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‘Estado não vive mais problema da crise hídrica’

Presidente da Sabesp, Jerson Kelman, fala com
exclusividade; boletim mostra 1 bi de m³ armazenados

Vanessa de Oliveira
do Diário do Grande ABC
07/03/2016 | 07:07
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Divulgação


A maior crise hídrica já registrada na região Sudeste terminou. Essa é a afirmação do presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), Jerson Kelman, em entrevista exclusiva ao Diário.

Além das chuvas, que voltaram a ocorrer, restabelecendo os reservatórios, Kelman atribui o fim da crise principalmente às obras emergenciais de interligação de sistemas e à colaboração da população, que mudou os hábitos, também estimulada a poupar com a possibilidade de desconto na conta de água. Esse bônus, inclusive, deve deixar de ser concedido em breve – assim como a aplicação da multa para quem extrapola o consumo. “Estamos avaliando qual é o momento mais apropriado para suspender o bônus e o ônus, porque eles foram remédios essenciais para vencer a crise, mas que, depois que se vence, não é bom permanecer”, disse o presidente da Sabesp.

Sobre as ações emergenciais da empresa, uma das consideradas mais importantes foi a interligação entre os sistemas Rio Grande e Alto Tietê. Inaugurado em 30 de setembro de 2015, o projeto beneficiou em torno de 1,1 milhão de pessoas em toda a Região Metropolitana de São Paulo, incluindo 100% de São Caetano. Obra foi criticada pela sociedade civil e ambientalistas, além de questionada na Justiça, pelo Ministério Público Estadual, por não ter sido precedida de estudo de impacto ambiental. Kelman salienta que “há sempre aqueles que querem que a situação fique pior e por motivação política ou ideológica”.

O presidente da empresa de saneamento declara ainda que, hoje, a prioridade de obras é voltada à segurança hídrica e, por essa razão, foi preciso tirar o pé do acelerador de várias obras de coleta e tratamento de esgoto.

A crise hídrica acabou?
A avaliação é que acabou. Boletim da Sabesp mostra que temos mais de 1 bilhão de m³ armazenados nos nossos sistemas produtores, 56% do que seria possível armazenar, então, a crise hídrica acabou.

E desde quando se encerrou?
Não existe momento em que encerra-se a crise. No fundo, o que estou dizendo é que não vejo a possibilidade de, em 2016, termos a repetição do fenômeno hidrológico de 2014.

Quais os pontosprincipais para o término da crise hídrica?
A população soube reagir e entendeu a gravidade, reduziu o consumo, tanto em consciência da contribuição que cada um teria que dar para o bem-estar coletivo quanto pelos estímulos do bônus. O ponto a festejar é que, graças ao empenho da população e algumas obras emergenciais que a Sabesp fez, passamos pela crise sem a intensidade de sofrimento à população que a situação hidrológica poderia induzir.

Agora, as chuvas voltaram e os reservatórios estão se recuperando. Acredita que, com isso, as pessoas deixarão de economizar?
Nossos dados mostram que a população aprendeu com a crise que o desperdício de água deve ser evitado. Estávamos observando qual seria o comportamento da população e a boa notícia é que o consumo está cerca de 25% inferior ao que era na situação pré-crise. A volta à normalidade deve ser caracterizada por evitar excessos de um lado e de outro: não são mais necessárias medidas extremas que precisaram ser tomadas durante a crise. Por outro lado, não é recomendado que tenhamos desperdícios como existiam no período anterior à crise e que não estão ocorrendo.

O bônus, para quem economiza, e a multa, para quem não colabora, continuarão valendo?
Estamos avaliando qual é o momento mais apropriado para suspender o bônus e o ônus, porque eles foram remédios essenciais para vencer a crise, porém, depois de vencida, não é viável que permaneçam.

Deve acabar neste ano?
Penso que sim. Não sei quando, mas é uma decisão que estamos avaliando, vendo o futuro, as previsões hidrológicas, enfim, estudando esses assuntos.

Durante a crise hídrica, a sociedade e especialistas apontaram a falta de planejamento para chegar àquela situação. O que o senhor pode dizer sobre isso?
Esse raciocínio de que faltou planejamento é o tipo de observação de comentarista de videotape. O evento de 2014 foi excepcionalmente raro, com probabilidade de acontecer de 0,004%. Se o governador do Estado quisesse se preparar para um evento tão raro desse, teria que, em 2010, quando os reservatórios estavam vertendo e o problema era enchente, tirar recursos da Educação, Saúde, Transporte para se preparar para um evento quatro anos depois, porque as obras demoram bastante para serem concluídas. Obras contra a seca, com probabilidade de ocorrência baixíssima, fariam parecer a todos, em 2010, que o governador estaria louco. Em 2014, foi como ganhar na loteria: parece pouco provável, mas aconteceu e, aí sim, tomamos as providências e, caso haja outra seca tão intensa como a de 2014, estamos preparados.

A transposição de água do Rio Grande para o Sistema Alto Tietê foi tida como a principal ação emergencial para evitar o rodízio na Capital e ajudar a recuperar o nível do Sistema Alto Tietê. Muitos ambientalistas criticam a obra, que foi questionada também na Justiça, pelo Ministério Público Estadual, devido à ausência precedida de estudo de impacto ambiental. Houve danos?Durante qualquer crise o ambiente no Brasil está muito tensionado politicamente. Então, seja lá qualquer assunto que diga respeito ao interesse público, há sempre aqueles que torcem contra a situação e apenas por motivação política ou ideológica. Essa obra foi feita com muito cuidado, utilizando uma faixa de servidão da Petrobras. Não há problema ambiental, tanto que a gente recebeu a licença. Mas sempre há quem queira que as coisas não deem certo.

As interligações de sistemas serão mantidas?
A seca excepcional de 2014 mostra que é preciso ter instalações que vão ficar sem utilização durante anos normais, mas que estão prontas para serem acionadas quando houver períodos com baixas chuvas.

Logo após ser inaugurada, a obra de transposição do Rio Grande para o Alto Tietê passou por um problema, no qual ruas de Ribeirão Pires ficaram alagadas, e a população também falou que o ocorrido foi por falta de planejamento da obra, além da pressa em inaugurar. O que houve?
De fato tínhamos enorme pressa, porque o Rio Grande tinha muita água e o destino da obra, que é o reservatório do Taiaçupeba, estava vazio. Qualquer obra de grande porte tem ajustes no início da operação e o que aconteceu é que a tubulação descarrega no córrego e, na fase inicial da operação, se identificou que o córrego não tinha capacidade de transitar a vazão que pretendíamos. Então, foi necessário fazer uma pequena obra de alargamento e hoje não há problemas. Quem faz obra em casa sabe que, depois que começa a funcionar, descobre uma coisa aqui, outra ali.

O bombeamento já opera com sua força total de 4.000 litros por segundo?
Na realidade é um pouco menos. O projeto era para um pouco menos, arredondava-se para 4.000 litros por segundo.

Nas cidades atendidas pela Sabesp no Grande ABC há previsão de obras para ampliar a coleta e tratamento de esgoto?
Hoje, com a prioridade da segurança hídrica, tivemos que tirar o pé do acelerador de várias obras de coleta e tratamento de esgoto. E esse tirar de pé do acelerador poderia ser compensado se houvesse melhor entendimento com os municípios do Grande ABC, que têm serviço autônomo. Lamentavelmente essa fragmentação evita que tomemos partido de soluções de escala. Os municípios estão gastando dinheiro em tratamento local, quando seria mais barato levar o esgoto para uma estação de tratamento já existente da Sabesp. A Sabesp quer estar com portas abertas não apenas para resolver problemas comerciais, mas também para dar soluções técnicas que sejam menos custosas para a população, porque quem paga o serviço é ela, nas contas de água.

Na questão do saneamento básico, tema abordado pela Campanha da Fraternidade 2016, quais desafios para universalizá-lo?
A Sabesp trata de fornecimento de água, coleta e tratamento de esgoto. Saneamento básico é isso e mais drenagem, que são obras da prefeitura para levar água de chuva, além de coleta e destino final do lixo. É preciso que a população entenda que essa é uma responsabilidade não apenas das companhias de saneamento, mas também das prefeituras e dos próprios cidadãos. Pelo lado da prefeitura, tem diversos lugares que não são tecnicamente possíveis conduzir o esgoto e, para isso, precisa ter o mínimo de urbanização. Em áreas que não são possíveis fazer o mínimo de urbanização, também não é possível recolher o esgoto e, aí, é uma tarefa a ser feita entre a empresa de saneamento e a prefeitura. E é preciso também que o Ministério Público entenda que, às vezes, a coleta de esgoto não é feita porque não há possibilidade técnica. Da parte do cidadão, muita gente não se conecta à rede de esgoto. Esse esgoto vai para a sarjeta ou boca de lobo e cai direto no rio. Isso é um crime contra a coletividade e muita gente não sabe que está cometendo esse crime, até por desconhecer que é preciso fazer as ligações de esgoto nos lugares certos. É necessário que todos se engajem no processo de sairmos de uma posição que todos temos, de avestruz, ao fingir que não existe problema. 




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