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Vila Humaitá reúne esporte radical, amor à natureza e solidariedade
Nelson Donato
Especial para o Diário
12/12/2015 | 07:00
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Divulgação:


Ruas tranquilas, praças frequentadas por idosos que jogam partidas de dominó, casas antigas que contrastam com as edificações modernas. Este é o cenário da Vila Humaitá, uma das mais tradicionais de Santo André. O bairro reúne histórias de solidariedade e culto a tradições do passado.

Na Rua Guaxué, loja chama a atenção pelos belos shapes (pranchas) e obras de arte que levam a imaginação para um local paradisíaco, bem longe da cidade grande. Ao adentrar na Chico’s Longboard, vê-se diversos equipamentos de skate e pinturas que dão a nítida impressão de se estar em uma praia, com um ambiente leve. Além do estabelecimento comercial, o prédio possui uma oficina onde os produtos são montados e pintados.

O que acontece ali é muito mais que a produção e venda das peças. O espaço também é utilizado para ensinar crianças carentes a andarem de skate, além de educá-las para a vida.

Porém, antes de se transformar em escola, o local tinha uma função muito diferente, conforme explica o proprietário, Francisco Rodrigues da Costa Junior, mais conhecido como Chico, 36 anos. “Trabalho com marketing de eventos há 15 anos. E aqui nós montávamos stands para feiras e eventos. Percebi que neste processo jogávamos muitos materiais fora e agredíamos a natureza e isso passou a me incomodar cada vez mais.”

A preocupação com o meio ambiente foi o início de algo muito maior. “Comecei a utilizar a madeira que seria jogada fora para fazer algumas obras de arte. Infelizmente, percebi que era muito difícil vender quadros aqui no Brasil. Como sempre gostei de surfar e andar de skate, decidi criar um shape com o que seria descartado, e aqui estou.”

Outro talento de Chico é a facilidade em conversar com jovens. Ao perceber a necessidade que muitos adolescentes tinham de orientação, ele decidiu contratar alguns deles como aprendizes. “Busco aqueles que têm jeito para desenhar, mas que não aplicam para coisas úteis. Ao ter uma oportunidade, eles podem ganhar dinheiro e usar suas habilidades para algo que tem um propósito”, explica.

Além de ser professor, em alguns casos ele age como pai. “Muitos jovens vêm até aqui e não têm nenhuma orientação dos seus pais. Com eles abordo temas como trabalho, carreira, sexo, música, de tudo. É muito importante proporcionar isso para eles, dar uma direção a seguir, um norte. Esses dias, conversei com um deles sobre a faculdade e ele logo pesquisou e decidiu que iria fazer o curso superior. É muito gratificante”. As aulas são ministradas em uma minirrampa projetada e construída por ele mesmo. “Fiquei 12 dias trabalhando nisso, assisti a vídeos que mostravam o processo de montagem e, graças a Deus, ficou ótimo.”

AUXÍLIO

Para ajudar a manter a loja, Chico começou a dar aulas de skate para os pequenos. Porém, notou que muitas crianças com poucas condições financeiras desejavam aprender. “Via os pequenos virem aqui e me perguntarem quanto custava para praticar. Mas eram carentes e não teriam condições para adquirir os equipamentos, então decidi dedicar um dia da semana para um projeto social.”

A ação social hoje atende pelo menos dez alunos, com idades entre 7 e 17 anos. Apesar da nobreza do ato, os custos fazem com que cada dia seja um desafio. “É complicado manter algo desse tipo. Alguns mal têm o que comer, então distribuímos lanches também. Quero ampliar nosso projeto e fazer com que eles mostrem para todos o que aprendem aqui. Eles têm muito talento.”

Mesmo com as dificuldades, Chico relata toda a satisfação em ajudar crianças e adolescentes carentes. “É muito importante desenvolver algo desse tipo. Para continuar, estou em busca de parceiros. Acho que todo tipo de ajuda nesse caso é válido, porque auxiliar quem precisa não tem preço.”

Bordado é terapia que cura doenças

O bordado é uma arte antiga e cada vez mais rara. Em época na qual a máquina substitui o trabalho do homem e a indústria devora os pequenos comerciantes, é difícil manter negócio no segmento. Porém, na Vila Humaitá, a tradição que atravessa séculos está a salvo com a comerciante Aparecida de Paula Aires Martins, 62 anos.

De família indígena, sua paixão pelo trabalho que envolve linhas e agulhas começou quando ela tinha apenas 4 anos. “Acho que nasci com esse dom, não me vejo em outra atividade.”

Com o estabelecimento instalado na Avenida Queiroz Filho desde 1994, ela conta que o local virou espécie de Clube da Luluzinha. “Dou aulas de tricô e bordado para mulheres de todas as cidades da região. Aqui, além de relaxar, conversamos bastante, trocamos receitas, é um tempo muito legal que passamos juntas.”

Com orgulho, Aparecida conta que seu ofício já ajudou várias pessoas a superarem doenças. “Tive caso de alunas que precisavam tomar remédios para dormir, para o coração. Depois das nossas aulas, elas largaram. Nossa arte é uma terapia ocupacional e pode ajudar muitas pessoas.”

Outra história marcante foi de uma amiga que aprendeu a tricotar ali o enxoval do seu casamento. “E há pouco tempo ela já planejava o do seu filho.”

Nascida e criada na Vila Humaitá, Aparecida revela que não pretende deixar o bairro. “Não me vejo em outro lugar, gosto daqui. Muitas pessoas também trabalharam e criaram seus filhos na vizinhança, que é ótima.”

Vizinho irreverente é amigo de todos

Por ser uma região que funciona nos moldes antigos, a Vila Humaitá possui vizinhança tradicional, daquelas onde quase todos se conhecem. Neste meio simpático e agradável, a figura de um homem com jeito brincalhão chama a atenção de toda a comunidade.

Morador do bairro desde que nasceu, Irineu Cândido Ribeiro, 56 anos, é um dos personagens mais queridos do local. É comum alguém passar na rua e gritar “E aí Nei (como é conhecido)”. Ele relata que este reconhecimento é fruto da boa vizinhança. “Quase todas as pessoas aqui são muito simpáticas. Até os moradores de rua respeitam todos, é um ótimo lugar para se viver.”

Nei gosta de frequentar estabelecimento conhecido como Bar da Rosana, local que, segundo ele, já é quase centenário. “É aqui que conversamos com os amigos. O prédio onde fica o bar já tem quase 100 anos, bem mais velho que eu, hein”, brinca.

Além dos amigos, outra paixão dele é o Corinthians. Saudoso, ele relembra dos grande ídolos da agremiação. “Gostei muito de ver o Mirandinha e o Marcelinho Carioca jogarem no time. Foram atletas que encantaram todos nós. Este ano (no qual o clube conquistou o hexacampeonato nacional) também foi perfeito, não temos do que reclamar. Sou só felicidade com as vitórias.”
É com saudade que ele lembra de alguns amigos que morreram. “Por morar aqui há muito tempo, conheci muitas pessoas que já partiram, mas o importante é que ainda estamos aqui e temos que viver com saúde.”  




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