Especialistas sugerem redesenhar regras da
CLT, existente há 73 anos, e reduzir carga tributária
Dentre os desafios do governo de Michel Temer (PMDB), presidente em exercício, estão a modernização e adaptação das leis trabalhistas ao atual cenário de crise das mudanças no mercado de trabalho. Profissionais pedem a flexibilização das regras para trabalhar em casa; empresários, a redução da carga tributária para registrar os funcionários, e especialistas acreditam que a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) necessita de reforma urgente, pelo fato de estar ultrapassada.
A legislação do trabalho formal, de fato, completou 73 anos no dia 1º. Na avaliação do advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho Danilo Pieri Pereira, sócio do Baraldi Mélega Advogados, a idade da CLT é, por si só, é um dos motivos que justificam a necessidade de reformulação das leis trabalhistas.
“A CLT é uma coletânea de normas editadas logo após a criação da Justiça do Trabalho, em 1939. O Brasil dava, na época, os primeiros passos rumo à transição de uma economia de base agrária para outra de base industrial, sendo que a regulamentação do trabalho se fazia indispensável dentro daquele cenário. Foi quando o presidente Getúlio Vargas, inspirando-se no modelo corporativista então adotado na Itália fascista, editou a sua Consolidação das Leis do Trabalho. Passado todo esse tempo e no momento atual de desenvolvimento de novas tecnologias, uma reformulação de regras se mostra essencial para colocar o País de volta na rota do desenvolvimento, o que fica ainda mais evidente nesses tempos de crise, aumento de desemprego e retração da economia”, observa Pereira. Para ele, é importante que todos os atores sociais – empregados, empresas e população – se unam, exigindo do Poder Legislativo a discussão e aprovação de urgentes reformas.
O doutor e mestre em Direito do Trabalho Ricardo Pereira de Freitas Guimarães avalia que a flexibilização das leis trabalhistas é necessária, mas deve ser feita em sintonia e controle da economia. “Vivemos momento de absoluta dificuldade. A crise do mercado de trabalho, que segue a largos passos, e a decadência econômica em razão do imobilismo governamental, afetam de forma direta a sobrevivência de trabalhadores – o desemprego hoje está perto de 11%. Precisamos de reforma trabalhista, mas também de mudanças inteligentes nas áreas tributária e econômica, pois aumentar impostos e flexibilizar legislação sem controle da economia manterão o País em queda livre”, alerta Freitas Guimarães, que também é professor da pós-graduação da PUC-SP.
Pesquisa recente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) em parceria com o Ibope mostrou que 70% dos brasileiros desejam horários mais flexíveis; contudo, isso é realidade para apenas 56% desses. Além disso, também existe o desejo de 73% de trabalhar em casa ou em locais alternativos.
A equipe econômica de Temer está se movimentando para realizar série de reformas, com o objetivo de melhorar as contas da União. O novo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha afirmou que a reforma da Previdência e a trabalhista serão tratadas separadamente para “ajudar no trabalho” e “a pedido das centrais sindicais”. Segundo ele, a previdenciária virá primeiro.
IMPOSTOS - Freitas Guimarães defende que, no Brasil, o custo tributário do emprego é o fator que incomoda os empregadores. “Pagar férias, 13º salário e FGTS não é o que afasta ou prejudica o empregado ou a empresa, mas a carga tributária que recai sobre a relação trabalhista. Além de diminuir a referida carga, o Estado deveria criar sérios mecanismos de controle desses valores recolhidos. Apenas como exemplo, ouvimos há anos que o INSS está quebrado. Ora, se está quebrado não é apenas em razão dos equívocos dos cálculos atuariais, mas principalmente em razão das fraudes que lá existem e da péssima aplicação dos recursos públicos.”
Na visão da advogada Letícia Loures, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, a flexibilização das leis trabalhistas pode ser reconhecida por meio do afastamento da rigidez de algumas leis para permitir, diante de situações que o exijam, maior flexibilidade das partes para alterar ou reduzir os seus comandos. “Se a flexibilização for vista com o intuito de preservar a relação de emprego mediante as crises política e econômica, as mudanças neste cenário poderão ser vistas como benéficas. Entretanto, as garantias legais já adquiridas por lei aos trabalhadores não poderão ser reduzidas ou suprimidas”, aponta.
Alan Balaban, advogado trabalhista e sócio do escritório Balaban, Di Marzo Trezza e Rollo Duarte Advogados, acredita, por outro lado, que este não é momento adequado para se falar em mudanças das leis trabalhistas. “Infelizmente, estamos com a falsa sensação de que a mudança do governo trará paz social e que o mercado de trabalho ficará aquecido. Não podemos esquecer que o antigo governo trouxe diversas mazelas aos empregados – de forma contrária ao que foi pregado – e, dessa forma, o novo governo deve fortalecer a economia e melhorar a relação com a área sindical para, em segundo momento, alterar legislação ou direito trabalhista e ou social.”
Revisão de relação com sindicato é necessária
A necessidade de atualização das regras da relação entre trabalhador e empresa é opinião praticamente unânime entre especialistas. Ricardo Pereira de Freitas Guimarães indica que, entre as principais e urgentes mudanças, estão a alteração do sindicalismo e a diminuição da carga tributária. “Hoje, o sistema sindical é mero arrecadador de dinheiro de empregadores e empregados sem nada fazer por eles. É necessária nova regra, inclusive do controle das contas de valores arrecadados para os sindicatos. Além de uma revisão imediata de legislações absolutamente ultrapassadas, como de bancários, jornalistas, advogados, que possuem jornadas de trabalho extremamente limitadas, que não se justificam mais, impedindo muitas vezes a contratação. Outro ponto importante é a criação de legislação diferenciada para executivos”, enumera.
Letícia Loures considera nítido que o direito do trabalho precisa de modernização, devido às novas regras sociais e empresariais. “Existe a necessidade de uma combinação de interesses entre empresa, empregador e governo. Desta forma, com as mudanças trazidas pela globalização no mundo do trabalho, é essencial nova forma de pensar e agir dos interessados – Estado, sindicatos, empregados e empregadores – para alcançar equilíbrio e assegurar os princípios básicos do Direito do Trabalho e da dignidade da pessoa humana, conciliando-os com a necessidade de crescimento das empresas, que beneficia toda a sociedade, com aumento da oferta de emprego e renda.”
O fator essencial para efetiva reforma trabalhista, segundo a advogada, consiste em analisar os avanços legais e não prejudicar a parte hipossuficiente que é o trabalhador.
“A flexibilização não pode acarretar nenhum prejuízo ao profissional, retirando-lhe qualquer direito já adquirido em lei. Citamos como exemplo a implantação de banco de horas, instituído com o objetivo de diminuir o pagamento de horas extras e que resulta em ausência de descanso e de remuneração. Fatos como esses não podem ser vistos como flexibilização favorável ao empregado, mas apenas e tão somente ao empregador”.
Legislação do emprego não acompanha evolução da tecnologia
A crescente informatização dos meios de comunicação e das próprias ferramentas de trabalho demonstra, segundo os especialistas, a importância da revisão das leis que regem as relações entre empresas e trabalhadores no Brasil.
“O impacto das novas tecnologias no ambiente de trabalho é colossal e, sem a existência de regras claras, empregados e empregadores ficam à mercê dos variados entendimentos que surgem do Poder Judiciário, o qual, por sua vez, se vê obrigado a julgar processos envolvendo discussões acerca do próprio uso dessas ferramentas, com base em uma legislação detida no tempo do mimeógrafo”, observa o advogado Danilo Pieri Pereira.
De acordo com Alan Balaban, a tecnologia no ambiente de trabalho sempre foi o estopim de diversas discussões. “O que vivenciamos hoje nada mais é do que uma nova tecnologia – redes sociais, ferramentas tecnológicas etc – sendo utilizada pelo e para o trabalho, contra ou a favor, e mudando a relação empregatícia. Esse tipo de tendência faz parte de série de fatos cotidianos que precisam de regulamentação específica, que não existe”, afirma.
Balaban ressalta que, em razão da falta de legislação especial, crescem as demandas no Poder Judiciário trabalhista sobre o uso das novas ferramentas de tecnologia. “Podemos usar como exemplo o panorama de reclamações trabalhistas sobre teletrabalho. Dez anos atrás não havia nem cinco ações sobre esse tema em todo o Brasil. Atualmente, são mais de 5.000 requerendo o vínculo empregatício em razão da tecnologia”, exemplifica.
O mesmo ocorre com horas extras, alerta o especialista. “Há 15 ou 20 anos não se cogitava em requerê-las por uso de e-mail ou outra tecnologia. Hoje, o empregado pode ficar on-line e conectado por períodos de tempo que excedem a jornada normal de trabalho e não existe legislação que faça tal previsão. Assim, mais do que nunca, torna-se necessária atualização da legislação trabalhista nesse aspecto.”
EMPREGADO ON-LINE - Freitas Guimarães crava que não há dúvidas de que, hoje, o empregado é “on-line”.
“Essa questão já vem sendo bastante debatida e tem sido objeto até de alterações legislativas, como a que não há diferença para relação de emprego se essa se dá por meios telemáticos etc. Já existem também indenizações na Justiça do Trabalho em razão de doenças e de não disponibilidade do empregador de tempo para que o empregado tenha vida – dano existencial. É um tema do presente e futuro e que deve ser muito debatido nos próximos anos”, pondera o advogado.
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