A obliqüidade dos olhos de Capitu se estende por seus trajes. É o que parece defender Beth Filipecki, figurinista da minissérie Capitu, que pode ser vista até sábado, na Globo. Professora de indumentária dos séculos 18, 19 e 20 há 25 anos, Beth não se acomodou quando foi chamada pelo diretor Luiz Fernando Carvalho há um ano. Assumiu de uma forma cuidadosa a retratação da fluidez generosa da vestimenta do personagem mais sedutor de Machado de Assis.
Vivida por Letícia Persiles quando jovem, e por Maria Fernanda Cândido na idade adulta, a construção do imaginário da personagem através do figurino foi uma espécie de Jardim do Éden para Beth. A primeira coordenada passada pelo diretor foi a valorização de toda a teatralidade da obra que se passa no século 19.
Mas sem perder a intenção de pincelar referências contemporâneas, o que comprova o trabalho atemporal do autor. "Machado diz que a vida é uma ópera. Foi justamente na ópera que comecei minha carreira como figurinista. Com isso, trouxe toda a teatralidade dos balés impressionistas e escolhi tecidos que simbolizassem essa atmosfera", explica.
Para as personagens femininas, a profusão do tecido de organza de seda pura faz uma festa pelas araras da minissérie. Outra aposta foi usar quase 200 metros de tule na produção, pois o tecido pontua quase todos os figurinos, dando fluidez e balanço a cada gesto. "As roupas estão todas enviesadas, em ondas, com movimento orgânico, sem simetrias", ressalta.
Não há nada minuciosamente calculado nem simétrico. Nem mesmo o trabalho de pesquisa com as cores do figurino. A primeira nuance a ser escolhida para a trama foi o azul profundo, o mesmo do "mar de Capitu", a que Machado se refere na obra Dom Casmurro. No entanto, as cores dos figurinos variam de acordo com os sentimentos dos personagens. Quando Capitu está apaixonada num grande baile, se veste com trajes vermelho e magenta, num trabalho absolutamente sensorial, bem distante das composições de figurino normalmente utilizadas na TV, em escala industrial. Para a minissérie, Beth trouxe como braços-direitos para sua equipe as figurinistas Daniela Christino, Lia Abreu e sua ex-aluna, Thamara Schömardie, entre outras. "Escolhi pessoas experientes e também novatas, com uma visão do novo para ousar e provocar", avisa.
Neste trabalho, que mescla mão-de-obra industrial e artesanal, a figurinista defende um olhar mais artístico para os produtos da TV, comumente criados em série, valorizando interferências mais ousadas e criativas. Por isso, Beth assume se sentir tão à vontade em parceria com Luiz Fernando Carvalho, com quem trabalhou em obras como Esperança, Renascer, Lavoura Arcaica e Os Maias. "Ele não tem idéias amarradas. Não quer adaptar a obra, mas dialogar com o imaginário de Machado. Tudo é muito lúdico com ele", avalia.
Mais lúdico ainda foi o processo de criação do figurino de cada papel. Como na televisão os atores simplesmente são ‘apresentados' ao figurino de seus personagens, na minissérie de nove capítulos, cada roupa foi lentamente construída ao mesmo tempo em que os atores ensaiavam e incorporavam seus papéis. Dessa forma, a cada gesto de um ator, Beth sabia se uma saia deveria ser mais preenchida e fluida, ou se uma gola precisaria ser mais alta para compor com o espaldar de uma cadeira.
"A construção foi amadurecida aos poucos, como no teatro. A roupa foi sendo casada com o cenário, a luz, os gestos. Tudo foi feito em conjunto, com toda a complexidade que um trabalho desses exige", valoriza, com um sorriso nos olhos, que se desviam para os manequins com pomposas roupas de Capitu.
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