O sentimento de pesar, misturado às lembranças das inúmeras contribuições para a preservação da memória de Santo André, marcaram o adeus ao médico, memorialista e ex-vereador Octaviano Armando Gaiarsa, enterrado nesta sexta à tarde no Cemitério da Vila Assunção. Apontado como o primeiro andreense a se preocupar em manter viva a história da cidade, Gaiarsa morreu quinta-feira à noite aos 93 anos. De acordo com familiares, a causa da morte foi insuficiência cardiorrespiratória.
O médico especializado em clínica geral pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) nasceu em 10 de julho de 1911, em Santo André, onde morou a vida toda. Completaria 94 anos daqui a um mês. Clinicou na Santa Casa de Misericórdia - hoje o Centro Hospital Municipal. As últimas três décadas e meia foram vividas num aconchegante apartamento na rua Monte Casseros, no Centro. Ali mantinha uma farta biblioteca, para onde sempre conduzia a reportagem do Diário quando procurado para dar entrevistas.
Gaiarsa dedicou parte de sua vida também à política. Entre 1948 e 1952, atuou como vereador da cidade pela extinta UDN (União Democrática Nacional), devido à anulação conferida aos diplomas obtidos por vereadores eleitos pelo PST (Partido Social Trabalhista). Embora breve, a aproximação com o Poder Legislativo foi o bastante para que dali nascessem novos projetos em favor da história de Santo André.
Um deles foi a parceria firmada com o fotógrafo Beltran Ascêncio para a criação da Câmera Clube. Durante duas décadas, o projeto viabilizou a exposição de fotos com imagens do cotidiano de Santo André em países como a Bélgica, Estados Unidos, Canadá, Argentina e Portugal. "Foi mais difícil expor as fotos em Portugal, cuja sociedade da época ainda era muito resistente a cidades com arquitetura mais moderna", relembrou Ascêncio, sexta, durante o velório.
As constantes contribuições para o acervo do Museu de Santo André renderam a Gaiarsa uma homenagem na reabertura do local em julho do ano passado. Na ocasião, dezenas de fotos doadas pelo médico ficaram expostas na mostra A Cidade e o Cidadão, em cartaz até o início desde ano. "Não tem um mês que ele fez novas doações de materiais, entre fotos e documentos", afirmou a agente cultural do Museu, Margarete Lemos Abreu.
"O que ele fez todos sabem. O que tem de ser lembrado é que patrimônio não é só museu. Pessoas e pensamentos também são patrimônios, e Octaviano Gaiarsa é um dos grandes patrimônios culturais de Santo André", disse a escritora Dalila Teles Veras, que também acompanhava o enterro.
Entre os mais emocionados estava o ex-prefeito Clóvis Sidney Thon, 72 anos, que administrou Santo André na década de 1960. "Falar muito sobre o Gaiarsa ainda é pouco. Trata-se de uma parte vida, e que até ontem (quinta-feira) estava viva, de Santo André", falou o ex-prefeito, que lembrou ter sido do médico e memorialista a façanha de reformular o brasão da bandeira andreense, em meados de 1960.
Um fato inusitado estampou a primeira página do caderno Setecidades, na edição de 18 de abril de 1998. O protagonista: Octaviano Gaiarsa, que aproveitou as obras antienchentes na rua Monte Casseros para literalmente enterrar o passado da cidade.
Os primeiros exemplares coloridos do Diário (de quem foi colaborador) e da Folha de São Paulo, duas canetas, uma caixa de fósforos, um diário contando os 86 anos até então vividos pelo médico e 72 moedas - do réis até o real - foram os objetos eleitos contemporâneos de Gaiarsa escolhidos por ele para "repousarem" em meio à terra escavada durante as obras. E que agora estão à espera de um arqueólogo que descubra as particularidades do andreense que amava sua cidade.
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