Nacional Titulo
Placar deu ‘sim’ no jogo do referendo
Por Renan Cacioli
Sergio Kapustan
Do Diário do Grande ABC
09/10/2005 | 08:32
Compartilhar notícia


Domingo. Dia sagrado para reunir os amigos e acompanhar uma partida de futebol, seja no estádio ou pela televisão. Daqui a duas semanas, no entanto, o brasileiro terá outro compromisso anotado na agenda: votar no referendo sobre o desarmamento e optar pela proibição ou não do comércio de armas de fogo e munição no país. E se o esporte tem tudo a ver com este dia da semana, eles, os craques da bola, não poderiam ficar de fora da votação. Ao menos entre os boleiros de Santo André e São Caetano, rivais no Grande ABC, o duelo também promete ser bastante disputado: dos 22 titulares, o placar é 13 a 9 para os que apertarão a tecla do ‘sim’ nas urnas, antes de entrarem em campo na rodada do dia 23.

No Santo André, dos 11 titulares que vêm brigando na fase decisiva do Brasileiro da Série B, oito vão votar ‘sim‘ e três ‘não‘. A minoria do elenco é formada pelo lateral-direito Alexandre, o zagueiro Diego Padilha e o atacante Rodrigão, um dos ‘matadores‘ do Ramalhão no campeonato junto com o companheiro Sandro Gaúcho. Do outro lado do campo eleitoral, o goleiro Júlio César, os defensores Maxsandro, Da Guia e Dedimar, os meio-campistas Ramalho, Marco Antonio e Rafinha, além do próprio Sandro Gaúcho, são favoráveis à proibição da venda de armas.

Mas se são minoria entre os jogadores, a bancada do ‘não’ da equipe campeã da Copa do Brasil de 2004 tem um respaldo de peso para o referendo. O consultor técnico do time, Pepe, que brilhou nos gramados ao lado do rei Pelé, também abriu seu voto: “É não”. Segundo Pepe, a população tem o direto de “se armar contra os bandidos”.

Desentrosados – Ao contrário do vizinho e rival, o São Caetano está com o grupo rachado para comparecer às urnas no dia 23. Se mais tarde, no domingo da votação, eles estarão unidos dentro do gramado para encarar o Fluminense, pela Série A do Brasileirão, na hora de votar só não vai dar empate porque no futebol são 11 para cada lado. E no Azulão, os contrários à proibição levam a melhor: 6 a 5.

“Existem muitas pessoas, em lugares distantes, que precisam de armas para se defender, até mesmo de animais. Em alguns locais do Brasil, as pessoas dependem disso”, opina o atacante Dimba, nascido em Brasília e que traz do cerrado a experiência de quem vive em zonas afastadas dos centros urbanos – ele passou pelo Goiás em 2003, clube onde sagrou-se artilheiro do Brasileiro, com 31 gols. “Em Goiás mesmo, em algumas fazendas, o cara precisa de uma arma para se defender de algum bicho que queira invadir sua propriedade”, alerta o jogador.

O problema do São Caetano é que atletas da mesma posição parecem não falar a mesma língua. Ao lado de Dimba, na frente, Edílson é um dos que optaram pelo ‘sim’ no referendo. Coincidência ou não, o ataque do Azulão marcou apenas 37 gols no atual campeonato, um dos piores entre as 22 equipes que participam da competição. Na linha de cinco homens do meio-campo formada pelo técnico Jair Picerni, Alessandro (não), Zé Luís (sim), Claudecir (sim), Márcio Richards (não) e Triguinho (não) se desentendem na marcação e na armação das jogadas ofensivas. Para piorar a situação do time, o trio de zagueiros também está dividido: são dois pelo ‘não’ (Douglas e Gustavo), e apenas o jovem Thiago está de acordo com a proibição do comércio de armas. O goleiro Sílvio Luiz também votará no ‘sim’.

Na concentração – O volante Claudecir, um dos símbolos do São Caetano – onde foi por duas vezes vice-campeão nacional (2000 e 2001) –, traz um exemplo de casa para não gostar de armas de fogo: o pai, sargento aposentado da Polícia Militar. Quando era pequeno, Claudecir não gostava nem de ver a arma que o pai carregava na cintura para trabalhar. “Quando ele vestia a farda, eu passava longe da arma, mesmo sem munição. Só de ver uma já me dá pavor”, diz o volante do Azulão.

Ele afirma que diversos jogadores, muitos deles colegas de time, possuem porte de armas de fogo, e até as levam para as concentrações. Claudecir lembra de um episódio ocorrido durante o torneio Rio-São Paulo de 2002, quando ele atuava pelo Palmeiras e a equipe concentrou-se em Barueri antes de um jogo diante do rival São Paulo. “No Palmeiras tinha um jogador que andava armado. E quando estávamos concentrados, um grupo de torcedores são-paulinos foi soltar rojão lá perto dos nossos quartos. Esse jogador saiu dando tiro para cima. Depois, o Luxemburgo (Vanderlei Luxemburgo, técnico do Palmeiras na época) deu uma bronca nele”, recorda.

Nascido no interior do Estado, Claudecir reveza desde 1999 a moradia entre São Caetano do Sul e São Paulo. Apesar de nunca ter sido assaltado com uma arma de fogo, ele acredita que até mesmo uma pessoa de bem pode perder a cabeça diante de situações tensas. “Às vezes, a pessoa tem um bate-boca no trânsito e, com uma arma na mão, não pensa muito bem antes de fazer a coisa. Comigo mesmo, uma vez um motoqueiro passou e chutou meu retrovisor. Eu tive vontade de sair e pegar o cara, mas imagina se ele estivesse armado”, afirma o volante.

Claudecir entende que o problema mais grave do país na questão do desarmamento é impedir que estas armas cheguem às mãos dos bandidos. “Tem que desarmar também o bandido. Mas, infelizmente, no país que a gente vive, é muito difícil. Não querendo generalizar, mas muitas vezes é da própria polícia que o bandido adquire a arma”, ressalta.

Jogo sério – “A arma só traz infelicidade.” É com esta frase que o atacante reserva Somália explica o motivo de apoiar a proibição do comércio de armas de fogo no Brasil. Uma das razões pelo ‘sim’ do jogador no referendo vem da época em que ele morava em Ipatinga (MG), e com 12 anos perdeu um amigo muito próximo. “Quando a gente voltava da escola, ele gostava de pegar a espingarda do pai para atirar em passarinho. Uma vez, brincando com um amigo, a arma disparou. A bala acertou o coração, e ele morreu antes de chegar ao hospital”, lamenta Somália. “Por mais que o momento no Brasil seja delicado, arma só vai trazer prejuízo para todo mundo”, afirma o atacante.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;