Domingo é dia da tradicional macarronada da mãe, mas logo depois é hora da caminhada até o ponto de ônibus, rumo ao Pacaembu. Horas antes, uma olhada na escalação dos times, ligações para os amigos para combinar um encontro na Praça Charles Müller. O ônibus sempre tem algum corintiano fazendo o mesmo trajeto; é bom para ir entrando no clima. Nos quilômetros até o estádio, o pensamento é apenas um, Corinthians. Essa rotina poderia ser creditada a qualquer homem, fanático pelo seu time de coração, mas não; esse é um dia muito comum na vida de Leonor Macedo, 27 anos. Mulher, corintiana, jornalista e mãe.
"A paixão vem desde sempre, mas a minha devoção e participação começaram no final da década de 80. Eu era pequena, meu tio é um corintiano fanático. Cresci ouvindo essas histórias, sendo levada por ele. Acho que ele passou esse corintianismo para mim. Eu era criança e via a torcida do time ainda mais gigante", exalta Leonor, que só leva o filho, Lucas, ao estádio quando os jogos são menos concorridos pelo público.
Mulher que gosta de futebol não é mais uma surpresa. Atualmente, é comum ver o público feminino nas arquibancadas, em debates esportivos e profissões ligadas ao esporte. Porém esse é um caminho ainda dominado pelos homens.
Para Leonor, a mulher é reconhecida neste mundo somente se entender duas vezes mais de futebol do que os homens, ler, se informar e acompanhar mais.
"O lugar das mulheres no futebol vem sendo construído pouco a pouco, com muita paciência. Nós podemos ir ao estádio, podemos pertencer às torcidas organizadas, mas na hora de decidir, de participar, o ambiente ainda é sempre muito restrito", completa.
A tradutora Michele Cavalcanti, 30 anos, foi a primeira vez no estádios aos 15. Muitas outras vezes ela foi escondida dos pais. São-paulina, Michelle começou a gostar do clube quando visitava a casa dos primos na infância. "Percebia as vibrações deles e o amor pelo São Paulo e comecei a me apaixonar também. Minha família é toda corintiana e digo que sou a ovelha negra", diz a tradutora, que também é moradora de Mauá.
Michele que, tatuou na perna o símbolo do São Paulo, se associou a uma torcida organizada há oito meses, o que causou receio na sua família. "Quando ficaram sabendo, entraram em pânico.Tenho um tio que liga para minha mãe em todo clássico para saber se cheguei bem em casa. Tenho outra tia que implora para eu não sair com a roupa da torcida na rua", conta.
Outra torcedora que tatuou o amor pelo time na perna foi a palmeirense Luciana Palma, 28 anos. "Fiz a Cruz de Savóia, que é o primeiro símbolo do Palmeiras, que deu origem a essa paixão na minha vida. Significa que para conseguir a paz é preciso sangrar", explica.
A palmeirense Nathalia Brancato, 21 anos, descobriu o quanto gostava do time quando foi ao estádio pela primeira vez. Antes de 1999 ela não entendia nada sobre o assunto e não se interessava por futebol. "Depois de viver a emoção da Libertadores, me encantei pelo clima e virei torcedora de fato", afirma Nathalia, que além de gostar de futebol, também pratica o esporte.
Sem idade - E a paixão pelo futebol não tem idade. Luzia do Nascimento, 57 anos, a famosa Dona Lu, é integrante de uma torcida organizada do Corinthians e não perde uma partida do Timão.
Sempre que é possível viaja nas caravanas para assistir os jogos em outras cidades. O fanatismo de Dona Lu, levou sua filha, Marcela Lopes, 23 anos, acompanhá-la nas partidas e viagens. "Na primeira caravana que minha mãe foi sozinha fiz questão de ir até a quadra e conversar com o responsável pelo ônibus. Pedi que cuidasse dela. E foi isso que ele fez. Todos nos respeitam nas viagens, somos tratadas com atenção", exalta Marcela.
Luzia relembra o jogo mais emocionante que já assistiu, onde ocorreu a lendária ‘invasão corintiana', quando milhares de torcedores se deslocaram até o Rio de Janeiro para ver o time jogar. "Foi contra o Fluminense em dezembro de 1976. Na estrada já se via a grandiosidade daquele jogo. As passarelas da Rodovia Presidente Dutra estavam repletas de corintianos acenando para os carros que passavam. Todos levavam bandeiras e eu posso falar que estava lá. Guardei até o ingresso", conta.
Sim, elas entendem de futebol!
Para quem ainda não se convenceu de que a mulher também já está garantindo lugar ao sol no esporte mais praticado no País, basta lembrar que uma delas coordena a Escola de Árbitros da Federação Paulista de Futebol, outra já está presidindo o Flamengo e, pela quarta vez consecutiva, o Brasil se orgulha de ter a melhor jogadora de futebol do mundo eleita pela Fifa.
Silvia Regina de Oliveira assumiu em 2009 a coordenação da Escola de Árbitros. Patrícia Amorim, vereadora e ex-atleta, é também pioneira ao presidir o clube de futebol mais popular do País. Já a atacante Marta da Seleção Brasileira dispensa apresentações. É claro que muito precisa ser conquistado, mas agora elas também mandam, decidem, são premiadas e levam torcedores e torcedoras aos estádios.
Assim como nos demais postos de trabalho antes estritamente masculinos, essa conquista veio aos poucos. O diretor e comentarista da rádio oficial do Corinthians, Douglas Stephens, que divide o espaço com elas, já deu o braço a torcer: "As mulheres entendem tudo e têm opinião formada, não existe certo ou errado, apenas opiniões diferentes. Acho muito bom e prazeroso conversar e ouvir uma mulher falar sobre futebol."
Segundo Stephens, o programa transmitido pela rádio apresentado exclusivamente por mulheres recebe muitos elogios de ouvintes de ambos os sexos. Ele ressalta que, quando o assunto é futebol, muitas vezes elas são mais coerentes e racionais do que os homens, por vezes guiados pelo fanatismo.
Apesar de estarem sempre ampliando espaços também no esporte, ainda é comum receber manifestações preconceituosas por parte do público masculino. É o caso da torcedora Yule Pedroso Bissetto, corintiana de carteirinha integrante da equipe da rádio, que ouve piadinhas constantemente em seu blog. Mas ela se defende: "Na internet o pessoal fica corajoso, muitas vezes me mandam de volta pro fogão ou pro tanque; se eles soubessem que eu entendo muito mais de futebol do que de tarefas domésticas..."
Já em campo, o trabalho das árbitras não admite brincadeiras; é preciso postura séria a fim de conquistar respeito e ser bem aceita neste cargo que não conta com a simpatia popular.
Árbitra pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) desde 2007, Regildenia de Holanda Moura, 36, comprova que é necessário igualar-se aos homens. "È preciso se impor pela qualidade; quando se está em campo é preciso se colocar como árbitro da partida e não como uma mulher que está apitando. É preciso ter uma postura compatível com a seriedade da função".
Numericamente, os homens ainda levam vantagem nestas atividades, mas aos poucos as mulheres também vão mostrando que são capazes de assumir responsabilidades que se contrapõem aos antigos clichês de que o gramado e os bastidores dos estádios de futebol não são recomendáveis para o que, durante muito tempo, se convencionou chamar sexo frágil.
* O conteúdo editorial desta página é de inteira responsabilidade da Universidade de São Caetano do Sul, com supervisão editorial dos jornalistas Eduardo Borga e Nelson Tucci, da Comunicação da USCS
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