famílias do diabo do bicho.

Por obra do acaso, conheço bem o poder de destruição desta praga que corrói papel e madeira, transformando em pó a aparência sólida do objeto.

Mas é preciso arborizar as cidades – preconizam contumazes os defensores do ar, da água e de tudo que lembra natureza. Se bem que não se pode desprezar a literatura que também classifica o cupim como parte desta natureza. Indesejado habitante que desmancha o pau e o torna quebradiço, fazendo despencar as árvores, já um tanto fracas por causa da vida nada fácil da cidade de cimento que engole suas raízes.

Entristece-me vê-las no chão depois do temporal. Frágeis criaturas agonizando na via congestionada. Debaixo delas, fios, veículos, gente. Parece, nestas horas, que tudo tende a terminar assim, como árvores caídas. A motosserra a entoar seu canto fúnebre para aquilo que a maior parte das pessoas enxerga somente como um pobre e velho espécime do reino vegetal que tombou com o vento. Todavia, é bem mais do que isso. Muito mais do que parece! Talvez um pedaço da própria humanidade nos destroços de galhos espalhados pelas vias.

Mais 150 morreram hoje na Síria – anuncia o jornal. E eis aqui um homem que matou o semelhante por causa de bobagem qualquer, bem debaixo da árvore que amanhã estará no chão. E não há quem considere guerra isso de viver assim, sujeito ao capricho da violência que veste diferentes roupagens, feito camaleão.

Daqui de onde estou, observo as folhas que ainda pingam a água da chuva que precipitou na madrugada e que é mera representação do espírito humano que se esvai por si só, escorrendo pela sarjeta da vida. Vida que segue derrubando homens e árvores.

Os governantes, estes que transpiram providência, atitude, trabalho e honestidade, prometem resolver o problema de árvores e de gente, embora elas continuem a cair, tal qual segue intrépida a barbárie que um dia, tenho fé, acabará por engolir-se, tamanha a sua fome.

Poderia ser pior! – ponderam alguns.

Na Venezuela, por exemplo, não há o que comer. A truculência lá reina soberana, indiferente ao estômago vazio. Na Síria não tombam árvores, tombam vidas humanas.

Lugares em que a insensível sola da bota é que determina o destino das pessoas. Imagine!

Aqui, no reino do Ó, a tirania come pelas beiradas, a tal ponto sutil que faz parecer que joga a favor do povo cego, o mesmo que continuará a tombar, silencioso como as árvores de São Paulo.

* Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




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