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'Régua e Compasso' incentiva talentos na periferia
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
15/05/2004 | 17:53
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Tudo começou com as batidas da percussão de um grupo acanhado de jovens, sob uma tenda improvisada no Jardim Santo André. O bairro abriga seis núcleos de favelas e é uma das áreas mais violentas da cidade. Quatro anos depois de iniciado o trabalho, muita gente já viu – e ouviu – de perto a apresentação do grupo Régua e Compasso, uma espécie de cartão de visitas da associação que leva o mesmo nome.

No início, era um projeto cultural que pretendia mostrar outros caminhos aos adolescentes, diferentes do que conheciam até então, cercados que estavam pela falta de perspectiva. No compasso da música, foram tantos os envolvidos pelo batuque que neste domingo a Associação Régua e Compasso inaugura mais uma sede, na Vila Alice. Além dessa, são mais quatro espalhadas pela periferia de Santo André: Jardim Santo André, Parque Miami, Jardim Irene e Cidade São Jorge. E os sons não seduzem só os jovens: participam das aulas de percussão, teclado, violão e cavaquinho moradores de comunidades carentes com idades entre 6 e 60 anos.

O Régua e Compasso também oferece curso profissionalizante de garçom, nos níveis básico e avançado, cursos de informática, oficinas de artesanato e reciclagem, culinária, panificação e de jornalismo, em que os alunos estão produzindo a primeira edição do Jornal Régua e Compasso, depois de aprenderem técnicas de reportagem, entrevista, fotografia e editoração. Todas essas iniciativas atendem, juntas, mais de 2,5 mil moradores de Santo André. E com a inauguração da sede da Vila Alice, esse número pode dobrar, de acordo com a presidente da associação, Juliane Guimarães.

“Existe demanda de mais de 5 mil pessoas na região das vilas Alice e Guiomar”, afirmou. Para manter a qualidade das atividades promovidas, a entidade conta com o apoio de empresas parceiras, além do Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC), sindicato que iniciou o projeto, e da Prefeitura, que banca os cerca de 20 educadores da entidade.

Apesar das parcerias, o Régua e Compasso busca cada vez mais ser auto-suficiente, “na medida do possível”, como explica Juliane, e tenta driblar a falta de recursos com criatividade. E oportunidade. Uma padaria comunitária, montada no núcleo do Jardim Santo André, produz cerca de 1,3 mil pãezinhos por dia, e garante o lanche dos freqüentadores do projeto, além de possibilitar a realização do curso de panificação. E as baquetas utilizadas pelo grupo são confeccionadas pelas oficinas de instrumentos, que logo pretende produzir também os tambores e bumbos.

Caça-talentos – “Nossa missão é despertar talentos, escondidos pela falta de oportunidade e pela violência. Para participar de qualquer atividade do projeto, todos os jovens têm de estar matriculados na escola. O que é um estímulo para que muitos voltem a estudar”, disse a presidente da associação.

Quem já faz parte do Régua e Compasso não quer mais sair, como conta a vocalista da banda de percussão Maria Gilvania da Silva, que tem 15 anos e há quatro está no projeto. “Minha família se mudou para o Centro da cidade e eu me recusei a mudar. Eu e minha irmã alugamos um barraquinho aqui perto e eu continuo cantando. Se não fosse a música, estaria como qualquer outro, no meio das drogas”, disse.

O professor da turma e ex-integrante do grupo Olodum, de Salvador, André Luiz da Paixão Silva, afirmou que muitos alunos do projeto já estão dando aulas em outros lugares. “Antes, a comunidade daqui só aparecia quando a polícia prendia algum bandido. Agora, viajamos o Estado inteiro nos apresentando.”

O monitor de uma das turmas profissionalizantes de garçom, Leandro Fortunato, 17 anos, já se prepara para atender os primeiros clientes do próprio bufê que montou, com uma equipe formada por outros ex-integrantes do curso. “Achava que ser garçom era uma coisa chata, só carregar bandeja. E descobri uma profissão legal, que é a que pretendo seguir. Vai dar certo”, garantiu.




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