A decisão foi mantida com algumas determinações adicionais, entre elas que a Prefeitura continue a arrecadação do imposto da forma como era feita antes da contratação da Cobra, que autorize a impressão de novas notas fiscais, devolva as notas em poder aos contribuintes e possibilite o recolhimento do tributo por guias avulsas ou carnês. A Prefeitura não quis falar com a reportagem do Diário e se pronunciou por meio de uma nota à imprensa. A seguir, a íntegra:
"A Prefeitura Municipal de Santo André (PMSA) está cumprindo até o momento a decisão liminar da 1ª Vara da Justiça Federal, que objetiva a interrupção dos efeitos jurídicos do contrato firmado com a empresa Cobra Tecnologia S/A, para a implementação e gerenciamento do novo sistema do ISS. A PMSA, até a presente data, não foi intimada de qualquer nova decisão da Justiça sobre o referido contrato, não podendo, portanto, manifestar-se. O município tomará as medidas administrativas e judiciais cabíveis, tão logo seja intimado de qualquer nova decisão. Santo André, 27 de outubro de 2004."
Outras prefeituras da região utilizam o mesmo processo e não foram questionadas judicialmente. Em Diadema, por exemplo, a emissão eletrônica é feita desde maio do ano passado, enquanto Mauá adotou o sistema em setembro, sendo que, desde novembro de 2002, a Prefeitura começou a emitir todas as notas fiscais com formulários contínuos, código de barra e numeração seqüencial. São Bernardo e São Caetano também adotam um sistema de controle do tributo mediante a internet.
Base - O juiz fundamentou a decisão dizendo que o procedimento administrativo foi a base porque demonstrava a ausência de pesquisa de preços de mercado. Branco reforçou ainda que, embora a dispensa de preço de mercado tivesse sido justificada pela inviabilidade de realizar-se a pesquisa, pelas especificidades do contrato, pela desobrigatoriedade prevista nos incisos VIII e XVI da lei de licitações 8666/93, além da presunção de veracidade do parecer jurídico da consultoria geral do município, os fundamentos são contrários aos artigos 24, inciso VIII, e 26, inciso III, da mesma lei.
Branco derrubou também a alegação da Prefeitura quanto a possível prejuízo com o cumprimento da liminar, dizendo que os argumentos utilizados são "sofísticos", porque a situação pode voltar ao estado anterior de arrecadação, uma vez que o sistema novo seria totalmente implantado somente após o dia 10 de outubro. O juiz considerou que o ISS, por ser recolhido por ato do contribuinte (artigo 150 do Código Tributário), não apresenta prejuízo na arrecadação do tributo e, assim, a Prefeitura deve possibilitar o recolhimento do ISS por intermédio de guias avulsas ou carnês, como era feito anteriormente ao contrato impugnado. "A legitimidade dos atos administrativos não está imune ao crivo do Judiciário, podendo ser elidida com provas em contrário, que é o causo dos autos", diz o juiz na decisão.
"Pelo exposto, mantenho a liminar concedida e determino que a Prefeitura proceda a arrecadação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) conforme o procedimento anteriormente adotado ao contrato nº 63/04, devolvendo aos contribuintes os talões de notas fiscais anteriormente solicitados e autorizando a impressão de novas notas fiscais por intermédio do AIDF (Autorização de Impressão de Documento Fiscal), bem como possibilitar o recolhimento do tributo (ISS) por intermédio de guias avulsas ou carnês, tal como na forma anterior, até a decisão final. Esta decisão deverá ser amplamente divulgada aos contribuintes, inclusive por intermédio do diário oficial adotado pelo município, e afixadas tais informações nas dependências da praça de atendimento dos contribuintes, no prazo de 48 horas, submetendo o descumprimento às mesmas sanções pecuniárias fixadas na decisão liminar anterior", finalizou o juiz. A liminar estipulou o valor de R$ 10 mil por dia de descumprimento à decisão.
Ação - A OAB-SP pede na ação civil pública a nulidade do contrato entre a Prefeitura de Santo André e a Cobra Tecnologia apontando como motivos, entre outras ilegalidades, a alteração do objeto do contrato, do prazo e da dispensa indevida de licitação, com fundamento no artigo 24, incisos VIII e XVI, da lei de licitações 8.666/93.
O primeiro ponto é a diferença entre as especificações da dispensa de licitação e do contrato. Na primeira, o objeto previa a prestação de serviços técnicos especializados nas áreas de assessoria, consultoria, planejamento e organização para gestão do ISS, com aplicação de metodologia própria no valor mensal de R$ 368.249,40, com vigência de 12 meses. No entanto, o contrato previa a implantação do programa de modernização da gestão tributária, reforma da praça de atendimento no Paço Municipal e implantação da praça de atendimento dos contribuintes do ISS, incluindo o projeto arquitetônico, móveis, equipamentos de informática, periféricos, fornecimento de material e mão-de-obra para reforma da praça de atendimento e ainda redes elétricas, telefônica e lógica. Além disso, a Prefeitura, após três dias da publicação do contrato, mudou a vigência de 12 para 30 meses. Já o preço dos serviços contratados passaram a ser de R$ 11.047.482,00, correspondente à parte fixa, acrescidos de R$ 1.080.000,00 para pagamento da emissão de notas fiscais que seriam doadas aos contribuintes.
Por conta disso, o objeto da dispensa de licitação foi totalmente alterado na contratação, sem guardar qualquer relação com o mesmo. Isso, segundo a ação, inviabiliza a dispensa.
A ação aponta que a mudança de vigência visava à manipulação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), uma vez que ela determina regras para os contratos com prazo superior a dois anos, como a previsão no Plano Plurianual e a realização da estimativa do impacto orçamentário-financeiro do exercício em que deva entrar e nos dois subseqüentes, o que não foi feito. A OAB-SP aponta que o fato caracteriza ato lesivo ao patrimônio público.
Para a dispensa de licitação, a Administração se baseou no artigo 24, incisos VIII e XVI da lei 8.666/93, que prevê que a Cobra - para ter sido contratada nesse sistema - deveria ter sido criada pela Prefeitura de Santo André, com fim específico de prestar os serviços, em data anterior a 21 de julho de 1993, e desde que o preço contratado fosse compatível com o praticado no mercado. Além disso, ela teria de produzir os bens vendidos ou prestar diretamente os serviços.
O descumprimento dessa lei caracteriza lesão ao erário, prevendo perda patrimonial - punida com ressarciamento integral do dano, perda dos bens com valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer essa circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos públicos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano (a Prefeitura já desembolsou em torno de R$ 1,6 milhão) e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
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