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Santo André foi pioneira no impeachemt

Em 1962, o então prefeito andreense
Oswaldo Gimenez foi deposto do cargo

Por Fabio Martins
Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
13/12/2015 | 07:00
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Banco de Dados


Parlamentares rebelados, vice em passos largos para rompimento e processo de impeachment em tramitação. O cenário de turbulência no poder vivenciado nos dias atuais pela presidente Dilma Rousseff (PT) foi registrado pela primeira vez no País em Santo André, 53 anos atrás. Em 1962, vereadores aceitaram série de denúncias de corrupção contra o prefeito Oswaldo Gimenez, eleito pelo PRP em 1959, votando pela cassação do mandato majoritário e tornando-o inelegível pelo prazo de cinco anos.

Gimenez foi o primeiro agente público a perder o cargo eletivo por impedimento decretado pelo Legislativo no Brasil, após período de quase dois anos de desgaste. Panorama semelhante ao de Fernando Collor (hoje senador pelo PTB), anotado 30 anos mais tarde, quando o então presidente foi destituído. Dilma também enfrenta resistência da Câmara, tem de responder por ‘pedaladas fiscais’ já rejeitadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União), mas, até agora, a petista reeleita em 2014 se defende ao alegar que não há elementos para que seja retirada do comando do Planalto.

Morto em 1989, Gimenez era radialista instalado em Santo André desde 1954. Alcançou sucesso na Rádio Panamericana (atualmente Jovem Pan), da Capital. Adquiriu então a Rádio Clube, de Santo André. Com programas populares, ele angariou prestígio e ingressou na política, vencendo o pleito (com 18,8 mil votos) contra nomes tradicionais, a exemplo de Fioravante Zampol e Antonio Pezzolo.

Logo no início do governo, em 1960, já era acusado de irregularidades administrativas – à época, o gabinete era localizado no imóvel onde hoje fica a Casa da Palavra, na Praça do Carmo. A ‘caixinha’ do Gimenez era denúncia recorrente, apontando que o prefeito exigia comissão de 15% para liberar pagamentos referentes a obras e serviços, espécie de cobrança de ‘pedágio’.

No mesmo ano em que assumiu o cargo, a Câmara instaurou CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar as eventuais ilicitudes. O então vereador Clóvis Sidney Thon foi eleito para presidir a ala processante, responsável pelos trâmites necessários ao julgamento. Gimenez repeliu a iniciativa e citou que os parlamentares eram covardes. Em coletiva à imprensa, datada de agosto de 1961 e diante das imputações à sua gestão, ele chegou a afirmar: “Somente ao término do mandato ou morto deixarei a Prefeitura”. A declaração não surtiu efeito favorável. Sem sustentação política, se manteve por pouco tempo na cadeira.

Depois de novas denúncias de desvio de dinheiro público em benefício de um fornecedor da Prefeitura e greve do funcionalismo, o Legislativo, em outubro de 1961, decidiu levar a plenário o pedido de afastamento do prefeito por 90 dias, período legal aos procedimentos formais e jurídicos do impeachment, conforme a Lei Federal nº 1.079/50, até então em desuso. Com a Casa lotada de servidores, os vereadores avalizaram a saída temporária de Gimenez do posto. “É decretado (...) em função de indignidade e improbidade no exercício do cargo e incapacidade administrativa”, diz o documento.

Populares tomaram as ruas e o pátio da catedral do Carmo. Manifestantes exigiam a saída de Gimenez. Estudantes levantam faixas de ‘Fora, prefeito’.

O chefe do Executivo não aceitou, em princípio, a resolução. Alegava inocência e disse ser vítima de perseguição. Gimenez entrou com recurso na Justiça, que negou o pedido e homologou a decisão da Câmara. Com o resultado, ele deixou o gabinete. O vice José Silveira Sampaio, também do PRP, exerceu a função durante o prazo. O número dois da Prefeitura já havia rompido relações com o prefeito. No ínterim, testemunhas depõem e confirmam as acusações à comissão processante.

Alguns empresários falam em coação e pressão por propina. Na totalidade, mais de uma dezena relata envolvimento do gestor do governo e de seu irmão – o vereador Armando Gimenez – com a prática.

Não existia legislação apropriada a crimes de responsabilidade de prefeitos, na ocasião. Traçou-se movimento baseado em casos de presidente da República, o mesmo utilizado contra Collor, nos anos de 1990. Na lista de ações constavam corrupção, favorecimento e prevaricação. Consumou-se a cassação inédita na história em sessão extraordinária que durou mais de um dia.

Com ineditismo, votação do caso virou ''espetáculo''

As 28 horas e meia de julgamento do impeachment de Oswaldo Gimenez na Câmara se transformaram em verdadeiro espetáculo. Não eram poucos os que queriam ver, in loco, o inédito processo contra o então prefeito de Santo André.

Dias antes da votação no Legislativo, com Gimenez já afastado do cargo por determinação dos vereadores, a Associação Comercial de Santo André determinou lojistas a fecharem as portas para acompanhar a sessão, inicialmente marcada para o dia 3 de janeiro de 1962, mas prorrogada para o dia 5.

Do lado de fora da Câmara, munícipes assistiam ao desfecho político de Gimenez com faixas e gritos. As galerias internas estavam tomadas de andreenses. Emissoras de rádio e de televisão desembarcaram na cidade para acompanhar o caso – a Rádio Emissora ABC transmitiu muitos trechos da sessão ao vivo.

Durante os trabalhos, o longo tempo de discursos dos políticos e depoimentos de testemunhas de acusação e defesa cansaram a população, que se negava a sair do Legislativo. Às 3h, o presidente à época, Cid Flaquer, foi obrigado a soar a sirene de sua mesa porque munícipes dormiam e roncavam nas galerias, atrapalhando o andamento.

Pouco depois, novamente Cid Flaquer interveio porque cinco parlamentares, às 4h45, ignoraram o depoimento de uma das testemunhas para contemplar o nascer do sol pela janela da Câmara.

Gimenez não acompanhou a votação, apesar de confiante na absolvição, segundo relatos da época. Foram 20 votos a zero em plenário. 




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